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Sobre o elogio

Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
Uma virtude reconhecida ou, melhor ainda, inventada, pode render um aumento de salário
Passei por uma pessoa a quem conheço há tempos, porém superficialmente, e ela me fez um inesperado elogio. Era um dia de sol quente e pode ser que, em consequência do calor, o cérebro dela não estivesse funcionando muito bem. Mas levei suas palavras a sério, porque elogio é sempre bom, mesmo quando não merecido, ou talvez sobretudo quando não merecido, como era o caso.
Acho que não sou diferente dos demais seres humanos: gosto de ser elogiado e detesto ser criticado. Mas tento enfrentar uma coisa e outra com serenidade, pois frequentemente ambas têm ao menos um pouco de verdade. Quando nasci, minha santa mãe, ao me ver pela primeira vez, estando ainda um pouco tonta, deve ter dito “Ele é tão bonito!” Bem, talvez até os dois ou três anos. Depois o tempo se encarregou de desmentir as palavras maternas.
Os políticos, por exemplo, além de useiros e vezeiros em exaltar a si mesmos como os mais honestos, os mais competentes, os mais de tudo que é bom, também nomeiam assessores que não têm nenhuma outra função senão a de elogiar o chefe. Quase sempre a opinião pública pensa exatamente o oposto (o que não a impede de votar neles). Agora mesmo Trump e Musk andam dizendo maravilhas um do outro, os dois se considerando mutuamente como o mais alto grau de perfeição a que pode chegar um ser humano.
Mas nem tudo são flores, mesmo no reino dos poderosos. Consultado por um usuário, o programa de inteligência artificial conhecido como Gronk respondeu que o maior divulgador de desinformação no mundo digital, o fakenewsqueiro por excelência é Elon Musk. O Gronk pertence ao próprio Musk! Não sei se ele vai demitir a diretoria ou desativar o programa. Incompetentes! Chefe existe para ser admirado, e não para ser criticado. O puxa-saquismo é uma instituição universal, e o bajulador uma das mais valiosas presenças em todos os níveis de relacionamento, especialmente quando se trata do universal binômio patrão-empregado. Uma virtude reconhecida ou, melhor ainda, inventada, pode render um aumento de salário, ou mesmo a salvação do emprego. Já uma crítica, mesmo que bem intencionada...
Antes da televisão, quando as emissoras de rádio dominavam os lares e bares do Brasil, eram os narradores de futebol que permitiam que os ouvintes “vissem” o jogo. Um dos mais famosos foi Oduvaldo Cozzi, um craque da palavra, que apelidou Nilton Santos de “Enciclopédia do Futebol”, e assim definiu o clima no Maracanã, após a derrota do Brasil para o Uruguai em 1950: “Um silêncio ensurdecedor.” Um dos bordões de Cozzi era gritar “impedidoooo!”, quando um jogador estava irregularmente na área adversária. Diz a lenda que certa vez um repórter de campo ousou discordar do chefe: “Não, Cozzi, o atleta estava em posição legal”. Imediatamente ouviu a resposta: “Despedidoooo!”.
Mas toleremos o bajulador, pelo menos aquele inofensivo, que o próprio elogiado não leva muito a sério, e que por isso mesmo não faz mal a ninguém. Triste e perigoso é quando isso alcança as raias do fanatismo, que é o puxa-saquismo elevado à sua potência máxima. No Brasil e em grande parte do mundo estamos vendo isso acontecer. Pessoas em geral tão sensatas, tão equilibradas no dia a dia de suas vidas ficam irreconhecíveis quando falam dos líderes políticos nos quais votam e que elegem como inspiradores supremos de suas crenças ideológicas. Veem neles todas as virtudes, com a mesma intensidade com que só encontram defeitos nos seus adversários. Toda paixão cega, e a paixão política é a uma espécie de cegueira. E das piores.
Bom seria se não nos esquecêssemos da sábia sentença do Marquês de Maricá: “Nenhum homem é tão bom como seu partido o apregoa, nem tão mal como o contrário o representa”.

Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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