Minha liberdade dança

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 30 de abril de 2022
Foto de capa
(Foto: Freepik)

Dancei mesmo sem saber dançar como me aconselhou Tim Maia. Soltar a mente foi o mais difícil. Abrir as asas de anjo foi fácil. Mas ao fim da noite, sempre me perco e não sei bem dizer se fui céu ou inverno. Mas volto a abri-las assim mesmo, sem medo de frio ou fogo. 

Difícil lembrar liberdades fúteis, pois são também fugazes. O paraíso não existe. Tampouco o inferno. Mas creio em Deus. Faz parte da minha licença poética, desse meu blues dançante com a poesia. Nada é tão cruel como pregam pastores das teorias de prosperidade. Repito: Deus não é meritocrata. Liberdade é ser feliz. O que é se entregar? 

Sambei na avenida dos meus carnavais como se o carnaval não tivesse fim. Ser rei, plebeu, vestir alegorias e se desnudar em adereços, ser eu sem ser eu, ser tudo o que não fui ou que desejei ser. Coleção de notas dez pode me fazer campeão, mas não me libertam. Porque liberdade não é desejo ou consagração — é algo que ainda não sei o nome, como me disse Clarice... A tal carnavalesca de poesias, avessa à carnavais. Quartas-feiras de cinzas serão sempre cinzas. Azuis, talvez. Não sei e nem me obrigo saber. Sambar não tem regra. 

Fui feliz, tanto quanto triste, como o bailarino que no palco de sua solidão achou que se libertar era apenas quebrar as correntes. Para ser livre é preciso muito mais. Muito mais do que dançar, ser trapezista, abrir algemas. A dança liberta, mas apenas dançar não garante liberdade. Ter chaves para cadeados podem até te levar a abrir cada um, mas é preciso coragem para enfrentar o que vem depois. O que fazer com as mãos livres abertas ao voo, à queda, ao desconhecido, ao que já se experimentou? Repetirá o passado? Será diferente o futuro com os mesmos rodopios do presente? Cairá ou saltará?

A sobriedade é inimiga da liberdade — dirão. Passageiro da liberdade não embarca em libertinagens de alucinógenos, ainda que reconheça a prosperidade dos segundos que alimenta. Mas entende que é abastança sem chão, com teto. Liberdade no outro só existe se você está liberto para si mesmo. 

O que não sai da minha cabeça me faz flutuar. O que está na minha mente me apavora. Libertará? Eu corro riscos enquanto rabisco com o dedo o vapor no vidro do Box do chuveiro. Do outro lado — você em mim mesmo — essa tal liberdade. Dança à minha frente e atrás de mim também. Se pudesse escolher o que vejo… Escolheria ver tudo. Dançar mais do que conforme a música. As asas de um beija-flor não podem ser paralisadas. 

Armas ferem a liberdade de voar. Aprovação ou reprovação não têm nada a ver com liberdade, porque ninguém está aqui para ser condenado ou absolvido, nem por si mesmo. Que seja livre o vento! Que a dança seja tão dançada como no baile das estrelas do universo. Que do caos se fez e siga a se fazer galáxias. Que do sopro surja vida. Que perdure a tão perseguida abundância. 

Dançar é talento, mas dançar com a vida de si mesmo é o maior dos dons.  

 

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