Blog de roberiocanto_18846

Aniversário do jornal

sexta-feira, 07 de abril de 2023

A cada texto meu na coluna Escrevivendo, constato que tanto as pessoas mais cultas, que têm o hábito de leitura, quanto as de modesta escolaridade, tomam conhecimento do que publiquei. Um comentário, uma palavra, às vezes apenas um gesto, e eu me certifico de que ali está um leitor de A VOZ DA SERRA.

E essa é apenas uma das formas pelas quais percebo a repercussão que o jornal alcança nos diferentes estratos da sociedade friburguense, e como grande parte da população nele se baseia para saber o que está acontecendo, para clarear as ideias, para formar opinião.

A cada texto meu na coluna Escrevivendo, constato que tanto as pessoas mais cultas, que têm o hábito de leitura, quanto as de modesta escolaridade, tomam conhecimento do que publiquei. Um comentário, uma palavra, às vezes apenas um gesto, e eu me certifico de que ali está um leitor de A VOZ DA SERRA.

E essa é apenas uma das formas pelas quais percebo a repercussão que o jornal alcança nos diferentes estratos da sociedade friburguense, e como grande parte da população nele se baseia para saber o que está acontecendo, para clarear as ideias, para formar opinião.

Isso certamente se deve à credibilidade do jornal, credibilidade que é uma tradição de 78 anos. A apuração dos fatos, a opinião equilibrada, a variedade de assuntos, a coerência entre o que opina e o que informa, a qualidade gráfica, são algumas das razões que levam os leitores a lerem e a confiarem em AVS.

Neste dia 7 de abril, em que por feliz coincidência se comemora o Dia do Jornalista, A VOZ DA SERRA mais uma vez se faz ouvir, respeitar e admirar. A todos que, ao longo desses anos o conduziram e a todos que atualmente o põe nas bancas, a minha homenagem e os meus aplausos.

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A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Micronarrativas

terça-feira, 28 de março de 2023

Escrever pouco e, ainda assim, dizer algo

Escrever pouco e, ainda assim, dizer algo

”Inutilia Truncat”, recomendavam os poetas árcades. Cortar o inútil é sempre um bom conselho, tanto na vida quanto na literatura. Esquecer aquela mágoa tão antiga, livrar-se das roupas há muito penduradas nos cabides, tirar do texto as palavras inutilmente penduradas nas frases. Como tão bem fazia Graciliano Ramos, como fez sobretudo em “Vidas Secas”. Bem sei que há obras, como as de Guimarães Rosa, que são oceanos de palavras, mas só quando se é Guimarães Rosa é que se pode navegar pelos mares e dicionários conhecidos e ainda inventar outros tantos. Nos demais casos, é uma grande qualidade ser econômico e mesmo avarento ao escrever (e não menos ao falar). Além do que, como ensinou Winston Churchill, “das palavras, a menor; das menores, a mais simples”.

Um exercício interessante para ir-se libertando do palavrório é dedicar-se à criação das chamadas micronarrativas: nanocontos, microcontos, minicontos. São contos, como o nome indica, mas geralmente limitados a 50, 150, 300 caracteres respectivamente, considerando-se como tal não apenas as letras, mas também a pontuação e os espaços, ou seja: qualquer toque no teclado. É um desafio sintetizar em poucas palavras uma ideia, uma emoção, um sentimento. A partir de um estímulo ocasional, contar uma história. Ou, na verdade, apenas lançar uma isca, convidando o leitor a usar a imaginação e a criatividade para mentalmente concluir o que no texto é sugestão e lacuna.

Ultimamente tenho feito esse desafio a mim mesmo. E hoje convido você a ser coautor/a dessas tentativas de escrever pouco e, ainda assim, dizer algo que mereça a atenção e a reflexão dos leitores. Eis aí alguns dos meus microcontos. Conto com a sua parceria para que eles, afinal, “digam” alguma coisa que valha o tempo de terem sido lidos.

CONTRATEMPO - Homem segurando a mão da mulher:

─ Mas o Flamengo atrapalha em quê?

─ O Alfredo não vai sair de casa hoje. Vai ficar vendo o jogo pela TV.

DESCUIDO - Contemplei admirado a madeira maciça da porta que meu amigo fechava. No hospital, lamentei gemendo não ter tirado a mão a tempo.

TREVAS - Emocionado, abraçou a filhinha e suavemente tocou em seu rosto. Todos diziam que ela era linda. Queria tanto não ser cego!

SINA - Desde criança tinha um medo horrível de morrer engasgado. Até o dia em que um caroço de azeitona pôs fim a todos os seus medos.

DESCOBERTA - Tinham sido namorados. Ao reencontrá-la dez anos depois, olhou o menino que estava com ela e compreendeu que era pai.

GATILHO - Ele sabia por quem os sinos dobram e que o sol também se levanta. Mas, apesar de ter dado adeus às armas, pegou a espingarda e a colocou sob o queixo.

VOO - A estrada era muito sinuosa. “Não corra tanto”, ela pediu. Mas ele não lhe deu ouvidos e na curva seguinte as palavras dela caíram no vazio.

SURPRESA - Voltou mais cedo, disposto surpreender a mulher e levá-la para o quarto. Quase enfartou ao constatar que os dois lugares da cama já estavam ocupados.

PÁ DE CAL - Devia ter feito as pazes com o pai, ia pensando enquanto Segurava a alça do caixão.

PÊNALTI - O Saci Pererê chutou a bola e fez o gol, mas levou o maior tombo.

ROMANCE - Era um homem bonito, apaixonado e ... solteiro. Tereza viveu feliz com ele, até o dia em que uma mulher com duas crianças bateu na porta da casa dela.

PRIMAVERA - Luisinho apaixonou-se pela prima Vera. O parentesco não era problema. O problema era ele ter oito anos, ela ter vinte e cinco e ser noiva do Marcão.

RIQUEZA - Gouveia era um sujeito que vivia para juntar dinheiro. Aos trinta, já possuía uma fortuna que dava para ele viver 200 anos. Morreu aos trinta e dois.

LOUCURA - Na família, só ele são. Pai, Getúlio Vargas; irmã, Princesa Isabel. Após visitá-los no hospício, saiu decidido a proclamar a Independência do Brasil.

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Notícias mortais

terça-feira, 14 de março de 2023

A morte abomina hipérboles e eufemismos

A morte abomina hipérboles e eufemismos

Importamos dos Estados Unidos a expressão fake news porque, para os brasileiros, até notícia falsa parece mais verdadeira se anunciada em inglês. Mas, com a criatividade que não nos falta, rapidamente ultrapassamos os americanos e todos os demais povos do mundo na produção de mentiras online. Pena que não exista Nobel para criadores de lorotas, calúnias, invencionices, desinformação e coisas afins, ou certamente algum brasileiro já teria ido a Estocolmo receber seu merecido prêmio. Ou talvez o prêmio fosse dado a nosso povo em geral, tantos são entre nós os praticantes dessa nova modalidade de comunicação.

Por exemplo: agora tornou-se comum anunciar (na CNN News se diz “repercutir” – mais um modismo!) a morte de alguém famoso. Só nesses últimos tempos “morreram” William Bonner e Silvio Santos. Acho que Ivete Sangalo também morreu. Outro que bateu as botas foi o presidente Lula, que está sendo substituído no cargo por um ator (infelizmente o artista teve que amputar um dedo para assumir o papel). E o mais interessante é que mesmo quando os falecidos vêm ao vivo informar que estão vivos, a notícia continua correndo, com muita gente chorando ou rindo, comemorando ou mandando mensagens de pesar para as famílias enlutadas.

Certa vez um jornal anunciou que Mark Twain tinha passado dessa para a melhor. Aliás, não sei se ele queria ir para esse “lugar melhor”, pois certa vez declarou que “Todo o humano é patético. A fonte secreta do humorismo não é a alegria, e sim a tristeza. No céu não há humorismo”. O autor de “O príncipe e o mendigo”, “As aventuras de Huckleberry Finn” e outros grandes livros, numa de suas muitas tiradas espirituosas, simplesmente comentou: “Foram um tanto exageradas as notícias de minha morte”. Mas na verdade com a morte não tem um pouco mais ou um pouco menos. Quem morreu, morreu. A morte abomina hipérboles e eufemismos.

Mas até sobre mim, o mais anônimo dos anônimos cidadãos deste município, já pesou a acusação de estar morto. Um tanto exageradamente, como diria Mark Twain, e a prova disso é que estou aqui digitando essa conversa fiada. Caminhava eu pelas calçadas quando notei que alguns passantes me olhavam com ar de espanto, talvez até de medo. Fosse de noite, não duvido que muitos sairiam correndo. Não é que eu seja bonito, muito pelo contrário, mas não chego a assustar as pessoas no escuro, menos ainda à luz do dia.

Não existe só uma Maria no mundo, mas falou-se numa delas, parece que todas as outras entram na conversa. Aconteceu que havia falecido um xará meu e houve quem pensasse que era a mim que a “Indesejada das Gentes” tinha vindo buscar. Ao me encontrarem na rua, aparentemente vivo, ficavam surpresos, sem saber se me davam parabéns ou pêsames.

O fato é que sobre cada um de nós, mais cedo ou mais tarde, essa notícia acaba se tornando verdadeira. É bem sensato este famoso conselho: “Viva cada dia como se fosse o último. Um dia você acerta”. O que me consola é saber que um triz após essa hora chegar para mim eu já estarei longe demais para me preocupar com isso. Mas não estou com a mínima pressa. Sou da mesma opinião que Woody Allen: “Eu não tenho nada contra a morte. Só não quero estar presente quando ela chegar”.

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Perdas e ganhos

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

A essas alturas seus olhos, leitor, já devem estar molhados de lágrimas, tanta é a pena que você sente desses desafortunados senhores

A essas alturas seus olhos, leitor, já devem estar molhados de lágrimas, tanta é a pena que você sente desses desafortunados senhores

É só olhar as caras na rua, melhor ainda: no supermercado, na quitanda ou na padaria, para perceber que a vida, para a maioria dos brasileiros, está mais apertada do que pé 41 em sapato 38. Digo a maioria porque para alguns poucos a vida continua tão folgada quanto colarinho de palhaço. É o caso daqueles a quem as leis, que eles mesmos fizeram, concede o direito de definir os próprios salários. Vocês sabem de quem eu estou falando. O salário talvez nem seja o problema, o problema é que eles, com criatividade maior do que a de todos os ganhadores do Nobel juntos, inventaram uns tantos penduricalhos, com os quais fazem a mágica de duplicar ou triplicar seus vencimentos. Sim, eles têm vencimentos. Para o povão, sobra o gosto das derrotas no fim de cada mês.

Em todo caso, tanto num grupo quanto no outro ocorrem perdas e ganhos. Pode ser que você tenha visto sua renda minguar nos últimos meses e esteja apertando o cinto da família inteira, de modo que o cinto, que já estava no penúltimo furo, pule de vez para o último. E pelo andar da carruagem, não demora muito para que as coisas cheguem a um ponto em que não haja mais nem mesmo cinto para apertar ou barriga para ser apertada.

O consolo que lhe posso oferecer é que não foi só você que empobreceu nesses últimos tempos. Elon Musk, por exemplo, que tem carros na terra (Tesla) e foguetes no céu (SpaceX), viu seu patrimônio minguar em 140 bilhões de dólares. Se fosse em real, 140 bilhões já era uma perda de meter medo, em dólares então, nem se fala, é de se perder também a voz. Aí a gente se pergunta como é que um ser humano sobrevive a um tombo desses. Bem, ele ainda ficou dono de outros 130 bilhões (de dólares!), o que dá para ir tocando a vida, se o sujeito não for muito exigente ou esbanjado.

E Musk nem foi o único que ficou no prejuízo. Mark Zuckerberg, da Meta, empresa que entre outras coisinhas é dona do Facebook, continua brilhando como um dos bolsos mais recheados do mundo, mas ficou 81 bilhões de dólares mais pobre em poucos meses. Agora está condenado a viver, ao menos por uns tempos, com míseros 44 bilhões daquelas notinhas verdes que ostentam na frente a cara de George Washington.

A essas alturas seus olhos, leitor, já devem estar molhados de lágrimas, tanta é a pena que você sente desses desafortunados senhores. Nem vou lhe contar o resto da história. Jeff Bezos, da Amazon e da Blue Origin, viu correr pelo ralo 86 bilhões dos 192 que possuía. Do que restou, ou do que restar quando der adeus a este mundo cruel, ele promete doar a maior parte para obras de caridade. Sendo isso verdade, a gente até torce para ele recuperar a grana perdida e até aumentá-la.

O samba de Aldir Blanc garante que quanto “mais alto o coqueiro maior é o tombo”. Mas trilionários, quando perdem trilhões, sofrem menos com isso do que nós, simples mortais, enquanto esperamos o dia do pagamento. Pode enxugar as lágrimas, leitor. Musk, Zuckerberg e Bezos logo se recuperarão. Diz o ditado popular que dinheiro chama dinheiro. O prêmio da loteria não raro chega a 500 milhões de reais. Não é dólar, mas já é alguma coisa. Vai que você arrisca dez reais e esses dez chamam os outros R$ 499.000,990,00. Se isso acontecer, não esqueça que fui eu quem deu a ideia!

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Evitando falar sobre Carnaval

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

O desfile, justamente porque se movimenta, não se assemelha a um palácio. Parece, talvez, um mar que ondeia, sua e ruge

O desfile, justamente porque se movimenta, não se assemelha a um palácio. Parece, talvez, um mar que ondeia, sua e ruge

Desconfio que deveria falar sobre o Carnaval. Quem vai estar a fim de qualquer outra coisa, com o barulho dos tamborins vindo lá da rua? O problema é que sou pouco dado ao que antigamente se chamava, pedantemente, “tríduo momesco”, perífrase que deixou de ser usada quando o Carnaval em todo o Brasil foi esticando, esticando, até ocupar cinco dias nos lugares mais recatados, como nossa cidade, e sete ou oito dias em terras mais farristas, como a Bahia de São Salvador, de onde, aliás, o São Salvador se retira discretamente durante a folia.

Sobre o Carnaval, o máximo que eu poderia escrever não passaria de uma paródia do poema de Carlos Drummond de Andrade chamado “Nova Friburgo”, que se limita a isto: “Esqueci um ramo de flores no bolso do sobretudo”. Não, o plágio seria do seguinte verso do Poeta de Itabira: “Eu queria escrever um poema sobre a Bahia, mas eu nunca fui lá”. Ou seja, nem em poesia, que admite todos os desvarios, a gente deve dar palpite sobre o que não conhece. Portanto, meu texto ficaria assim: “Eu queria escrever uma crônica sobre o Carnaval, mas nunca participei de um”. Não chego a dizer que diante de um desfile eu seja igual a um burro olhando para um palácio, porque eu, que me movimento, até posso ser comparado a um burro (e muita gente já terá feito essa comparação), mas o desfile, justamente porque se movimenta, não se assemelha a um palácio. Parece, talvez, um mar que ondeia, sua e ruge.

Também, quando digo que me movimento, não quero dizer com isso que eu seja capaz de cair na farra. Não sei se ainda se usa a expressão “pular o Carnaval”, mas desconfio que, se eu tentar tamanha loucura, na Quarta-Feira de Cinzas estarei internado no Hospital Regional, porque já no primeiro pulo começarei a desmontar.

Isso me lembra de ter lido uma coisa extraordinária, relativa à Medicina. Um cirurgião, estando na Suécia, operou um doente que estava na Holanda, usando para isso um computador na sua mesa e um robô na sala de operação. E olha que foi uma operação no estômago ou ali por perto. As coisas hoje em dia se aperfeiçoam com tal velocidade que nem dá para acompanhar. Esta notícia mesmo, dita assim, deixa o ouvinte na dúvida: “Esse cara tá falando sério ou é piada?” Sim, porque parece mentira uma cirurgia em que há centenas de quilômetros entre o cortador e o cortado.

Mas, pensando bem, não há nada de novo nesse procedimento, visto que aqui no Brasil não raro acontece de o sujeito chegar a um Centro de Saúde, o nome do médico está na lista dos que estão de plantão, mas o médico propriamente não está ali. Saiu correndo “para atender a uma emergência”. Então, resta ao freguês dar-se por virtualmente atendido, e ir vivendo — ou morrendo, se melhor lhe convier — sem a contribuição médica mesmo.

E na hipótese remotíssima de algum médico ler esta coluna, hipótese de resto remotíssima em se tratando de qualquer categoria profissional, e mesmo em se tratando de pessoas sem profissão ou sem categoria, quero esclarecer que tenho grande respeito e admiração por quem cuida da saúde e da doença alheias e que desejo a todos os leitores, doutores em Medicina ou doutores em samba no pé, ou mesmo aos que como eu não são doutores em coisa nenhuma, um Carnaval muito alegre e muito tranquilo.

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A pura verdade

terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Precisam se concentrar longamente para afinal concluir que dois e dois são cinco

Precisam se concentrar longamente para afinal concluir que dois e dois são cinco

Atualmente, se não tomarmos cuidado, facilmente nos transformamos numa ilha de desinformação e ignorância, cercada de mentiras por todos os lados. Nas redes sociais, então, só com muita paciência se pode lançar as redes e pescar uma verdade, no vasto mar de boatos, distorções e puro e simples mau-caratismo que aparecem na tela. Os absurdos mais escabrosos são apresentados como se fossem revelações divinas, finalmente colocadas ao alcance da humanidade, bastando para isso que os homens simplesmente acreditem. Não percam tempo pensando, apenas creiam.

E já que é assim, já que se pode contar qualquer lorota, já que o besteirol goza de tão amplo prestígio, já que Bertrand Russel estava certo ao dizer que “Tolos e fanáticos estão sempre cheios de convicção, enquanto os sábios estão sempre cheios de dúvidas”, também eu resolvi fazer algumas revelações, sabendo que não faltará quem nelas acredite. De antemão vou avisando que, como diria o poeta Manoel de Barros, só dez por cento é mentira, o resto é inventado. Acredite quem quiser e não me venham depois cobrar explicações. Pois bem, é fato comprovado que:

Finalmente chega ao mercado a vacina contra a burrice, criada nos renomados laboratórios ingleses Feiquenils. Com uma só dose, mesmo quem acha que raiz quadrada é um tubérculo comestível e prova dos nove é time de futebol com dois jogadores expulsos, sairá da farmácia explicando matemática quântica como quem ensina o bê-á-bá. Com uma dose de reforço, suas teorias farão Einstein parecer um menino de quinta série, e daqueles que precisam se concentrar longamente para afinal concluir que dois e dois são cinco.

Todos os supermercados da cidade doarão todo seu estoque aos pobres. A partir de amanhã e pelo prazo de um ano, tudo será de graça para quem comprovar que vive (ou morre) com até dois salários-mínimos. É só chegar e encher o carrinho, melhor ainda: os carrinhos. De uísque a água sanitária, de foie gras a molho de tomate, de computadores a banana d’agua, é só pegar e levar. Não importa se o seu sonho de consumo é uma peça de filé mignon, uma caixa de vinhos franceses ou um pacote de biscoitos Aimoré: é tudo grátis. Para evitar filas e demoras, o atendimento será por ordem alfabética dos sobrenomes: uma letra por dia. Não se preocupe se seu nome é Antônio Zwygness: seu dia vai chegar.

Indivíduos em atitude suspeita” não mais serão abordados pela polícia, e sim por equipes multidisciplinares, que contarão com psicólogos, médicos e nutricionistas. Todos dedicados a entender o que vem a ser essa tal “atitude suspeita”. Enfim, o diálogo substituirá pancada, a mão estendida substituirá o cacetete. Joelho no pescoço, never more! E, no caso de o “indivíduo” vir a ser preso, terá que cumprir integralmente a pena, mas somente após julgamento rápido e com a devida assistência jurídica. E mais: em presídios civilizados, que substituirão as atuais masmorras. O lema desses novos tempos deverá ser escolhido entre “Pobre também é gente” e “Ninguém é culpado até ter culpa provada”. Os mais internacionalizados preferem “Black lives matter”.

William Bonner se confessa comunista. Num inesperado ataque de sinceridade, Bonner declarou sua verdadeira inclinação política.  Em pleno Jornal Nacional, o apresentador garantiu que desde criancinha reza pela cartilha vermelha e que, aliás, foi alfabetizado lendo O Capital e que seus ídolos sempre foram Marx, Mao Tse Tung, Castro e, no Brasil, Luís Carlos Prestes. Diante da cara de dúvida dos telespectadores (ele as vê, assim como é visto), disse que foi infiltrado na Rede Globo para desmoralizar a emissora, mas, em vista do salário que vem recebendo dos Marinhos, ainda não teve coragem para cumprir a missão que lhe foi confiada pelo Partido.

Quer ter acesso a outras notícias tão verdadeiras quanto essas? É só entrar nas redes sociais, ler e ouvir e acreditar.

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Esse novelo chamado tempo

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Mas nada muda, só nós podemos mudar

Não é a primeira vez que conto isso, mas a proximidade do fim do ano me fez lembrar.  Meu filho, quando tão pequeno que passado, presente e futuro se misturavam em sua cabeça, assistia a um desenho na TV. Estávamos saindo para ir à casa de meu irmão, e ele tanto queria estar lá, brincando com o primo, quanto ficar em casa, vendo o resto do desenho.  Ainda não tinha aprendido essa dura realidade da vida: quem escolhe renuncia.

Mas nada muda, só nós podemos mudar

Não é a primeira vez que conto isso, mas a proximidade do fim do ano me fez lembrar.  Meu filho, quando tão pequeno que passado, presente e futuro se misturavam em sua cabeça, assistia a um desenho na TV. Estávamos saindo para ir à casa de meu irmão, e ele tanto queria estar lá, brincando com o primo, quanto ficar em casa, vendo o resto do desenho.  Ainda não tinha aprendido essa dura realidade da vida: quem escolhe renuncia.

Foi então que ele teve uma ideia tão verdadeiramente brilhante que brilhou em seus olhos. Sugeriu que a TV ficasse desligada, até que ele estivesse com o primo, e juntos continuassem a acompanhar a história, a partir do ponto em que ele a havia deixado, ao sair de casa.

Coisa de criança! diremos nós, com toda a razão. Mas também nós, tantas vezes queremos que o tempo pare, ou que se apresse, ao sabor de nossas necessidades e conveniências. Vemos os anos despencando um a um pelas folhas dos calendários e dizemos que o tempo passa, quando nós é que passamos, o tempo é túnica inconsútil, não tem remendos nem costuras.

O tempo nos ignora e vai em frente, indiferente às nossas alegrias ou sofrimentos, que fazem com que ele nos pareça apressado demais ou desesperadoramente lento. Ai, como o tempo voa no leito do amor! Ai, como o tempo se imobiliza no leito do hospital!

A nossa tão imensa, mas tão limitada inteligência não consegue abarcar a noção de infinito. Quando falamos que algo é infinito, estamos pensando em algo finito, pois mais do que isso não conseguimos compreender. O tempo, sim, é infinito, mas nossa passagem por ele é tão curta, tão já-é, já-era, já-foi, que precisamos dividi-lo para lidar com ele, para aprisioná-lo nos limites da nossa compreensão.

E foi por isso que inventaram a passagem de ano, quando nos parece que uma mudança acontece de verdade. Mas nada muda, só nós podemos mudar. Então esforcemo-nos verdadeiramente para que a virada que vai acontecer entre 31 de dezembro e 1º. de janeiro realmente nos impulsione, nos motive a fazer coisas novas e boas, na busca de um ano melhor, uma vida melhor, um mundo melhor para nós todos que aqui estamos neste momento, e para todos os que nos sucederão no infindável desenrolar desse novelo chamado tempo.

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Comendo ouro

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Pode se dar o caso de algum leitor estar pretendendo conhecer aquele fabuloso país do Oriente Médio

Pode se dar o caso de algum leitor estar pretendendo conhecer aquele fabuloso país do Oriente Médio

Eu nem vou entrar nessa discussão sobre aquele jantar dos jogadores e ex-jogadores brasileiros durante a Copa do Mundo, com bifes polvilhados a ouro e que custou o equivalente a quase um mês de Bolsa Família para os famintos do Brasil inteiro. E nem é a primeira vez que ouço falar nisso: em São Paulo, que é uma cidade rica, mas é pobrezinha de marré deci quando comparada a Doha, capital do Qatar, já servia essa iguaria tempos atrás. Na época em que li isso, fiquei sabendo que o ouro não tem nenhum valor alimentício, nem acrescenta nenhum sabor à comida. Ou seja: é pura ostentação. Nem mesmo pode ser peneirado e reaproveitado após a comida ter cumprido todo o seu percurso, terminando como todos nós sabemos, seja a do Principe Charles, no Palácio de Buckingham, seja a do seu Manuel Pedreiro, no Morro da Providência.

Mas não fiquei revoltado com nossos milionários atletas, muitos dos quais têm origens tão humildes que, se não tivessem pés tão inteligentes, talvez estivessem na fila para receber os R$ 600,00 que o Governo Federal paga aos pobres mais pobres do Brasil. Acho horrível o que eles fizeram, totalmente indiferentes à fome do povo brasileiro. Mas eles não são os únicos que perderam a noção das coisas e o sentimento de solidariedade com os que, como eles, também jogam duro para ganhar a vida, só que dirigindo caminhão, carregando cimento, vendendo banana na feira ou simplesmente estendendo a mão a quem passa na calçada e parece estar um pouco melhor de vida. Nossos atletas não são diferentes de nós, são como nós, apenas com muito mais dinheiro, e dinheiro ganho muito depressa. Tivéssemos tido a mesma oportunidade, talvez não fizéssemos outra coisa senão o que muitos deles fazem: carrões velocíssimos, relógios caríssimos, mulheres longuíssimas. E seria injusto ignorar que muitos deles têm se revelado gente boa, ótimos filhos, pais e maridos.

Não vamos misturar as coisas. As qualidades pessoais (ou falta delas) nos rapazes da Seleção Canarinho não é o futebol. Futebol é um esporte que muitos admiram e muitos ignoram ou mesmo desprezam. Mas nele, como em todas as outras ocupações humanas, tem gente de todo tipo. Millôr Fernandes escreveu que o ser humano foi o único animal que não deu certo. Não sejamos tão radicais. Às vezes nasce um Ghandi, às vezes nasce um Hitler. Às vezes dá certo, às vezes não dá. C'est la vie, como dizem os franceses.

Por outro lado, me ocorre que pode se dar o caso de algum leitor estar pretendendo conhecer aquele fabuloso país do Oriente Médio, onde um prédio modesto pode subir 238 metros em direção ao céu, com 46 andares para cima e mais três enfiados chão abaixo. Caso seja esse o seu caso, no intuito de ajudá-lo a bem comer naquela terra estrangeira, andei fazendo uma pesquisa na internet sobre os restaurantes locais. Acabei optando por lhe sugerir a casa do renomado chef catari Nusret Gokçe, aquele mesmo que serviu o “bife de ouro” aos valentes e então esperançosos representantes do nosso futebol.

Não creio que você vá discordar do lema de Nusret (“Qualidade nunca é cara”), nem vai desistir de um jantar no restaurante dele só poque a conta fica por volta de R$ 900.000,00. À primeira vista, parece que tem zero demais nesse número, mas não: esse é o preço a pagar se você quer voltar ao Brasil dizendo (é melhor fotografar também) que jantou no mesmo lugar em que Ronaldo Fenômeno espetou um pedaço de carne e a deixou cair na boca escancarada de Vinícius Jr.

Mas se ao menos temos aquele bifezinho caseiro, com arroz e feijão, ergamos as mãos para o céu. Não é preciso que sobre ele brilhe ouro salpicado, mas é indispensável que em volta da mesa reine o prazer das coisas boas e simples, o a felicidade dos encontros que não precisam ser manchete para serem momentos de felicidade.

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A pura verdade

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Precisam se concentrar longamente para afinal concluir que dois e dois são cinco

Precisam se concentrar longamente para afinal concluir que dois e dois são cinco

Atualmente, se não tomarmos cuidado, facilmente nos transformamos numa ilha de desinformação e ignorância, cercada de mentiras por todos os lados. Nas redes sociais, então, só com muita paciência se pode lançar as redes e pescar uma verdade, no vasto mar de boatos, distorções e puro e simples mau-caratismo que aparecem na tela. Os absurdos mais escabrosos são apresentados como se fossem revelações divinas, finalmente colocadas ao alcance da humanidade, bastando para isso que os homens simplesmente acreditem. Não percam tempo pensando, apenas creiam.

E já que é assim, já que se pode contar qualquer lorota, já que o besteirol goza de tão amplo prestígio, já que Bertrand Russel estava certo ao dizer que “Tolos e fanáticos estão sempre cheios de convicção, enquanto os sábios estão sempre cheios de dúvidas”, também eu resolvi fazer algumas revelações, sabendo que não faltará quem nelas acredite. De antemão vou avisando que, como diria o poeta Manoel de Barros, só dez por cento é mentira, o resto é invenção. Acredite quem quiser e não me venham depois cobrar explicações. Pois bem, é fato comprovado que:

Finalmente chega ao mercado a vacina contra a burrice, criada nos renomados laboratórios ingleses Feiquenils. Com uma só dose, mesmo quem acha que raiz quadrada é um tubérculo comestível e prova dos nove é time de futebol com dois jogadores expulsos, sairá da farmácia explicando matemática quântica como quem ensina o bê-á-bá. Com uma dose de reforço, suas teorias farão Einstein parecer um menino de quinta série, e daqueles que precisam se concentrar longamente para afinal concluir que dois e dois são cinco.

Todos os supermercados da cidade doarão todo seu estoque aos pobres. A partir de amanhã e pelo prazo de um ano, tudo será de graça para quem comprovar que vive (ou morre) com até dois salários-mínimos. É só chegar e encher o carrinho, melhor ainda: os carrinhos. De uísque a água sanitária, de foie gras a molho de tomate, de computadores a banana d’agua, é só pegar e levar. Não importa se o seu sonho de consumo é uma peça de filé mignon, uma caixa de vinhos franceses ou um pacote de biscoitos Aimoré: é tudo grátis. Para evitar filas e demoras, o atendimento será por ordem alfabética dos sobrenomes: uma letra por dia. Não se preocupe se seu nome é Antônio Zwygness: seu dia vai chegar.

Indivíduos em atitude suspeita” não mais serão abordados pela polícia, e sim por equipes multidisciplinares, que contarão com psicólogos, médicos e nutricionistas. Todos dedicados a entender o que vem a ser essa tal “atitude suspeita”. Enfim, o diálogo substituirá pancada, a mão estendida substituirá o cacetete. Joelho no pescoço, never more! E, no caso de o “indivíduo” vir a ser preso, cumprirá integralmente a pena recebida, mas somente após julgamento rápido e com a devida assistência jurídica. E mais: em presídios modernos, que substituirão as atuais masmorras. O lema desses novos tempos deverá ser escolhido entre “Pobre também é gente” e “Ninguém é culpado até ter culpa provada”. Os mais internacionalizados preferem “Black lives matter”.

William Bonner se confessa comunista. Num inesperado ataque de sinceridade, Bonner declarou sua verdadeira inclinação política.  Em pleno Jornal Nacional, o apresentador garantiu que desde criancinha reza pela cartilha vermelha e que, aliás, foi alfabetizado lendo O Capital e que seus ídolos sempre foram Marx, Mao Tse Tung, Castro e, no Brasil, Luís Carlos Prestes. Diante da cara de dúvida dos telespectadores (ele as vê, assim como é visto), disse que foi infiltrado na Rede Globo para desmascarar a emissora, mas, em vista do salário que vem recebendo dos Marinhos, ainda não teve coragem para cumprir a missão que lhe foi confiada pelo Partido.

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Esperando a Copa do Mundo

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Este país tão grande e tão perdido em sua própria grandeza

Este país tão grande e tão perdido em sua própria grandeza

Tem gente que gosta de futebol, tem gente que odeia. O escritor argentino Jorge Luís Borges, tido como um dos grandes da literatura mundial, disse numa entrevista considerar o futebol um “esporte estúpido”. Sobre a Copa do Mundo em seu país, classificou o evento como “uma calamidade” que “felizmente vai passar” e aproveitou para fazer uma palestra justamente na hora da abertura da competição (auditório lotado). Já Nélson Rodrigues, desde “Vestido de Noiva,” considerado o mais importante dramaturgo brasileiro, era tricolor apaixonado e considerava que “o escrete é a pátria de chuteiras” (naquela época a seleção era chamada de escrete e não disputava partidas, desfilava em campo, diante dos adversários). O “Anjo Pornográfico”, como o chamou Ruy Castro, era, além de teatrólogo, contista, romancista e cronista. Ou seja, se tem intelectual que abomina, tem intelectual que adora esse esporte.

Agora que se aproxima a Copa do Mundo, são poucas as pessoas que conseguem (ou fingem conseguir) ficar alheias ao que vai acontecer no Catar e pouco ligar se vamos ser campeões ou se vamos ser eliminados ainda nas oitavas de final, e logo pela Argentina. E até ouvi um cidadão declarar com orgulho (sem saber que estava parodiando Karl Marx) que torce contra o Brasil porque considera o futebol o ópio do povo... porque os jogadores ganham muito dinheiro... porque não podemos mesmo ser melhores em nada... etc.

 Ora, somos alienados em muitas coisas e pouco ou nada nos revoltamos contra a miséria, a fome, a injustiça e a roubalheira. Desunidos em tantas coisas, o futebol é uma das poucas que ainda nos unem e reúnem. E se o futebol assim nos agrega e congrega, quem sabe não chegará o dia em que, a partir dele, nos tornaremos patrióticos em relação a tudo mais que diga respeito a este país tão grande e tão perdido em sua própria grandeza, país que foi assim cantado no exílio por Vinícius: “Não te direi o nome, pátria minha / Teu nome é pátria amada, é patriazinha”.

Eu sou dos que gostam de futebol, do jeito que considero que vale a pena gostar. Ou seja, torcer sem exagero, se emocionar sem choradeira, comemorar sem perder a compostura e a civilidade. Não xingo a mãe do juiz, nem mesmo quando acho que ele está errado e considero uma total imbecilidade discutir ou brigar por causa de futebol. Torço pelos times do Rio contra os de outros estados, pelas equipes brasileiras contra as de outros países e pela Seleção Canarinho em qualquer circunstância.  No mais, fico contente quando meu time ganha e não fico triste quando ele perde. Mais fair play do que isso não é possível.

Durante quatro copas seguidas, usei uma camisa com a inscrição “Brasil rumo ao hexa”. A camisa desbotou e o Brasil não ganhou. Agora que a joguei fora, por inútil e azarada, pode ser que a vitória venha. Os cronistas esportivos acham que há boas chances. De qualquer forma, estando a seleção em campo, estarei eu na frente da televisão, ansioso para gritar (moderadamente): “É campeão! É hexa! É pátria amada, é patriazinha!

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