A roseira

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 02 de julho de 2025

Aquilo que, desde o princípio dos tempos, estamos destinados a ser

Eu não sou propriamente um latifundiário, mas também sou dono de terra. Verdade que nem posso chamar aquilo de jardim, jardinzinho já é um exagero. Para você ter uma ideia, basta dizer que, se eu quisesse botar ali aqueles anões que enfeitam gramados, haveria lugar para no máximo dois, mais do que isso não ia caber. “Branca de Neve e os dois anões” seria um nome bem adequado para o local.

Pois bem, neste planeta tão grande, aquele é o único pedaço de chão que me pertence, e nele existe uma roseira. Um espanto! Há mais de vinte anos que ela insiste em dar flor. Claro que, sendo uma senhora de idade já avançada, não tem mais o vigor dos tempos de juventude, quando obrigava os passantes a pararem para contemplá-la. No entanto, está viva e, quando menos se espera, os galhos pendem, e de suas extremidades teimosas rosas brancas se abrem para o mundo.  

Tenho tentado entender o segredo dessa roseira. Há nela algum mistério, algo mágico, insondável. Botânicos de todo o mundo deviam vir estudá-la. Plantar um pé em Marte e ver o que acontece. A muda me foi dada por um vizinho. Ele foi-se embora, demoliram a casa em que ele morava, o bairro inteiro mudou de cara e de moradores. Mas a roseira continua resistindo e, enquanto ela resistir, eu não desisto. Daqui não saio, daqui ninguém me tira, como diz um antigo sucesso de Carnaval. Bem sei que um dia vão me tirar daqui e bem sei para onde vão me levar, mas, enquanto Deus permitir, vou ficando. Eu e a roseira.

Ela me dá esse exemplo de saudável teimosia. Ainda que a cada dia as flores sejam menos numerosas (às vezes uma só: solitária, mas vitoriosa), e mais curvados os galhos, ela continua cumprindo sua missão de embelezar e perfumar o lugar em que a colocaram. Vai cedendo ao peso dos anos, mas com admirável dignidade, sem entregar os pontos, sem deixar de florir enquanto tiver forças. Alimenta-se de solo e de sol, de ar e de chuva. Vem o jardineiro de vez em quando, e sua tesoura impede que os galhos se espalhem desordenadamente. Mas as partes amputadas se renovam e voltam à vida.

Como é mesmo aquele poema de Olavo Bilac? “Envelhecer como as árvores fortes envelhecem, dando consolo e sombra aos que padecem”. É um bom conselho, sobretudo num mundo em que envelhecer parece um pecado, ao qual as pessoas resistem com a mesma intensidade com que cedem aos pecados verdadeiros. Sim, ninguém quer ou precisa ficar feio e acabado. Nada contra quem usa perfumes e pomadas, até mesmo o tal do lifting pode ter sua hora. E, não fosse a vaidade humana, de que viveriam os cirurgiões plásticos? Eu não faço nada disso porque lá em casa tem uma pessoa que me chama de lindo, e eu prefiro acreditar. Além do mais, acho que a roseira do meu liliputiano território, ensina uma bela lição: ser, da maneira mais natural, mais duradoura e mais perfeita possível, aquilo que, desde o princípio dos tempos, estamos destinados a ser.

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