Blog de roberiocanto_18846

Evitando falar sobre Carnaval

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

O desfile, justamente porque se movimenta, não se assemelha a um palácio. Parece, talvez, um mar que ondeia, sua e ruge

O desfile, justamente porque se movimenta, não se assemelha a um palácio. Parece, talvez, um mar que ondeia, sua e ruge

Desconfio que deveria falar sobre o Carnaval. Quem vai estar a fim de qualquer outra coisa, com o barulho dos tamborins vindo lá da rua? O problema é que sou pouco dado ao que antigamente se chamava, pedantemente, “tríduo momesco”, perífrase que deixou de ser usada quando o Carnaval em todo o Brasil foi esticando, esticando, até ocupar cinco dias nos lugares mais recatados, como nossa cidade, e sete ou oito dias em terras mais farristas, como a Bahia de São Salvador, de onde, aliás, o São Salvador se retira discretamente durante a folia.

Sobre o Carnaval, o máximo que eu poderia escrever não passaria de uma paródia do poema de Carlos Drummond de Andrade chamado “Nova Friburgo”, que se limita a isto: “Esqueci um ramo de flores no bolso do sobretudo”. Não, o plágio seria do seguinte verso do Poeta de Itabira: “Eu queria escrever um poema sobre a Bahia, mas eu nunca fui lá”. Ou seja, nem em poesia, que admite todos os desvarios, a gente deve dar palpite sobre o que não conhece. Portanto, meu texto ficaria assim: “Eu queria escrever uma crônica sobre o Carnaval, mas nunca participei de um”. Não chego a dizer que diante de um desfile eu seja igual a um burro olhando para um palácio, porque eu, que me movimento, até posso ser comparado a um burro (e muita gente já terá feito essa comparação), mas o desfile, justamente porque se movimenta, não se assemelha a um palácio. Parece, talvez, um mar que ondeia, sua e ruge.

Também, quando digo que me movimento, não quero dizer com isso que eu seja capaz de cair na farra. Não sei se ainda se usa a expressão “pular o Carnaval”, mas desconfio que, se eu tentar tamanha loucura, na Quarta-Feira de Cinzas estarei internado no Hospital Regional, porque já no primeiro pulo começarei a desmontar.

Isso me lembra de ter lido uma coisa extraordinária, relativa à Medicina. Um cirurgião, estando na Suécia, operou um doente que estava na Holanda, usando para isso um computador na sua mesa e um robô na sala de operação. E olha que foi uma operação no estômago ou ali por perto. As coisas hoje em dia se aperfeiçoam com tal velocidade que nem dá para acompanhar. Esta notícia mesmo, dita assim, deixa o ouvinte na dúvida: “Esse cara tá falando sério ou é piada?” Sim, porque parece mentira uma cirurgia em que há centenas de quilômetros entre o cortador e o cortado.

Mas, pensando bem, não há nada de novo nesse procedimento, visto que aqui no Brasil não raro acontece de o sujeito chegar a um Centro de Saúde, o nome do médico está na lista dos que estão de plantão, mas o médico propriamente não está ali. Saiu correndo “para atender a uma emergência”. Então, resta ao freguês dar-se por virtualmente atendido, e ir vivendo — ou morrendo, se melhor lhe convier — sem a contribuição médica mesmo.

E na hipótese remotíssima de algum médico ler esta coluna, hipótese de resto remotíssima em se tratando de qualquer categoria profissional, e mesmo em se tratando de pessoas sem profissão ou sem categoria, quero esclarecer que tenho grande respeito e admiração por quem cuida da saúde e da doença alheias e que desejo a todos os leitores, doutores em Medicina ou doutores em samba no pé, ou mesmo aos que como eu não são doutores em coisa nenhuma, um Carnaval muito alegre e muito tranquilo.

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A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

A pura verdade

terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Precisam se concentrar longamente para afinal concluir que dois e dois são cinco

Precisam se concentrar longamente para afinal concluir que dois e dois são cinco

Atualmente, se não tomarmos cuidado, facilmente nos transformamos numa ilha de desinformação e ignorância, cercada de mentiras por todos os lados. Nas redes sociais, então, só com muita paciência se pode lançar as redes e pescar uma verdade, no vasto mar de boatos, distorções e puro e simples mau-caratismo que aparecem na tela. Os absurdos mais escabrosos são apresentados como se fossem revelações divinas, finalmente colocadas ao alcance da humanidade, bastando para isso que os homens simplesmente acreditem. Não percam tempo pensando, apenas creiam.

E já que é assim, já que se pode contar qualquer lorota, já que o besteirol goza de tão amplo prestígio, já que Bertrand Russel estava certo ao dizer que “Tolos e fanáticos estão sempre cheios de convicção, enquanto os sábios estão sempre cheios de dúvidas”, também eu resolvi fazer algumas revelações, sabendo que não faltará quem nelas acredite. De antemão vou avisando que, como diria o poeta Manoel de Barros, só dez por cento é mentira, o resto é inventado. Acredite quem quiser e não me venham depois cobrar explicações. Pois bem, é fato comprovado que:

Finalmente chega ao mercado a vacina contra a burrice, criada nos renomados laboratórios ingleses Feiquenils. Com uma só dose, mesmo quem acha que raiz quadrada é um tubérculo comestível e prova dos nove é time de futebol com dois jogadores expulsos, sairá da farmácia explicando matemática quântica como quem ensina o bê-á-bá. Com uma dose de reforço, suas teorias farão Einstein parecer um menino de quinta série, e daqueles que precisam se concentrar longamente para afinal concluir que dois e dois são cinco.

Todos os supermercados da cidade doarão todo seu estoque aos pobres. A partir de amanhã e pelo prazo de um ano, tudo será de graça para quem comprovar que vive (ou morre) com até dois salários-mínimos. É só chegar e encher o carrinho, melhor ainda: os carrinhos. De uísque a água sanitária, de foie gras a molho de tomate, de computadores a banana d’agua, é só pegar e levar. Não importa se o seu sonho de consumo é uma peça de filé mignon, uma caixa de vinhos franceses ou um pacote de biscoitos Aimoré: é tudo grátis. Para evitar filas e demoras, o atendimento será por ordem alfabética dos sobrenomes: uma letra por dia. Não se preocupe se seu nome é Antônio Zwygness: seu dia vai chegar.

Indivíduos em atitude suspeita” não mais serão abordados pela polícia, e sim por equipes multidisciplinares, que contarão com psicólogos, médicos e nutricionistas. Todos dedicados a entender o que vem a ser essa tal “atitude suspeita”. Enfim, o diálogo substituirá pancada, a mão estendida substituirá o cacetete. Joelho no pescoço, never more! E, no caso de o “indivíduo” vir a ser preso, terá que cumprir integralmente a pena, mas somente após julgamento rápido e com a devida assistência jurídica. E mais: em presídios civilizados, que substituirão as atuais masmorras. O lema desses novos tempos deverá ser escolhido entre “Pobre também é gente” e “Ninguém é culpado até ter culpa provada”. Os mais internacionalizados preferem “Black lives matter”.

William Bonner se confessa comunista. Num inesperado ataque de sinceridade, Bonner declarou sua verdadeira inclinação política.  Em pleno Jornal Nacional, o apresentador garantiu que desde criancinha reza pela cartilha vermelha e que, aliás, foi alfabetizado lendo O Capital e que seus ídolos sempre foram Marx, Mao Tse Tung, Castro e, no Brasil, Luís Carlos Prestes. Diante da cara de dúvida dos telespectadores (ele as vê, assim como é visto), disse que foi infiltrado na Rede Globo para desmoralizar a emissora, mas, em vista do salário que vem recebendo dos Marinhos, ainda não teve coragem para cumprir a missão que lhe foi confiada pelo Partido.

Quer ter acesso a outras notícias tão verdadeiras quanto essas? É só entrar nas redes sociais, ler e ouvir e acreditar.

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Esse novelo chamado tempo

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Mas nada muda, só nós podemos mudar

Não é a primeira vez que conto isso, mas a proximidade do fim do ano me fez lembrar.  Meu filho, quando tão pequeno que passado, presente e futuro se misturavam em sua cabeça, assistia a um desenho na TV. Estávamos saindo para ir à casa de meu irmão, e ele tanto queria estar lá, brincando com o primo, quanto ficar em casa, vendo o resto do desenho.  Ainda não tinha aprendido essa dura realidade da vida: quem escolhe renuncia.

Mas nada muda, só nós podemos mudar

Não é a primeira vez que conto isso, mas a proximidade do fim do ano me fez lembrar.  Meu filho, quando tão pequeno que passado, presente e futuro se misturavam em sua cabeça, assistia a um desenho na TV. Estávamos saindo para ir à casa de meu irmão, e ele tanto queria estar lá, brincando com o primo, quanto ficar em casa, vendo o resto do desenho.  Ainda não tinha aprendido essa dura realidade da vida: quem escolhe renuncia.

Foi então que ele teve uma ideia tão verdadeiramente brilhante que brilhou em seus olhos. Sugeriu que a TV ficasse desligada, até que ele estivesse com o primo, e juntos continuassem a acompanhar a história, a partir do ponto em que ele a havia deixado, ao sair de casa.

Coisa de criança! diremos nós, com toda a razão. Mas também nós, tantas vezes queremos que o tempo pare, ou que se apresse, ao sabor de nossas necessidades e conveniências. Vemos os anos despencando um a um pelas folhas dos calendários e dizemos que o tempo passa, quando nós é que passamos, o tempo é túnica inconsútil, não tem remendos nem costuras.

O tempo nos ignora e vai em frente, indiferente às nossas alegrias ou sofrimentos, que fazem com que ele nos pareça apressado demais ou desesperadoramente lento. Ai, como o tempo voa no leito do amor! Ai, como o tempo se imobiliza no leito do hospital!

A nossa tão imensa, mas tão limitada inteligência não consegue abarcar a noção de infinito. Quando falamos que algo é infinito, estamos pensando em algo finito, pois mais do que isso não conseguimos compreender. O tempo, sim, é infinito, mas nossa passagem por ele é tão curta, tão já-é, já-era, já-foi, que precisamos dividi-lo para lidar com ele, para aprisioná-lo nos limites da nossa compreensão.

E foi por isso que inventaram a passagem de ano, quando nos parece que uma mudança acontece de verdade. Mas nada muda, só nós podemos mudar. Então esforcemo-nos verdadeiramente para que a virada que vai acontecer entre 31 de dezembro e 1º. de janeiro realmente nos impulsione, nos motive a fazer coisas novas e boas, na busca de um ano melhor, uma vida melhor, um mundo melhor para nós todos que aqui estamos neste momento, e para todos os que nos sucederão no infindável desenrolar desse novelo chamado tempo.

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Comendo ouro

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Pode se dar o caso de algum leitor estar pretendendo conhecer aquele fabuloso país do Oriente Médio

Pode se dar o caso de algum leitor estar pretendendo conhecer aquele fabuloso país do Oriente Médio

Eu nem vou entrar nessa discussão sobre aquele jantar dos jogadores e ex-jogadores brasileiros durante a Copa do Mundo, com bifes polvilhados a ouro e que custou o equivalente a quase um mês de Bolsa Família para os famintos do Brasil inteiro. E nem é a primeira vez que ouço falar nisso: em São Paulo, que é uma cidade rica, mas é pobrezinha de marré deci quando comparada a Doha, capital do Qatar, já servia essa iguaria tempos atrás. Na época em que li isso, fiquei sabendo que o ouro não tem nenhum valor alimentício, nem acrescenta nenhum sabor à comida. Ou seja: é pura ostentação. Nem mesmo pode ser peneirado e reaproveitado após a comida ter cumprido todo o seu percurso, terminando como todos nós sabemos, seja a do Principe Charles, no Palácio de Buckingham, seja a do seu Manuel Pedreiro, no Morro da Providência.

Mas não fiquei revoltado com nossos milionários atletas, muitos dos quais têm origens tão humildes que, se não tivessem pés tão inteligentes, talvez estivessem na fila para receber os R$ 600,00 que o Governo Federal paga aos pobres mais pobres do Brasil. Acho horrível o que eles fizeram, totalmente indiferentes à fome do povo brasileiro. Mas eles não são os únicos que perderam a noção das coisas e o sentimento de solidariedade com os que, como eles, também jogam duro para ganhar a vida, só que dirigindo caminhão, carregando cimento, vendendo banana na feira ou simplesmente estendendo a mão a quem passa na calçada e parece estar um pouco melhor de vida. Nossos atletas não são diferentes de nós, são como nós, apenas com muito mais dinheiro, e dinheiro ganho muito depressa. Tivéssemos tido a mesma oportunidade, talvez não fizéssemos outra coisa senão o que muitos deles fazem: carrões velocíssimos, relógios caríssimos, mulheres longuíssimas. E seria injusto ignorar que muitos deles têm se revelado gente boa, ótimos filhos, pais e maridos.

Não vamos misturar as coisas. As qualidades pessoais (ou falta delas) nos rapazes da Seleção Canarinho não é o futebol. Futebol é um esporte que muitos admiram e muitos ignoram ou mesmo desprezam. Mas nele, como em todas as outras ocupações humanas, tem gente de todo tipo. Millôr Fernandes escreveu que o ser humano foi o único animal que não deu certo. Não sejamos tão radicais. Às vezes nasce um Ghandi, às vezes nasce um Hitler. Às vezes dá certo, às vezes não dá. C'est la vie, como dizem os franceses.

Por outro lado, me ocorre que pode se dar o caso de algum leitor estar pretendendo conhecer aquele fabuloso país do Oriente Médio, onde um prédio modesto pode subir 238 metros em direção ao céu, com 46 andares para cima e mais três enfiados chão abaixo. Caso seja esse o seu caso, no intuito de ajudá-lo a bem comer naquela terra estrangeira, andei fazendo uma pesquisa na internet sobre os restaurantes locais. Acabei optando por lhe sugerir a casa do renomado chef catari Nusret Gokçe, aquele mesmo que serviu o “bife de ouro” aos valentes e então esperançosos representantes do nosso futebol.

Não creio que você vá discordar do lema de Nusret (“Qualidade nunca é cara”), nem vai desistir de um jantar no restaurante dele só poque a conta fica por volta de R$ 900.000,00. À primeira vista, parece que tem zero demais nesse número, mas não: esse é o preço a pagar se você quer voltar ao Brasil dizendo (é melhor fotografar também) que jantou no mesmo lugar em que Ronaldo Fenômeno espetou um pedaço de carne e a deixou cair na boca escancarada de Vinícius Jr.

Mas se ao menos temos aquele bifezinho caseiro, com arroz e feijão, ergamos as mãos para o céu. Não é preciso que sobre ele brilhe ouro salpicado, mas é indispensável que em volta da mesa reine o prazer das coisas boas e simples, o a felicidade dos encontros que não precisam ser manchete para serem momentos de felicidade.

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A pura verdade

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Precisam se concentrar longamente para afinal concluir que dois e dois são cinco

Precisam se concentrar longamente para afinal concluir que dois e dois são cinco

Atualmente, se não tomarmos cuidado, facilmente nos transformamos numa ilha de desinformação e ignorância, cercada de mentiras por todos os lados. Nas redes sociais, então, só com muita paciência se pode lançar as redes e pescar uma verdade, no vasto mar de boatos, distorções e puro e simples mau-caratismo que aparecem na tela. Os absurdos mais escabrosos são apresentados como se fossem revelações divinas, finalmente colocadas ao alcance da humanidade, bastando para isso que os homens simplesmente acreditem. Não percam tempo pensando, apenas creiam.

E já que é assim, já que se pode contar qualquer lorota, já que o besteirol goza de tão amplo prestígio, já que Bertrand Russel estava certo ao dizer que “Tolos e fanáticos estão sempre cheios de convicção, enquanto os sábios estão sempre cheios de dúvidas”, também eu resolvi fazer algumas revelações, sabendo que não faltará quem nelas acredite. De antemão vou avisando que, como diria o poeta Manoel de Barros, só dez por cento é mentira, o resto é invenção. Acredite quem quiser e não me venham depois cobrar explicações. Pois bem, é fato comprovado que:

Finalmente chega ao mercado a vacina contra a burrice, criada nos renomados laboratórios ingleses Feiquenils. Com uma só dose, mesmo quem acha que raiz quadrada é um tubérculo comestível e prova dos nove é time de futebol com dois jogadores expulsos, sairá da farmácia explicando matemática quântica como quem ensina o bê-á-bá. Com uma dose de reforço, suas teorias farão Einstein parecer um menino de quinta série, e daqueles que precisam se concentrar longamente para afinal concluir que dois e dois são cinco.

Todos os supermercados da cidade doarão todo seu estoque aos pobres. A partir de amanhã e pelo prazo de um ano, tudo será de graça para quem comprovar que vive (ou morre) com até dois salários-mínimos. É só chegar e encher o carrinho, melhor ainda: os carrinhos. De uísque a água sanitária, de foie gras a molho de tomate, de computadores a banana d’agua, é só pegar e levar. Não importa se o seu sonho de consumo é uma peça de filé mignon, uma caixa de vinhos franceses ou um pacote de biscoitos Aimoré: é tudo grátis. Para evitar filas e demoras, o atendimento será por ordem alfabética dos sobrenomes: uma letra por dia. Não se preocupe se seu nome é Antônio Zwygness: seu dia vai chegar.

Indivíduos em atitude suspeita” não mais serão abordados pela polícia, e sim por equipes multidisciplinares, que contarão com psicólogos, médicos e nutricionistas. Todos dedicados a entender o que vem a ser essa tal “atitude suspeita”. Enfim, o diálogo substituirá pancada, a mão estendida substituirá o cacetete. Joelho no pescoço, never more! E, no caso de o “indivíduo” vir a ser preso, cumprirá integralmente a pena recebida, mas somente após julgamento rápido e com a devida assistência jurídica. E mais: em presídios modernos, que substituirão as atuais masmorras. O lema desses novos tempos deverá ser escolhido entre “Pobre também é gente” e “Ninguém é culpado até ter culpa provada”. Os mais internacionalizados preferem “Black lives matter”.

William Bonner se confessa comunista. Num inesperado ataque de sinceridade, Bonner declarou sua verdadeira inclinação política.  Em pleno Jornal Nacional, o apresentador garantiu que desde criancinha reza pela cartilha vermelha e que, aliás, foi alfabetizado lendo O Capital e que seus ídolos sempre foram Marx, Mao Tse Tung, Castro e, no Brasil, Luís Carlos Prestes. Diante da cara de dúvida dos telespectadores (ele as vê, assim como é visto), disse que foi infiltrado na Rede Globo para desmascarar a emissora, mas, em vista do salário que vem recebendo dos Marinhos, ainda não teve coragem para cumprir a missão que lhe foi confiada pelo Partido.

Quer ter acesso a outras notícias tão verdadeiras quanto essas? É só entrar nas redes sociais, ler e ouvir. Mas nada de se meter a ficar questionando, hem!

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Esperando a Copa do Mundo

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Este país tão grande e tão perdido em sua própria grandeza

Este país tão grande e tão perdido em sua própria grandeza

Tem gente que gosta de futebol, tem gente que odeia. O escritor argentino Jorge Luís Borges, tido como um dos grandes da literatura mundial, disse numa entrevista considerar o futebol um “esporte estúpido”. Sobre a Copa do Mundo em seu país, classificou o evento como “uma calamidade” que “felizmente vai passar” e aproveitou para fazer uma palestra justamente na hora da abertura da competição (auditório lotado). Já Nélson Rodrigues, desde “Vestido de Noiva,” considerado o mais importante dramaturgo brasileiro, era tricolor apaixonado e considerava que “o escrete é a pátria de chuteiras” (naquela época a seleção era chamada de escrete e não disputava partidas, desfilava em campo, diante dos adversários). O “Anjo Pornográfico”, como o chamou Ruy Castro, era, além de teatrólogo, contista, romancista e cronista. Ou seja, se tem intelectual que abomina, tem intelectual que adora esse esporte.

Agora que se aproxima a Copa do Mundo, são poucas as pessoas que conseguem (ou fingem conseguir) ficar alheias ao que vai acontecer no Catar e pouco ligar se vamos ser campeões ou se vamos ser eliminados ainda nas oitavas de final, e logo pela Argentina. E até ouvi um cidadão declarar com orgulho (sem saber que estava parodiando Karl Marx) que torce contra o Brasil porque considera o futebol o ópio do povo... porque os jogadores ganham muito dinheiro... porque não podemos mesmo ser melhores em nada... etc.

 Ora, somos alienados em muitas coisas e pouco ou nada nos revoltamos contra a miséria, a fome, a injustiça e a roubalheira. Desunidos em tantas coisas, o futebol é uma das poucas que ainda nos unem e reúnem. E se o futebol assim nos agrega e congrega, quem sabe não chegará o dia em que, a partir dele, nos tornaremos patrióticos em relação a tudo mais que diga respeito a este país tão grande e tão perdido em sua própria grandeza, país que foi assim cantado no exílio por Vinícius: “Não te direi o nome, pátria minha / Teu nome é pátria amada, é patriazinha”.

Eu sou dos que gostam de futebol, do jeito que considero que vale a pena gostar. Ou seja, torcer sem exagero, se emocionar sem choradeira, comemorar sem perder a compostura e a civilidade. Não xingo a mãe do juiz, nem mesmo quando acho que ele está errado e considero uma total imbecilidade discutir ou brigar por causa de futebol. Torço pelos times do Rio contra os de outros estados, pelas equipes brasileiras contra as de outros países e pela Seleção Canarinho em qualquer circunstância.  No mais, fico contente quando meu time ganha e não fico triste quando ele perde. Mais fair play do que isso não é possível.

Durante quatro copas seguidas, usei uma camisa com a inscrição “Brasil rumo ao hexa”. A camisa desbotou e o Brasil não ganhou. Agora que a joguei fora, por inútil e azarada, pode ser que a vitória venha. Os cronistas esportivos acham que há boas chances. De qualquer forma, estando a seleção em campo, estarei eu na frente da televisão, ansioso para gritar (moderadamente): “É campeão! É hexa! É pátria amada, é patriazinha!

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Dois trabalhadores

terça-feira, 01 de novembro de 2022

Gouveia

Gouveia

Gouveia era um sujeito que vivia para juntar dinheiro. Aos quarenta, já possuía uma fortuna que dava para ele viver mais 200 anos. Estudou à noite porque era de graça, e convenceu o pai a lhe dar o dinheiro com que pagaria a escola. Começou a vida profissional gerenciando uma marcenaria, da qual se tornou sócio e depois proprietário, não sem que o antigo patrão fosse misteriosamente à falência. A marcenaria virou fábrica de móveis e, com talento, persistência e muito trabalho, em pouco tempo Gouveia já estava vendendo mesas, camas e armários até para o estrangeiro. Não gostava de festas, detestava cinema e não perdia tempo ouvindo música.

Apaixonou-se por uma arquiteta e chegou a ficar noivo, mas rompeu o noivado para se casar com a filha de um empreiteiro do ramo da construção civil. Com o sogro aprendeu tanto que acabou abrindo sua própria construtora. O velho não chegou a falir, mas parou de enriquecer, porque o genro concorria com ele metro a metro, terreno por terreno, obra por obra. Preferiu não ter filhos, que tomam muito tempo e dão muita despesa. Quando a mulher pediu o divórcio, entregou-lhe o mínimo que pôde e nunca mais se arriscou com outra, para não ter que novamente desfazer-se de alguns anéis para salvar todos os dedos.

Como eu disse no começo, Gouveia era um sujeito que vivia para juntar dinheiro. Aos quarenta, já possuía uma fortuna que dava para ele viver até os 200 anos. Morreu aos quarenta e dois.

Michelangelo

Tinha uns servicinhos pra fazer na casa e para essas coisas, como para tantas outras, eu sempre tive grande talento para não saber como fazer. O candidato que apareceu ouviu de mim um relato completo do que andava vazando, apagando ou descascando. Perguntei-lhe então o que ele mesmo poderia resolver, e se ele podia indicar outros profissionais para o que estivesse fora de sua especialidade.

─ Deixa comigo. Sou pintor, pedreiro, eletricista e encanador. Depois de amanhã tá tudo resolvido. Vai ficar nos trinques!

“Esse homem é capaz de construir sozinho outra Capela Sistina”, pensei eu. E como eu não era o Papa Sisto, tanto quanto não sou o Papa Francisco, deixei tudo por conta daquela competência exuberante. Oito dias depois ele concluiu a obra do século, tendo feito diversos reajustes e aditivos, tanto no material gasto quanto no preço da mão de obra. Mas, tudo bem, finalmente a casa voltaria a funcionar “nos trinques”.

Estava eu nessa ilusão quando alguém da casa perguntou: “Que umidade é essa aqui na parede?” A essa pergunta seguiram-se outras igualmente desagradáveis: “Por que essa lâmpada não para de piscar?”, “Por que essa porta não fecha mais?” Lá pela décima pergunta, eu já tinha concluído que o meu Michelangelo só tinha feito porcaria. Se eu fosse o Papa Sisto, no mínimo mandava prendê-lo (o Papa Francisco, não, que esse é de boa paz).

Procurei pelo homem, que, depois de muitas explicações sobre a lamentável qualidade do material usado na construção da casa, prometeu voltar na semana seguinte, para finalmente deixar tudo “nos trinques”. Isso já vai para uns cinquenta anos. Não sei se o pintor-pedreiro-eletricista-encanador ainda está vivo. Mas não perdi a esperança de que ele apareça para terminar o serviço. Nos trinques!

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Lembranças bancárias

terça-feira, 18 de outubro de 2022

Quando se é jovem tudo é bom, ou pelo menos não é ruim por muito tempo

Quando se é jovem tudo é bom, ou pelo menos não é ruim por muito tempo

A maior prova da solidez do sistema financeiro nacional é que eu fui bancário por três anos e nem o banco faliu nem o sistema entrou em colapso. Considerando a minha pouca ─ pra falar a verdade nenhuma ─ simpatia por números, contas, algoritmos, tabelas ou qualquer coisa que lembre a matemática, foi um milagre. Somente a existência do anjo da guarda dos banqueiros explica que eu tenha sido caixa sem provocar uma quebradeira nacional. Deixando a modéstia de lado, declaro que, se não dei grandes lucros aos banqueiros que me empregavam, também não os levei à bancarrota.

No banco exerci as mais augustas funções e de algumas sempre me lembro quando ouço falar em PIX e outras modernidades. Por mais incrível que pareça, entre as minhas altas responsabilidades constava a de ir ao Rio de Janeiro, às segundas-feiras cedinho, para buscar o dinheiro que iria abastecer a agência durante a semana. Lá me encontrava com um colega que já chegava munido de uma grande bolsa de couro, a qual, abarrotada de cédulas, subia a serra conosco pelo ônibus da Viação Friburguense. De modo que posso orgulhar-me de ter sido também guarda-costas e de muito ter contribuído para que os clientes, ao chegarem à agência, encontrassem os caixas abastecidos.

Também era superadiantado o sistema de compensação de cheques. Nada desse negócio de número transitando nas nuvens, via internet. Ao longo do dia, um funcionário mais ralé (por exemplo, eu) ia recolhendo os cheques, separando e somando. No fim do expediente, lá ia ele para a agência do BB, aonde todos os bancos mandavam seus representantes, geralmente tão graduados quanto eu. E então era feita a troca física dos cheques. Isso mesmo: cada banco entregava os cheques aos demais e recebia deles os que lhe pertenciam. No fim, feitas todas as contas, o BB registrava tudo, debitava aqui, creditava ali, e dava o assunto por encerrado. Se alguém então reparasse em mim, veria um rapazinho atravessando a Alberto Braune, entre 17h e 18h, abraçado a uma bolsa, plenamente consciente da fortuna que levava nas mãos.

De repente, uma novidade provocou grandes e orgulhosos comentários na agência: o “Fluxo Contínuo”. Até então o próprio caixa recebia, pagava, apanhava a ficha do cliente e fazia as devidas anotações. Sendo que as contas eram feitas a lápis, porque máquina de calcular era preciosidade só alcançável de subgerente para cima. Foi, pois, uma grande revolução quando resolveram dividir essas tarefas entre dois funcionários. À frente, o encarregado de atender o cliente e passar a papelada para o colega da retaguarda, ao qual cabia fazer os registros.

Muito haveria para contar sobre um tempo em que os bancários, mesmo os mais humildes, eram obrigados a usar gravata. Mas vou citar apenas mais um exemplo da modernidade do sistema bancário brasileiro nos idos da década de 70. As transações de uma cidade para outra eram feitas no grito. Explico. Dadas às então maravilhosas condições da telefonia nacional, um funcionário se trancava numa cabine adredemente (desculpem!) preparada e ditava aos berros, letra por letra, número por número, a operação a ser realizada. Alguns levavam isso meio na brincadeira e ficavam soletrando, enquanto a cabine estremecia: O, de Ourora... L de ladrão... I, de incelência...

Bons tempos! Na verdade, não sei se os tempos eram tão bons assim, mas eu era jovem e quando se é jovem tudo é bom, ou pelo menos não é ruim por muito tempo. Eu aguentei três anos!

PS – Dedico esta crônica a Américo Alves dos Santos, Eucy Lima da Silva, José Freire dos Santos, Luis Fernando Penna, Luiz Fernando Bachini, José Carlos Linch, o vivíssimo Eduardo com o seu famoso apelido “Já Morreu”, Ronaldo Eyer, Siegfried Bush, Vinícius do Lago Zamith e a todos os meus contemporâneos no Banco da Lavoura de Minas Gerais.

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Datas memoráveis

terça-feira, 04 de outubro de 2022

O Brasil, onde o que não falta é criatividade para inventar besteira

Eu não me canso de ouvir no rádio, toda manhã, a que ou a quem aquele dia é dedicado. E uma vez que inutilidade também é cultura, não custa você ficar sabendo essas coisas. Afinal, como dizia minha mãe, saber não ocupa lugar. Assim sendo, no desejo de colaborar com a erudição do prezado leitor e da não menos prezada leitora, trago valiosas informações a respeito de algumas dessas efemérides, se me permitem usar a palavra “efeméride”, por ser a mais compatível com a dignidade do assunto.

O Brasil, onde o que não falta é criatividade para inventar besteira

Eu não me canso de ouvir no rádio, toda manhã, a que ou a quem aquele dia é dedicado. E uma vez que inutilidade também é cultura, não custa você ficar sabendo essas coisas. Afinal, como dizia minha mãe, saber não ocupa lugar. Assim sendo, no desejo de colaborar com a erudição do prezado leitor e da não menos prezada leitora, trago valiosas informações a respeito de algumas dessas efemérides, se me permitem usar a palavra “efeméride”, por ser a mais compatível com a dignidade do assunto.

Tem, por exemplo, o Dia Nacional do Adulto, destinado a criar mais uma oportunidade de bons negócios para o comércio. Acho que a ideia não pegou porque talvez as crianças quisessem dar presentes em retribuição aos que costumam ganhar em 12 de outubro, mas para isso precisariam pedir dinheiro aos próprios adultos, e ninguém gosta de pagar para ser homenageado. O que me lembra aquela anedota em que Napoleão Bonaparte vai a uma cidadezinha, onde é ricamente recebido:  festas, vinhos, banquetes.  Na despedida, o prefeito lhe pede dinheiro, alegando que está com o baú vazio. O imperador lhe pergunta então como pode a cidade estar falida, se haviam gasto uma fortuna para recebê-lo. Ao que o sensato burgomestre responde: “Majestade, não fizemos mais do que devíamos, mas devemos tudo que fizemos”.

Não falta o Dia Estadual do Samurai (que não é no Japão, e sim em Santa Catarina), nem o Dia Municipal do Orgasmo, na orgíaca cidade de Esperantina, no Piauí. Mas não só o brasileiro gosta de safadeza. Nos Estados Unidos, por exemplo, tem o Dia da Masturbação, oficializado na época da Aids, com a santa intenção de incentivar as pessoas mais necessitadas a evitarem sexo promíscuo e assim escaparem da doença. E é lá que se comemora o Dia Mundial do Disco Voador, não faltando americano que jura de pés juntos já ter visto mais de um alienígena e até mesmo ter sido abduzido, dado umas voltas pelo universo e gentilmente deixado de volta na porta de casa.

Retornando ao Brasil, onde o que não falta é criatividade para inventar besteira, encontramos o Dia da Injustiça, enquanto vamos sonhando com o dia da justiça, que tanto demora a chegar. Por fim, para não alongar a lista interminavelmente, temos o Dia Municipal da Luta de Braço, criado pela laboriosa Câmara de Vereadores de Belo Horizonte, para valorizar a conhecida “queda de braço”, popular não só na capital mineira, mas nos botequins de todo o Brasil.

Vai ver que é justamente por falta de informação que você tem trabalhado no 10 de agosto, estando desobrigado dessa canseira, por se tratar do Dia Internacional da Preguiça. Macunaíma, “o herói da nossa gente”, era tão preguiçoso que levou seis anos para falar, e a primeira frase que disse foi “Ai, que preguiça!” Se não é bem assim, os leitores de Mário de Andrade que me corrijam. Apesar do bom exemplo macunaímico, o brasileiro trabalha pelo menos 44 horas semanais, enquanto um holandês não fica no batente nem 30 horas. Pra ser sincero, os europeus são um bando de preguiçosos, senão, vejamos: dinamarqueses, 32, noruegueses, suíços, austríacos, belgas, italianos, irlandeses, suecos e finlandeses, entre 34 e 35 horas. O que nos consola é saber que os colombianos encaram 47 horas semanais e, lá como cá, como diria o professor Raimundo, o salário: oh! 

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A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Se não fosse aquela chuteira!

terça-feira, 20 de setembro de 2022

─ Um craque! De Seleção! Pode perguntar. De Seleção!

Vendo-o assim, meio barrigudo e cambaio, não parece. Mas eu não vim ao mundo para contradizer ninguém e balanço a cabeça em sinal de santa concordância.

─ De Seleção! Pode perguntar. Se não fosse aquela chuteira...

─ Um craque! De Seleção! Pode perguntar. De Seleção!

Vendo-o assim, meio barrigudo e cambaio, não parece. Mas eu não vim ao mundo para contradizer ninguém e balanço a cabeça em sinal de santa concordância.

─ De Seleção! Pode perguntar. Se não fosse aquela chuteira...

Hoje em dia, se você quiser saber o que qualquer garoto pretende ser no futuro, tem grande possibilidade de ouvir “jogador de futebol” como resposta. Sonho que nasce ao verem seus ídolos ganhando um dinheirão, tratados como deuses aonde quer que cheguem. O problema é que para cada abelha rainha há milhares de abelhas operárias, operárias do futebol. Essas rolam de um clube pequeno para outro menor, até serem jogadas para escanteio. Sim, muitos são chamados pelo fascínio da bola, mas poucos os escolhidos para a glória dos estádios.

E o pior é que, como acontece em quase tudo na vida, não é só o talento que conta. Há verdadeiros pernas de pau vestindo camisas famosas, enquanto outros, talvez mais talentosos, atravessam a curta carreira como quem bate um pênalti para fora e cedo recebem cartão vermelho na memória e na estima dos torcedores. É questão de dar um chute certeiro, fazer o gol da vitória, substituir o titular que se machucou...

Um desses ex-futuros grandes craques me contou que sua maior glória foi aparecer na televisão.

─ Você deve ter feito um gol de placa! Elogio eu (mais ou menos sincero).

─ Não, eu estava era correndo atrás do Roberto Dinamite!

Pois é, por obra e graça dessas tabelas que só os cartolas sabem fazer, seu timinho tinha ido enfrentar o Vasco no Maracanã. Um desses jogos em que uma equipe faz das tripas coração, ou melhor, das canelas coração, para evitar a goleada, enquanto o outro passeia em campo, procurando não se cansar à toa. Em resumo, o Vasco vencia, mas não humilhava.

Eis senão quando Dinamite, que até então mais parecia estar pensando na morte da bezerra, explode em direção à área adversária. E lá estava, humilde, porém honrado, o nosso narrador.

─ Sem querer me gabar, parti pra cima dele! Ele quinou pra cá, pra lá e foi direto pra nossa meta, cheio de más intenções. Disparei atrás dele, mas não cheguei a tempo. Foi um gol de placa, deu até no Fantástico. Lá em casa todo mundo me viu perseguindo o Dinamite. Até hoje esse lance é o orgulho da minha família!

E agora vem esse outro, a me garantir que, se não fossem aquelas chuteiras, teria chegado à Seleção.

─ Futebol eu tinha. Pode perguntar. Futebol não me faltava!

Não sei a quem perguntar e fico só ouvindo.

─Tanto que fui treinar no Botafogo. Sabe por que não fiquei? Me deram uma chuteira dois números menor que meu pé. Um pé de respeito, meu chute derrubava goleiros. Mas, com uma chuteira apertando os dedões... nem Pelé. Cheguei pros homens e falei: A chuteira tá apertada. Eles disseram que mandavam me chamar para outro treino. Tou esperando até hoje. Mas futebol eu tinha. Pode perguntar. Se não fosse aquela chuteira...

E quem de nós, olhando a vida pelo retrovisor, não há também de se lembrar de ao menos uma situação em que teve de calçar um número duas vezes menor do que o pé e, suspirando, exclamar metaforicamente: Se não fosse aquela chuteira...?

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