Zombamos do que somos, depreciamos o que temos
Perguntei a um amigo estrangeiro se, depois de tantos anos vivendo no
Brasil, ele ainda se lembrava da língua natal. A resposta foi ao mesmo tempo
sentida, poética e verdadeira. “Há três coisas de que nunca nos esquecemos”,
disse ele, “a mãe, a pátria e a língua”.
O que se pode dizer sobre as mães que ainda não tenha sido dito, por
poetas, filósofos, religiosos e quem mais se disponha a pensar por um segundo
que seja na própria vida? Como alguém pode contar sua história sem começar
Zombamos do que somos, depreciamos o que temos
Perguntei a um amigo estrangeiro se, depois de tantos anos vivendo no
Brasil, ele ainda se lembrava da língua natal. A resposta foi ao mesmo tempo
sentida, poética e verdadeira. “Há três coisas de que nunca nos esquecemos”,
disse ele, “a mãe, a pátria e a língua”.
O que se pode dizer sobre as mães que ainda não tenha sido dito, por
poetas, filósofos, religiosos e quem mais se disponha a pensar por um segundo
que seja na própria vida? Como alguém pode contar sua história sem começar
pelo começo? E acaso não é a mãe o começo de tudo? E o fim também:
reparem nas visitas aos presídios: o sujeito matou, roubou, violentou, enfim, é
um monstro do qual ninguém quer saber. Mas lá está a mãe, que foi levar pasta de dente e sabonete para o seu menino. Às vezes leva uma arma, um celular, um bilhete do crime dentro do sanduíche. Faz sentido, porque coração de mãe sempre tem amor, mas nem sempre tem juízo.
Mãe só uma, porque mais de uma ninguém aguenta, dizem os piadistas.
Mas, na verdade, para que precisaríamos de duas ou três, se, como me disse
uma conhecida, uma só mãe cuida de dez filhos, embora dez filhos nem
sempre cuidem da mãe.
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Ao que se sabe, o brasileiro é o único povo que gosta de falar mal de si
mesmo. Podemos criticar os outros, mas para zoar e ridicularizar não
precisamos sair daqui. Tem até uma anedota mais ou menos assim: fizeram
uma pesquisa internacional com a seguinte pergunta: “Responda
honestamente, por que sobra comida em alguns países, enquanto o resto do
mundo passa fome”? Não foi possível chegar a uma conclusão porque: a) os
africanos não sabiam o que era comida; b) os europeus não sabiam o que era
fome; c) os americanos não sabiam o que era o resto do mundo; d) os
brasileiros não sabiam o que era honestamente.
Zombamos do que somos, depreciamos o que temos. Quando no
estrangeiro, no entanto, parodiando Tom Jobim, acabamos por concluir que lá
fora é ótimo, mas é uma porcaria; aqui é uma porcaria, mas é ótimo.
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Dizemos que nosso idioma é muito difícil. Difícil para quem? Para os
alemães? Os chineses? Pode ser que o basco seja pior, tanto que se diz que,
quando Deus quis castigar o diabo, obrigou-o estudar basco por sete anos. Os
brasileiros desde criancinha falam português sem problema, e todo mundo se
entende. O que se pode dizer com alguma verdade é que a gramática “oficial”
da língua português é complicada.
Recentemente li um artigo sobre estrangeiros que vieram ao Brasil e se
apaixonaram pelo país e, espantoso, pelo idioma. Alguns depoimentos (*):
Mathew Shirts, americano: “A facilidade com que se brinca com a língua
portuguesa e sua musicalidade é admirável”. Yan Liang, chinesa: “No
português, falamos e a pessoa escreve mais fácil. A sonoridade encanta, além
de a gramática ser muito mais rica”.
Para o alemão Rolf Udo Zelmanowics a palavra “estacionamento” é a palavra mais bonita da nossa língua: “É só repetir bem devagar, saboreando cada sílaba, para perceber a sonoridade”. Se eles podem aprendê-la e gostar dela, tendo-a conhecido já adultos, por que não nós, que já nascemos com ela em nossos ouvidos, e “mãe” foi a primeira palavra que pronunciamos?
*Citados na revista Língua Portuguesa, ano 1, número 9, 2006.
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