Uma boa dose

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 06 de abril de 2022

Sem afobação e sem vacilação, trate de fazer sua encomenda

Eu sei que você toma um golinho de vez em quando e não sou eu que vou criticá-lo por isso. Beber não é problema, o problema é ficar bêbado, o que sempre tem graves consequências, às vezes graves demais. Mas são coisas bem diferentes e é de muita sabedoria e de elogiável prudência não confundir uma com a outra. Então, se você toma seu traguinho e não perturba ninguém, acho que está no seu direito. Não chego ao exagero sem pé nem cabeça daquele samba antigo que dizia “Eu bebo sim, tô vivendo, tem gente que não bebe, tá morrendo”. Quem vive bebendo não só está se matando aos poucos como, pior ainda, frequentemente destrói a vida de outras pessoas.

Mas, como estou sabendo por fonte fidedigna que você já bebia com moderação muito antes de as propagandas serem obrigadas a dar esse conselho (que os fabricantes sinceramente desejam que ninguém siga), e como sei que você está nadando não em bebida, mas em dinheiro, vou dar uma notícia que com certeza vai lhe interessar. Uma destilaria escocesa acaba de lançar um uísque ao moderado preço de R$ 635.000,00 a garrafa. O produto tem 81 anos e talvez seja mais velho do que você. Ou seja, quando você acordou para a vida, ele já estava dormindo num barril de carvalho, do qual só saiu agora, para ser finalmente vendido nos mais elegantes botequins do mundo. Tão elegantes que não se chamam botequim, embora o sejam, apenas com toalhas mais limpas e garçons com luvas.

Não é necessário que você saia correndo para adquirir três ou quatro das 288 garrafas que foram produzidas. Elas ficarão em exposição até que o dono resolva colocá-las à venda. Por outro lado, também não é bom demorar muito para tomar a iniciativa, porque você não é o único ricaço do mundo que gosta de um bom uísque. Ainda mais como esse, que mistura os sabores de chocolate, canela, trufa, caramelo, gengibre e abacaxi, além do uísque propriamente dito.

Sem afobação e sem vacilação, trate de fazer sua encomenda ou acabará perdendo essa oportunidade, como já perdeu outra da maior importância: a de saborear o segundo colocado na lista dos “mais velhos”, que durante 80 anos esperou pacientemente no barril, até ser vendido pela bagatela de R$ 1.000.000,00 a garrafa. Não, eu não errei na quantidade de zeros.

De minha parte, continuarei me conformando com uma cerveja de vez em quando e um vinho sempre que possível. Mas, se você realmente comprar o uísque de um milhão ou mesmo o de 635 mil e me chamar para um brinde, aceitarei o convite pelo prazer de sua companhia e para não parecer orgulhoso. Prometo não fazer como a raposa da fábula que, após tentar sem sucesso alcançar o cacho de uvas, sentencia: “Estão azedas”.

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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