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A culpa é da rainha
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
A coisa mais feia que você pode fazer em almoço da alta nobreza é pensar em comer
Você me desculpe, eu juro que ia te convidar. Há meses eu vinha planejando oferecer um almoço de Natal a todos os meus leitores. A mesa lá de casa tem seis lugares, dava bem pra todo mundo. E é claro que você estava na lista, aliás, era dos primeiros nomes. Até comecei a pesquisar os serviços de nossa cidade, mas temendo que alguém me achasse somítico, sondei um buffet de Brasília, o mesmo que serve ao Itamaraty, onde o brasileiro, mão aberta que nem ele só, oferece aos visitantes estrangeiros canapé de caviar, vinho francês e uísque escocês. E disso muito devemos nos orgulhar, porque embora não possamos desfrutar de tais delícias, os nossos governantes podem, em nome do povo, oferecê-las fartamente a quem nos visita, dando assim prova da generosidade da nossa gente e da riqueza da nossa Pátria.
Enfim, meu propósito era oferecer o melhor para vocês. Mas vejam só como todos os acontecimentos cósmicos estão interligados! Bem se diz que quando uma folha de árvore cai na Índia todo o clima da Amazônia se altera. Também se costuma dizer que quando os Estados Unidos se resfriam o Brasil dispara a espirrar. Pior é agora, com a China. Se a China cair de cama num dia, no dia seguinte o Brasil será internado no CTI econômico. Digo isso para deixar bem claro que se a ideia do nosso almoço não foi adiante a culpa não é minha, e sim da rainha da Inglaterra. Pois foi uma decisão de Sua Majestade que me fez desistir de concretizar meu sincero desejo de reunir em volta da mesa (seis lugares) a legião de leitores que tenho e da qual tanto me orgulho.
Acontece que também a rainha tinha programado um almoço de Natal, que até podia ser mais fino do que o nosso, mas não ia ter caipirinha, cerveja, feijoada e laranja baía de sobremesa. Enfim, o almoço da realeza não me causava inveja, e creio que meus convidados poderiam sair trocando pernas, tomando bênção a sapo e chamando urubu de meu louro, mas com fome é que não sairiam. E pelo que ouço falar, a coisa mais feia que você pode fazer em almoço da alta nobreza é pensar em comer. Aliás, nem pensar! O certo, o elegante, é se contentar com a rodelinha verde que está no meio do prato, contemplá-la demoradamente e depois, de olhos fechados (possivelmente imaginando uma farta macarronada), mastigá-la lentamente, como se estivesse saboreando um manjar dos céus, ou pelo menos uma churrascada aqui da terra mesmo.
Mas Elisabeth II, vejam bem, resolveu suspender o almoço que daria no Natal à sua parentada. Aliás, ela já havia feito o mesmo em 2020, em ambos os casos alegando a necessidade de evitar aglomeração. Eu, no entanto, estou convencido que o problema da Coroa Inglesa (estou me referindo à monarquia e não à pessoa da veneranda senhora) é de dinheiro. Embora possuindo a razoável quantia de quinhentos milhões de dólares em bens próprios (ou seja, dela, como pessoa física) e sem contar a riqueza que a persegue aonde quer que ela vá, a mais longeva dos ocupantes do trono britânico também há de estar passando por apertos financeiros. Isso porque com a pandemia caiu muito o número de visitantes na Inglaterra. Sendo a rainha, como de fato é, a principal atração turística de todo o Reino Unido, há de ter sentido o baque.
Então, se Sua Majestade cancelou o jantar, eu achei que não ficava bem, seria quase uma afronta ao Império Britânico se eu batesse pé e mantivesse a comemoração que havia planejado. Sei que mundo afora muita gente comeu e bebeu, celebrou tanto que nem deu tempo de o aniversariante do dia comparecer à festa. Eu, no entanto, me senti na obrigação de ser solidário à Rainha. Quanto ao almoço do Natal de 2022, não prometo nada. Vamos esperar para ver o que vovó Beth decide.
Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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