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A escrita criativa e a voz narrativa

terça-feira, 19 de agosto de 2025

O encontro com a nossa criatividade acontece quando ainda somos bebês e brincamos com as nossas mãos e pés. Sem nada para fazer no berço e ainda com os movimentos limitados, a criança começa a inventar modos de brincar com o corpo e a própria voz ao balbuciar, gritar, chorar e rir. A cada momento, um movimento e um som vão sendo descobertos. E, por aí vai, dias a fio, o bebê começa a fazer coisas que nunca fez, deixando a criatividade despontar.

O encontro com a nossa criatividade acontece quando ainda somos bebês e brincamos com as nossas mãos e pés. Sem nada para fazer no berço e ainda com os movimentos limitados, a criança começa a inventar modos de brincar com o corpo e a própria voz ao balbuciar, gritar, chorar e rir. A cada momento, um movimento e um som vão sendo descobertos. E, por aí vai, dias a fio, o bebê começa a fazer coisas que nunca fez, deixando a criatividade despontar.

A criatividade é o mais profundo e autêntico elo com o mundo. Segundo Piaget, a infância é um tempo dourado para descobrir novas formas de ser e fazer, quando a criança enfrenta o desconhecido. São experiências difíceis que alimentam o potencial criativo existente em cada um de nós. O escritor americano Lyman Frank Baum, em “O Mágico de Oz”, nos diz que a verdadeira coragem está em enfrentar o perigo quando estamos com medo.

Superar o medo para mergulhar no desconhecido é um aprendizado. Para Donald W. Winnicot, pediatra e psicanalista inglês, a estrutura emocional é de fundamental importância para o desenvolvimento da criatividade, o ponto de partida para o viver de modo criativo e o fazer artístico.

Os pontos de encontro entre o indivíduo e o mundo são os seis sentidos: visão, audição, olfato, paladar, tato e intuição. São exatamente nessas interseções que nasce a escrita criativa: produção de textos de modo original e imaginativo. É decorrente do processo de construção da identidade individual o momento em que o escritor supera suas barreiras limitantes, liberta-se de suas restrições (como o medo de expor suas ideias através de palavras) e quebra as garras confinantes adquiridas ao longo da vida. Ele, então, devagar, de palavra em palavra, frase em frase, texto em texto, põe-se a aprender a ouvir a própria voz narrativa. É um longo e magistral aprendizado. Haja coragem e paciência para imaginar e pensar, construir ideias, escrever e reescrever.

O escritor pode experimentar vários estilos criativos, da poesia ao conto, do romance ao microconto, da crônica ao texto jornalístico, do texto dramatúrgico ao roteiro. Mas o primeiro passo é aprender a adentrar o próprio imaginário, permitindo-se escutar ideias oriundas do mundo da fantasia. É um modo de comunicação que o escritor estabelece consigo ao dialogar com suas ideias, carregadas de afetos significantes, com seus conhecimentos adquiridos e suas experiências. É o direito que ele se dá para pensar com liberdade, lidar com os próprios preconceitos, conhecer seus monstros e fadas, experimentar o uso da linguagem convencional e não convencional.

Sim, é um longo primeiro momento cheio de expectativas e espantos. É o mesmo que colocar a cara para fora das cortinas antes do espetáculo começar. Pode ser, simultaneamente, prazeroso e assustador. São momentos em que a vida ao redor se silencia para dar vazão à voz interior. Inclusive para conhecê-la. Primeiramente com cerimônia até conseguir desnudá-la. A seguir conhecê-la e aceitá-la não como nem boa ou ruim, bela ou feia, inteira ou repartida, mas como a própria voz! 

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A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

A Rosa de Hiroshima

terça-feira, 12 de agosto de 2025

A criatividade acontece. É reativa. Brota. Sai da pessoa como uma catarse, uma explosão natural da vontade de fazer ou dizer algo diferente, do ímpeto de buscar formas avançadas para estabelecer relações entre as coisas. A vida nos cutuca a ir além, a mostrar o que sentimos e pensamos através da palavra ou das expressões artísticas, como a literatura, a música, a pintura e tantas outras. O mundo é movimento puro e veloz, faz-se e refaz-se todos os dias através da natureza e das capacidades criativas dos seus habitantes. Vivemos em um planeta mutante.

A criatividade acontece. É reativa. Brota. Sai da pessoa como uma catarse, uma explosão natural da vontade de fazer ou dizer algo diferente, do ímpeto de buscar formas avançadas para estabelecer relações entre as coisas. A vida nos cutuca a ir além, a mostrar o que sentimos e pensamos através da palavra ou das expressões artísticas, como a literatura, a música, a pintura e tantas outras. O mundo é movimento puro e veloz, faz-se e refaz-se todos os dias através da natureza e das capacidades criativas dos seus habitantes. Vivemos em um planeta mutante.

Quem não é criativo? A criatividade desponta e evolui de acordo com as vontades pessoais e as experiências. Nasce do impulso decorrente da rebeldia, da tragédia e do prazer.  Da curiosidade, sempre teimosa e insistente pelas necessidades, como a de resolver problemas. De certo, o criativo não é um acomodado, nem preconceituoso, mas é uma pessoa corajosa capaz de tentar, tal qual fez Thomas Edson quando realizou mais de mil experimentos para criar a luz artificial. Ah, meu amigo, quem cria erra! Erra porque a inovação é um processo que precisa da liberdade para descortinar o inédito, adentrar caminhos desconhecidos e tentar mais uma vez.

O processo criativo está presente nas diferentes áreas da vida; na família, na comunidade, na ciência, no trabalho, na política, nos esportes e, especialmente, nas artes.  É a performance mais autêntica que alguém pode ter, já que é um modo de pessoa dizer não! De reafirmar “eu sou”, “eu sinto”, “eu mostro” de maneira única e ímpar.

Está no mais profundo eu o ponto de partida da imaginação criativa, instância em que as ideias são gestadas. A seguir, amadurecidas pelo pensamento, essas ideias irão viabilizar os modos de realizá-las. A criatividade ganha sentido no princípio de realidade, a maior desafiadora da inteligência.    

Tenho sido tomada pela vontade de falar sobre a criatividade, até para entender como ela eclode e expressa a genialidade. Nada de receitas. Nada de rituais. Nada certo ou errado. Tudo verdadeiro. É a expressividade autêntica de quem a utiliza para externar a própria intuição.

E aí, encontro uma imensidão de temas a tratar. A começar pela criação do poema “A rosa de Hiroshima”, composta por Vinicius de Moraes, em 1954, quando ele trabalhava como diplomata na França, simbolizando o protesto às explosões da bomba atômica, que devastou as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, resultando na morte de mais de duzentas mil pessoas.

A bomba atômica é a síntese da maldade humana!   

A seguir, vinte anos depois, aproximadamente, Gerson Conrad compôs a música. E “Secos e Molhados”, com magnífica interpretação de Ney Matogrosso, a cantaram. Genialidade em cadeia, unindo a literatura, a música, a dança, o figurino, que resultou em mais do que um sucesso nacional, foi num grito que ecoa até hoje contra a guerra e suas terríveis consequências nas pessoas, animais, na natureza, nas questões econômicas e sociais.

A bomba de Hiroshima foi lançada há 80 anos, no dia 06 de agosto de 1945. Abaixo a poesia de Vinícius de Moraes, a “Rosa de Hiroshima”.

Pensem nas crianças

Mudas telepáticas

Pensem nas meninas

Cegas inexatas

Pensem nas mulheres

Como rosas cálidas

Mas oh não se esqueçam

Da rosa da rosa

Da rosa de Hiroshima

A rosa hereditária

A rosa radioativa

Estúpida e inválida

A rosa com cirrose

A antirrosa atômica

Sem cor sem perfume

Sem rosa sem nada

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A espera e o crepúsculo

terça-feira, 05 de agosto de 2025

O primeiro texto que li quando comecei a cursar o mestrado em Educação, na PUC-Rio, foi o de Rubem Alves (1933 – 2014), escritor, psicanalista, educador e teólogo. Ele dizia que tinha um caderno em que fazia anotações das suas ideias, das situações que vivenciava ou observava. Era um texto simples que li com facilidade e prazer. Não tinha palavras complexas, mas tudo o que ali estava escrito ficou borbulhando em meus pensamentos.

O primeiro texto que li quando comecei a cursar o mestrado em Educação, na PUC-Rio, foi o de Rubem Alves (1933 – 2014), escritor, psicanalista, educador e teólogo. Ele dizia que tinha um caderno em que fazia anotações das suas ideias, das situações que vivenciava ou observava. Era um texto simples que li com facilidade e prazer. Não tinha palavras complexas, mas tudo o que ali estava escrito ficou borbulhando em meus pensamentos.

Há pouco tempo fui ao lançamento de uma grande amiga escritora de livros infantojuvenis e me deparei com um livro dele, “Ostra feliz não faz pérola”, que continha os textos anotados em seus cadernos. Adquiri a obra sem pestanejar.

Se ele guardava seu caderno no bolso, imagino que fosse perto do coração porque os textos foram escritos com pleno amor pela vida. Sem ser tendencioso, ele escreveu com a simplicidade de quem experimenta os dias com os olhos abertos para a alma da vida.

Guardo o livro na cabeceira e vou lendo a qualquer momento. Basta abri-lo aleatoriamente e me vejo diante de um texto tocante, que me faz pensar... Pensar. As ideias de Rubem Alves ficam ativas em mim, mexendo com as que guardo, fazendo-me revê-las. Esse livro com as anotações de uma pessoa cheia de sabedorias fluidas me fez concluir que não há ideias banais.

Será que pensar nos pores do sol é superficial ou apenas corriqueiro? Para Rubem Alves e Saint-Exupéry o entardecer tem profundos sentidos. Ah!, o pôr do sol no Arpoador é um poema de infinitos versos. É o findar de um dia para algumas horas depois permitir o amanhecer de outro; novo e diferente, que jamais irá repetir o anterior. Para Rubem Alves, somos seres crepusculares. Para Sain-Exupéry, o pôr do sol tem uma tal doçura que vale a pena esperá-lo.

A espera e o crepúsculo. O findar depois do acontecer.

O ocaso é uma metáfora que guarda a beleza do terminar e representa aquele momento tão esperado, em que “crepusculamos”*.   

Quantas vezes, milhares, todos os dias, passamos pelo pôr do sol ou a ele nos referimos com banalidade?

Não tenho um caderno do lado do meu coração, mas tenho um bloco de capa preta que ganhei do meu editor e que o uso para anotações importantes, como o registro de ideias que compuseram o texto para esta coluna.

Sinto vontade de anotar uma sensação que tenho quando ando pelas ruas de Nova Friburgo: o comportamento dos motociclistas que fazem crescer as estatísticas de acidentes no trânsito. Na sua maioria são jovens, cheios de dias pela frente para viver, projetos a realizar, pessoas a amar. Será que eles reconhecem o valor da vida? Sabem o quanto ela é frágil e efêmera?

Que dó! Que pena perder uma vida pela irresponsabilidade ao transitar nas ruas. Que tristeza presenciar o quanto a velocidade causa um prazer insensato e imediato.

E o prazer de poder viver mais um dia? De vislumbrar as possibilidades de realizar propósitos? De estar bem para as pessoas significativas e não lhes trazer dores e lutos? 

Viver é uma decisão de instante a instante. É gostar do próprio corpo como uma joia rara. De reconhecer as suas partes como as melhores amigas. De utilizá-las com alegria e paz.

Que opção é essa de jogar tudo para o alto?

Enfim, todos os dias, temos motivos para fazer registros no caderno de anotações. Usar o caderno é uma forma de reconhecer que somos seres de limitações e que temos a necessidade de entender o viver.

*Criei o verbo “crepuscular não por brincar com a palavra, mas para buscar um sentido mais sensível de findar.

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As biografias

terça-feira, 29 de julho de 2025

De um modo geral, a biografia é um gênero literário não ficcional que narra a vida de alguém, mostrando sua história, os acontecimentos importantes decorrentes de conquistas, desafios e polêmicas. Abrange também suas opiniões, valores, crenças e atitudes. Enfim, é um gênero que contém registros a respeito dos modos como o biografado colaborou e participou da sua época. Aborda pessoas notáveis na arte, na política, nos esportes e na comunidade. Ou não.

De um modo geral, a biografia é um gênero literário não ficcional que narra a vida de alguém, mostrando sua história, os acontecimentos importantes decorrentes de conquistas, desafios e polêmicas. Abrange também suas opiniões, valores, crenças e atitudes. Enfim, é um gênero que contém registros a respeito dos modos como o biografado colaborou e participou da sua época. Aborda pessoas notáveis na arte, na política, nos esportes e na comunidade. Ou não. Certa vez, fui a Teresópolis e, conversando com um secretário da prefeitura, ele me falou que gostaria de escrever biografias de pessoas do povo, posto que possuíam vidas interessantes e colaboraram para o desenvolvimento da cidade, porém nunca foram notadas.

As biografias narram a vida não somente de indivíduos, mas de produtos como o Biscoito Globo, “Ó, o Globo!”, escrita por Ana Beatriz Manier (Editora Valentina, 2017). Também de instituições, como a da Fundação Getúlio Vargas, que começou a ser escrita por Luiz Simões Lopes, há 75 anos.

A própria pessoa pode escrever sobre sua trajetória existencial ao compor uma autobiografia, geralmente escrita em primeira pessoa. De um modo geral, contextualizam o biografado no momento social, político e cultural em que vive, o que oferece ao leitor um cenário amplo da vida, possibilitando maior compreensão das realizações, reações e impactos.

O biógrafo é um grande pesquisador na medida em que precisa narrar fatos com veracidade, cujos dados são obtidos de fontes diversas, como entrevistas, pesquisas em jornais, vídeos, documentários, livros e em outros âmbitos que possam oferecer informações válidas. Mesmo sendo críticas, escritas com humor ou lirismo, até romanceadas, as biografias são verdadeiros documentos que preservam a memória de um tempo histórico de pessoas, produtos e instituições. Inclusive, se faltar com a verdade, o escritor pode sofrer consequências desagradáveis e até jurídicas, como tanto se vê na mídia. 

Uma biografia instigante e atraente exige vocação literária e investigativa. É desejável que o escritor esteja envolvido afetivamente com o trabalho a fim de poder realizar uma abordagem cuidadosa sobre a vida do biografado. Também disposto a ir além das informações aparentes e perceber a pessoa na intimidade. E, principalmente, ser imparcial de modo que seu ponto de vista não interfira no texto narrativo.

O gênero biográfico surgiu no século I d.C., com Plutarco, historiador, ensaísta, biógrafo e filósofo grego. As sementes do gênero podem ser encontradas no Egito, onde há vestígios do registro biográfico de Faraós, sacerdotes e outras figuras. Como também no Antigo Testamento e com os heróis épicos das antigas sagas, germânicas e célticas.

Enfim, ao longo da história da civilização, o homem sentiu necessidade de registrar a vida de personalidades, seja por admiração e respeito ou pela vontade de assinalar suas realizações. Penso que escrever sobre a vida de pessoas significativas é um modo de guardar os heróis que ajudam a construir identidades.

Gosto de biografias porque sempre me encanto com os biografados e nunca deles me esqueço. Aliás, suas vidas são verdadeiras aventuras, causam no leitor um impacto até mais contundente do que as ficções. Como “Longo caminho para a liberdade: uma autobiografia”, por Nelson Mandela; “Leonardo Da Vinci”, por Walter Isaacson; e “Catarina, a grande: retrato de uma mulher”, por Robert K. Massie; e ainda as autobiografias de Rita Lee e Woody Allen, mais do que interessantes.

Agora mesmo estão ao meu lado duas biografias de Márcio Paschoal — “O cadafalso do sucesso: a história dos compositores e cantores Claymara e Heurico”, que narra a trajetória da dupla que fez sucesso, cantando o amor de diversas formas e estilos musicais. A segunda é uma biografia romanceada e bem-humorada “João Antônio e os Bee Gees” que conta os últimos anos de vida do escritor e jornalista (1927-1996), um dos grandes contistas brasileiros, ganhador de prêmios como o Jabuti e traduzido em diversos idiomas.

Enfim, vale a pena conhecer a trajetória de pessoas que realizaram a vida com emoção, criatividade e destemor. Além do mais, são leituras que podem atiçar nossos sonhos e amanhãs!

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A poesia é um passarinho que pousa na minha janela

terça-feira, 22 de julho de 2025

Confesso que gostaria de ser poeta, ser capaz de pinçar palavras na Língua Portuguesa e colocá-las nos versos com delicadeza e simplicidade. Sempre que leio uma poesia fico pensando nas ideias contidas nas palavras porque a poesia gosta de conversar baixinho, fazendo quase um cochicho; ela não fala alto, nem faz discursos. Apenas quer se chegar para deixar um registro no leitor que percebe o valor de um poema. Em cada verso existe uma afetividade profunda, provavelmente porque o poeta não consegue expressá-la de outra forma que não seja através da escrita de um poema.

Confesso que gostaria de ser poeta, ser capaz de pinçar palavras na Língua Portuguesa e colocá-las nos versos com delicadeza e simplicidade. Sempre que leio uma poesia fico pensando nas ideias contidas nas palavras porque a poesia gosta de conversar baixinho, fazendo quase um cochicho; ela não fala alto, nem faz discursos. Apenas quer se chegar para deixar um registro no leitor que percebe o valor de um poema. Em cada verso existe uma afetividade profunda, provavelmente porque o poeta não consegue expressá-la de outra forma que não seja através da escrita de um poema.

Um poema chegou a mim não por acaso, veio de uma antiga amiga, Lila Maia, que publicou “Um rio a cada dia”, em cuja capa tem um coração vermelho vibrante e dele sai um sol. Ela me disse que é o de Frida Kahlo, pintora mexicana que trouxe ao mundo uma obra surreal, realista e feminista. Entretanto a vida dela é tão impactante quanto sua obra, posto que é uma mulher vencedora de desafios, uma sobrevivente que encontrou na arte a sua catarse, uma expressão inteligente e criativa.

O que me tocou no livro foi a beleza das poesias, tecidas com maestria e sentimento profundo. Mas especialmente, uma, “Os sapatos de minha mãe”, que pousou na janela da minha alma. É um poema que fala do amor de uma filha por sua mãe. Um amor que é fortalecedor.

Mas como alguém pode pensar que os sapatos revelam uma história de vida, a saudade, a feminilidade?

A relação mãe e filhos funda uma pessoa. É o amor que circunda a experiência de relacionamento ao longo da vida. É o cheiro. São os modos de olhar. O riso. O colo. O beijo. Os jeitos de amar cruzam os destinos de ambas. Não quero pesquisar a respeito do amor filial e maternal. Quero falar do meu sentir através deste texto em prosa porque é o estilo que sei escrever. Basta a sensação da presença que um filho possa transmitir à mãe ou ao contrário. Bastam os objetos deixados sobre as estantes ou mesmo dentro das gavetas do armário que trazem a sensação de estar ao lado, embalando, fortalecendo, mostrando de várias maneiras que vale a pena seguir em frente.

Sei que a ausência da presença possa ser mais comum do que gostaria que fosse. Talvez as dores que pairam sobre o mundo possam decorrer desse espaço vazio, escuro e triste. Cheio de vendavais.

Certa vez, escutei de minha prima, Ana Maria Campitelli, psiquiatra e psicanalista, e que, infelizmente, não está mais entre nós, a história de um amigo que se tornou médico depois de ter perdido sua mãe aos cinco anos de idade e ter sido abandonado pela família e quase deixado à própria sorte. A relação entre ele e a mãe o abasteceu de tal forma que superou os obstáculos do destino, tornou-se um médico respeitado, construiu família e amigos; teve uma vida plena. É belo ver pessoas que foram esculpidas por uma história de amor, mesmo que breve.

Mas, enfim, deixo o poema “Os sapatos da mãe”:

“O que amei naquela mulher de 1,55

Não foi a forma decidida de dizer não,

ou quando mantilha o limite

entre o pacote de biscoitos recheados de morango

e o prato de sopa que deveria ser tomado

sem direito a choro.

O que amei foram seus sapatos.

Tinha o par vermelho com saltos prateados,

meu preferido,

me fazia imaginar que um dia seria meu.

Nem sei quantos sapatos sem embrulho de presente lhe dei.

 

Anos mais tarde quando fui ao seu enterro

Abri o armário e fui tirando todos os sapatos de número 33.

Nenhuma daquelas caixas vazias pode me consolar:

 

calço 37.”

 

P.S.: O título foi um presente que Lila me deu numa conversa sobre seu livro. 

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O desafio de escrever para o pré-adolescente

terça-feira, 15 de julho de 2025

Mas que desafio? Nem criança, nem adolescente, o pré-adolescente está no meio de passagens, que decorrem dos processos de deixar de ser criança e começar a tornar-se adolescente. Um turbilhão de mudanças físicas, hormonais, cognitivas, emocionais, sociais e centros de interesse invadem sua experiência existencial. Tudo vai acontecendo com rapidez e concomitância, dando-lhe a sensação que o mundo está girando mais rápido e ele não consegue dar conta das mudanças.

Mas que desafio? Nem criança, nem adolescente, o pré-adolescente está no meio de passagens, que decorrem dos processos de deixar de ser criança e começar a tornar-se adolescente. Um turbilhão de mudanças físicas, hormonais, cognitivas, emocionais, sociais e centros de interesse invadem sua experiência existencial. Tudo vai acontecendo com rapidez e concomitância, dando-lhe a sensação que o mundo está girando mais rápido e ele não consegue dar conta das mudanças. Diante dos seus olhos janelas são abertas e novas paisagens, instigantes, assustadoras, divertidas e sofridas, são descortinadas dia a dia.

  O que lhe era certo, agora, não é mais! Seu pensamento alcança maiores dimensões em decorrência do desenvolvimento das capacidades de abstrair ideias e estabelecer relações mais complexas entre os fatos, pessoas e consigo mesmo ao ampliar o seu ponto de vista sobre as circunstâncias com as quais convive e tem conhecimento. É um vivente que está saindo da fase do pensamento mágico e do faz de conta, deixando o encantamento infantil. A realidade concreta, então, começa a redefinir os modos com que percebe e sente ao experimentar a vida.

O que escrever para o leitor que não está nem lá nem cá, mas que pode encontrar no livro de literatura um amparo?  Como, hoje, ele precisa de apoio, quiçá de compaixão! Sinto necessidade de focar o pré-adolescente como “pessoa em processo de vir a ser”. Não quero compartimentá-lo em uma etapa, posto que a vida não poupa ninguém; desde o momento em que nascemos estamos expostos aos acontecimentos.

Por isso considero que o fazer literário, não somente para essa faixa-etária, mas para todas, tem na arte das palavras, nas ideias criativas, na cultura e nos valores humanos o seu universo. Segundo Ricardo Azevedo é a forma através da qual o escritor experimenta a verdade. Para Humberto Eco, a literatura vai além do entretenimento ao manter tradições, elevar o espírito e formar identidades. Já Fernando Pessoa via na poesia um meio de explorar a complexidade da existência e das relações entre o eu e o mundo.

Assim, a construção de histórias para pré-adolescentes tem como questões relevantes a escolha do tema, a forma como abordá-lo e a linguagem. Sim a linguagem! Como atrair seu interesse se a escrita se utiliza de estruturas infantis ou adultas? É um grande desafio à inspiração do escritor. O livro não é feito de magias. É criado por pessoas que experimentaram o estar na pré-adolescência. Pode até que sejam eles mesmos, o que seria bem interessante porque vão expressar o que vivem, suas explosões de afetividades, construção de identidades e de movimentos no mundo.

Através dos temas que abordam a amizade, a aventura, as descobertas pessoais, os processos de identidade sexual, a superação de desafios, os medos inerentes ao crescimento, as relações interpessoais e com animais, o escritor pode se comunicar efetivamente com eles. Enfim, o que não faltam são temas; basta sentar-se na beira da calçada em frente de um portão de uma escola que inúmeras ideias vão cutucá-lo.

Mas, acima de tudo, o escritor é um amante da vida, um admirador da existência da pessoa num mundo cheio de adversidades. É aquele que tem a arte e a sensibilidade na flor da pele para saber o que escrever para quem está chegando a este mundo.

 

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O aviso prévio e as ostras

terça-feira, 08 de julho de 2025

Noutro dia escutei uma conversa no cabelereiro entre duas conhecidas, tipo fofoca de trabalho, quando, de repente, o assunto foi parar em aviso prévio. Aviso prévio! Palavra que eu estava buscando fazia dias para dar um título à uma crônica em que venho sentindo vontade de abordar: a efemeridade. Uma ideia forte, que faz a gente estremecer porque é o fato irrefutável presente em todos os dias da vida.

Noutro dia escutei uma conversa no cabelereiro entre duas conhecidas, tipo fofoca de trabalho, quando, de repente, o assunto foi parar em aviso prévio. Aviso prévio! Palavra que eu estava buscando fazia dias para dar um título à uma crônica em que venho sentindo vontade de abordar: a efemeridade. Uma ideia forte, que faz a gente estremecer porque é o fato irrefutável presente em todos os dias da vida.

Sim, senhor, os momentos são transitórios, e a vida é passageira. Tudo o que vivemos tem começo, meio e fim, a tríade essencial do acontecer. Através desse movimento, vamos fazendo com que a realidade se configure no tempo e no espaço, processando a existência e modificando o estado de coisas.  

Quando li o “O Pequeno Príncipe”, de Saint-Exupéry, o personagem que habitava o sexto planeta, o geógrafo, fiquei tocada quando afirmou que a flor que o Pequeno Príncipe deixara em seu asteroide era efêmera porque estava ameaçada de desaparecer em breve. Nesse momento, o Principezinho se preocupou, mais uma vez, com a fragilidade dela que só tinha quatro espinhos para se defender do mundo.

Depois de escutar a conversa sobre avisos prévios, a ideia de efemeridade cresceu e amadureceu em mim até que constatei que estamos cercados deles. Às vezes despercebemos os avisos que a vida nos dá de que tudo e todos estão em processos de finalização. Talvez esteja tão mobilizada no tema porque minha mãe vai fazer 94 anos e seu tempo...

Há avisos que informam períodos longos, e temos a falsa sensação de eternidade. Mas outros possuem instantaneidade, como um abraço ou um encontro com um amigo. Uma tesoura, se bem cuidada, possui duração maior, como a que está na minha escrivaninha, pronta para ser usada. O tempo dos avisos são importantes porque tudo e todos possuem valor para nós. De certo, o amor nos faz cuidar, velar, guardar com cuidados especiais para estender o prazo do aviso prévio. 

Então, achei uma outra ideia que se encontra nos entremeios dos avisos prévios: a ostra. Mas tinha que vir de Rubem Alves, em seu livro, cheio de sabedorias e afetos, “Ostra feliz não faz pérola”. A ostra é um animal marinho, sem defesa e manso, mas com sabedoria biológica, posto que é protegido por cascas duras. Muitas são felizes e passam a vida cantando com alegria. Outras possuem um canto triste porque um grão de areia entrou dentro das suas conchas através das suas arestas, causando-lhes dor. Muita dor. Para curar o sofrimento intenso, elas precisam fazer um trabalho constante, envolvendo o grão de areia com uma substância lisa, brilhante e redonda, transformando-o em pérola.  Ah, as pérolas! Elas oferecem alegria, beleza e felicidade não às ostras, mas a quem as usa. Da dor ao toque da elegância, a vida sabe fazer transposições como ninguém.

Cada aviso prévio é carregado de ostras. Ostras felizes, livres de dores. Ostras que sofrem e trabalham para oferecer seus resultados a outros. As ostras felizes gozam o direito à felicidade e as que trabalham produzem pérolas. Beethoven, mesmo sofrendo de surdez, produziu uma obra que canta alegria. A doença degenerativa não impossibilitou o Aleijadinho de esculpir o conjunto de esculturas do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas-MG, consideradas obras-primas do barroco brasileiro. O acidente que Roberto Carlos sofreu quando criança não o impediu de compor e cantar belíssimas músicas. O maestro João Carlos Martins, um dos grandes pianistas do Brasil, passou a usar luvas biônicas para tocar piano depois do seu braço direito sofrer uma agressão e o esquerdo estar comprometido com um tumor. Andrea Bocelli perdeu a visão quando criança e se tornou um tenor, compositor e produtor musical italiano que encanta o mundo com sua voz.  

Caro leitor, quando viramos as páginas da vida, os avisos chegam cheios de novas ostras. Ih! Está chegando um vento forte, vindo da montanha, aquele de fazer bater portas e janelas, avisando que será passageiro. Tenho que cuidar das ostras que ele me traz.

Com licença!

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O escritor e a magia da gaveta

terça-feira, 01 de julho de 2025

Escrever. Errar. Corrigir. Guardar o texto na gaveta. Reescrever. Assim é o processo de criação literária; o escritor vai refazendo o texto sucessivas vezes até considerá-lo pronto. Esta é a norma para quem escreve.

Escrever. Errar. Corrigir. Guardar o texto na gaveta. Reescrever. Assim é o processo de criação literária; o escritor vai refazendo o texto sucessivas vezes até considerá-lo pronto. Esta é a norma para quem escreve.

Certa vez, num curso que fiz na Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, sobre produção textual e o respectivo arquivamento no computador, tive a oportunidade de ver rascunhos de escritores renomados que continham trechos assinalados, riscados e reescritos. De certa forma, o curso me acalmou, ao constatar que erros e correções fazem parte do processo criativo e garantem a qualidade do texto.

Inclusive, para esta coluna, meus textos sempre são revisados por um professor e escritor experiente, Márcio Paschoal. Mesmo depois de eu ter relativa experiência e corrigi-los diversas vezes, a revisão retorna, invariavelmente, com erros apontados e sugestões para correção.

Errar é humano! Acredito que “vivemos” para reparar nossas imperfeições. Até já pensei que este mundo é uma oficina de gente. O homem, ao buscar consertar seus defeitos, aprender e aprofundar suas virtudes, faz o mundo evoluir. Agora, a meu ver, precisará buscar novos modos de ser e fazer a fim de resgatar a humanização que vem se perdendo em detrimento do pensamento imediatista e supérfluo. Vivemos, amigos, para acertar amarras e aparar pontas desalinhadas.

Quando comecei a escrever, há 25 anos, participei de oficinas literárias. Logo nas primeiras aulas escutei de diferentes formas que o escritor precisa ter humildade para aceitar críticas e reconhecer seus erros. Bravo! Foi um importante ensinamento que recebi. Não podemos nos acomodar ante as dificuldades, nem pensar que somos perfeitos.

Aprendi com a experiência diária que um texto dificilmente fica pronto sem antes sofrer várias correções e revisões de outros escritores e, principalmente, de leitores. Um texto que conquista a qualidade literária é resultado de um trabalho intenso do escritor e beneficiado pela avaliação de outros. O ponto de vista de cada olhar enriquece a narrativa. Além do que as questões relacionadas à gramática, ortografia e harmonia do emprego das palavras oferecem dignidade e beleza ao texto. Não é agradável ao leitor, durante a leitura, se deparar com erros de concordância e pontuação, por exemplo.

Escrever é, além de ser arte, uma forma do sujeito se expressar através de vários estilos literários, como também caminhar por pontos de vista diferentes. Quanto mais ele desenvolve a capacidade de produzir textos, mais engrandece seus modos de refletir sobre a vida, participar de grupos e interagir com a coletividade. Não se escreve sem refletir a respeito de ideias diferentes, avaliar momentos históricos e culturais diversos, situar informações em contextos específicos. Enfim, o gostar de escrever é uma maneira do escritor extravasar suas emoções e ideias pessoais; ao transformá-las em palavras, libera as energias que não cabem dentro de si.  Quem escreve é um turista nos fatos presentes e passados. É um intrometido, na verdade. Mas não pode ser falastrão.

O escritor escreve para alguém ler. Quem escreve e esquece o texto em gavetas nada contribui para a evolução do viver. É egoísta por não querer compartilhar suas ideias e inseguro por não acreditar no que pensa. Para compartilhar seus escritos é preciso tornar o texto interessante ao leitor, que, por sua vez, busca o prazer de abrir o texto e se degustar com as ideias do autor.

E a gaveta? Ah, ali tem uma magia inexplicável. Escrever um texto e guardá-lo por algum tempo garante ao escritor uma nova percepção a respeito do que escreveu. Tem uma fada, uma bruxa ou sei lá quem naquele espaço escuro e silencioso que faz milagres. É só experimentando para se ter uma ideia do poder que a magia da gaveta tem.

Enfim, quem se propõe a aprender a escrever vai trabalhar carregando as palavras do dicionário e os livros da biblioteca no lombo. Apenas garanto que será uma pessoa um pouco mais feliz!

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A nossa língua, nosso bem maior

terça-feira, 24 de junho de 2025

E a gente acorda, vai falando porta afora e escutando o blá-blá-blá quotidiano, vai trabalhando, estudando e discursando, vai lendo e escrevendo, fazendo declarações de amor e tanto mais, sem pensar que estamos inseridos na vida através da língua, o nosso português. Que não é somente falado no Brasil, mas em mais outros países, como Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Até na China, na Região Administrativa de Macau.

E a gente acorda, vai falando porta afora e escutando o blá-blá-blá quotidiano, vai trabalhando, estudando e discursando, vai lendo e escrevendo, fazendo declarações de amor e tanto mais, sem pensar que estamos inseridos na vida através da língua, o nosso português. Que não é somente falado no Brasil, mas em mais outros países, como Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Até na China, na Região Administrativa de Macau.

Sim. No Brasil, o português é o nosso bem maior. “Quem não se comunica, se trumbica”, ditado popular que expressa: quem não domina a sua língua tem dificuldades de interagir e está cercado de limitações.

Mas quem sabe sobre a nossa língua? Ora, pois sim, o português veio de longe, veio além-mar, que se originou no latim vulgar, falado pelas classes populares do antigo Império Romano. O latim foi a base para a formação de vários idiomas, como o português, o espanhol, o italiano, o francês e o romeno, que em seu conjunto são chamados de romance ou romanço. Também pertencem a esse grupo o catalão, o galego, o sardo e o romanche (falado na Suíça).

Conversando com uma amiga e poetisa a respeito, constatei que falar bem o português é uma dignidade para o brasileiro. A comunicação, verbal e escrita, é o nosso maior patrimônio pessoal e cultural. Perde-se a noção de tempo ao escutar uma pessoa falando bem o português como Mia Couto, cujo conhecimento da língua e fluência são tão profundos, que ele fala com simplicidade, possibilitando a compreensão daqueles que o ouvem.

O domínio da língua pátria é uma das mais complexas capacidades cognitivas que construímos ao longo de toda uma vida, começando na convivência com a família, amigos e com uma infinidade de pessoas com quem trocamos afetos, ideias e informações, com os processos de aprendizagem e com a leitura, que seja em livros, revistas, jornais, filmes etc. Quem chega aos cem anos, de certo, ainda vai aprender o português. Que seja, ao menos, uma gíria, um modo de construir frases e de se expressar com mais clareza.

A comunicação é a maior prioridade que temos para sobreviver no quotidiano, expandir capacidades, inclusive, dominar áreas do conhecimento exato, como, por exemplo, a física e a matemática.

Soube que Guimarães Rosa valorizava o estudo de línguas, como português, alemão, francês, espanhol, italiano, russo, sueco, holandês, latim e grego porque, através das quais, ele poderia conhecer melhor a própria língua, a portuguesa. Foi tal domínio que o permitiu escrever “Grande Sertão: Veredas”, repletos de palavras criadas por ele, os famosos neologismos, como “ensimesmudo”, descreviver, velhouco.

O universo virtual reverte os valores da língua. Hoje, tem-se a utilizado com tantas abreviações e substituições por imagens que reúnem múltiplos sentidos, que sua riqueza e beleza têm sido prejudicadas. O pior, a qualidade da comunicação e de expressão estão se apequenando. O emprego do “OK” guarda significados valiosos que ficam nas esferas subliminares, às vezes, pouco percebidas.  

Nossa língua é tão linda... Deveria ser admirada como uma estrela guia.

Cada vez mais, usa-se o português de qualquer forma e modo descuidado. De certo, é uma língua que exige conhecimentos aprofundados por quem a escreve, lê, fala e ouve decorrentes da sua ortografia, morfologia, gramática, sintática e semântica. Não é por menos que a grade curricular prevê o ensino da Língua Portuguesa em, pelo menos, 12 anos da escolaridade. 

Habitamos na língua materna, a casa que nos faz humanos e ser o que somos: brasileiros!

“Natureza é divina, e ela não é divina...

Se falo dela como um ente

É que para falar dela preciso usar da linguagem dos homens

Que dá personalidade às cousas,

E impõe nome às cousas.”

Fernando Pessoa

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Como estamos lidando com nossas formigas?

terça-feira, 17 de junho de 2025

Entre uma leitura e outra, já que tenho o hábito de ler dois livros ao mesmo tempo, percebo, a cada vez que recomeço a ler, as diferenças nos modos de pensar, na cultura em que os autores estão inseridos. É enriquecedor notar como as ideias mudam no tempo, no espaço e na individualidade de cada escritor. De fato, a leitura de Dostoiévski tem me feito respirar um tempo maior.  

Entre uma leitura e outra, já que tenho o hábito de ler dois livros ao mesmo tempo, percebo, a cada vez que recomeço a ler, as diferenças nos modos de pensar, na cultura em que os autores estão inseridos. É enriquecedor notar como as ideias mudam no tempo, no espaço e na individualidade de cada escritor. De fato, a leitura de Dostoiévski tem me feito respirar um tempo maior.  

Estou lendo “Não conte para as formigas”, escrito por uma amiga muito querida, Mônica Alvarenga, recentemente lançado pela editora 7 Letras. Me deparo com a voz do inconsciente do personagem, um texto denso, que começa com o enfrentamento do medo de escrever um diário. É o seu primeiro livro, em que desbrava os caminhos do fazer literário.

Tão logo começo a ler, me reporto a Leopold Blomm, personagem de Ulisses, livro clássico de James Joyce, quando ele caminha pela areia de uma praia em Dublin, capital da República da Irlanda do Sul, e pensa. James Joyce consegue mostrar o turbilhão de ideias, expondo o movimento do pensamento do personagem através de ideias soltas, contraditórias, repartidas e energizadas por sentimentos conflitantes em busca de sentidos e da catarse de sensações fortes.

Depois de ler quase todo o livro, retornei à primeira página, e constato, como a própria Mônica fala, que o livro é um grito. Aquele grito que sai do fundo das emoções, das mais remotas lembranças, que, em um determinado momento da vida, precisamos dar. Gritar para recomeçar e dar novos rumos à vida. Gritar para acenar ao passado, não para esquecê-lo ou perdê-lo posto que está encruado em cada uma de nossas células. As lembranças andam por nós como formigas, fazendo caminhos certos. Como vamos tratá-las? Será que vamos escutar, ao longo da vida e na mesma entonação, a melodia que nos cantam?

Ah!, é um texto desafiador. A vida é bela e guarda em caixas de papelão e madrepérola as nossas histórias, construídas através de tantos encontros e desencontros. As formigas as protegem e apontam para as verdades presentes, mesmo que camufladas, nas decisões que balançam entre lados opostos: um sempre querendo permanecer e se aquietar; o outro decidindo ir além, dar um passo avante e ousado.

Amigo, leitor, vivemos no meio desse pêndulo escutando nossas formigas que nos dizem palavras. Que não nos basta ouvi-las; é preciso vê-las, abraçá-las para festejar a pessoa que somos. Para conseguir decifrar a beleza no que é feio e a feiura que existe no belo, mesmo sem querer notá-la por ser desagradável e indigesto. Na verdade, a beleza plena é um sonho distante.

As formigas são como os fungos da nossa existência, que habitam em nossas raízes, que desenham a realidade. Muito diferente do mundo virtual em que tudo o que se pretende expor é perfeito. Não há fragilidades. Diferentemente de nossos corpos, tão reais e efêmeros, sempre tem braços imensos que podem nos abraçar e nos fazer apaixonar por nós mesmos. O grande trunfo da humanidade.

Ufa, que leitura, uma verdadeira sessão de terapia!

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