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O homem e a natureza

terça-feira, 03 de junho de 2025

Ao passar na Genipapo Livraria, conversei com a livreira, Maria Fernanda, sobre ecologia, e ela me indicou o livro “Maneiras de Ser: Animais, plantas, máquinas: a busca por uma inteligência planetária”, escrito pelo jornalista inglês James Bridle. O tema imediatamente me interessou porque somos partes integrantes da natureza, tanto quanto uma árvore, uma pedra e um tigre.

Ao passar na Genipapo Livraria, conversei com a livreira, Maria Fernanda, sobre ecologia, e ela me indicou o livro “Maneiras de Ser: Animais, plantas, máquinas: a busca por uma inteligência planetária”, escrito pelo jornalista inglês James Bridle. O tema imediatamente me interessou porque somos partes integrantes da natureza, tanto quanto uma árvore, uma pedra e um tigre.

Já no primeiro parágrafo fiquei tocada com a frase: (...) “aqui está se desenrolando um dos maiores conflitos da nossa era – entre a agência humana e a inteligência das máquinas, entre a ilusão da superioridade humana e a sobrevivência do planeta.” Talvez eu nem precise comentá-la posto que é bem explícita e nos induz a questionar: aonde a inteligência está nos levando? A mesma inteligência que criou as vacinas, a cirurgia, a engenharia genética, o telescópio espacial, é responsável pelo desenvolvimento da inteligência humana e produção das artificiais, que poderão fugir ao nosso controle, nos trazer consequências impensáveis e causar tantos desajustes. A racionalidade humana não pode esquecer de que há uma interconexão entre tudo o que existe neste planeta. O Efeito Borboleta é uma metáfora que exemplifica o caos decorrente das relações entre a causa e o efeito da desordem dos fatos e seus subsequentes e infinitos desdobramentos. Estamos mergulhados em resultados e impactos decorrentes dos esforços para dominar a natureza e usá-la para nosso favor, o que tem favorecido a qualidade de vida. Contudo, ao mesmo tempo, colocado em risco a nossa segurança, bem-estar e sobrevivência.  

Vamos tentar usar um exemplo para entender as conexões e correlações de ações tomadas aleatoriamente. Numa partida de futebol, André chutou uma bola, que correu para uma movimentada estrada. Naquele exato momento, um carro que passava freou e desviou da bola. Então, o motorista do caminhão que vinha atrás se assustou e perdeu o controle do veículo, que tombou. A carga líquida e concentrada de produtos químicos se espalhou pelo local e escorreu até um riacho. Com a água contaminada, a fauna e a flora foram afetadas, bem como criações de tilápias que utilizavam da água do riacho. Sem peixes para comercializar, os criadores tiveram perdas econômicas, o que repercutiu na vida financeira dos empregados e no comércio da localidade.

Agora, me vêm à lembrança programas de televisão sobre a construção de casas por arquitetos talentosos, que mostram com orgulho as grandes janelas projetadas e seus vidros imensos. Lindo de ver e desejar. Entretanto ninguém pensa na quantidade incontável de passarinhos que morrem ao bater nos vidros. Nos filhotes que ficam aguardando pelos pais nos ninhos. Os pássaros são grandes semeadores da natureza, sendo responsáveis pela manutenção das matas. As construções precisam protegê-los e não os sacrificar.

Segundo Bridle, há uma cisão entre o humano e o não humano. A ilusão de superioridade através da tecnologia se contrapõe a uma parceria saudável entre o homem e suas necessidades com a natureza. É importante ressaltar que a inteligência da natureza tem simplicidade, pureza e espontaneidade. Sem tecnologias, logísticas e redes de comunicação, os animais são capazes de se proteger. Como uma lagarta pode viver por meses, sobrevivendo aos incontáveis desafios que o ambiente lhe apresenta?

O homem ainda tem muito o que aprender com a natureza e com a dignidade com que os animais enfrentam as dificuldades diárias, como os ursos polares. Mas ainda não conseguiram se defender do homem...

E, agora, me digam, o que a natureza precisa aprender com os homens?

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A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

O faz de conta e a formação do leitor

terça-feira, 27 de maio de 2025

O faz de conta é uma brincadeira importante na infância porque a criança, ao recriar o mundo através da imitação de pessoas e personagens em seus papéis e funções, começa a entender as relações inter-humanas e as atividades realizadas na vida coletiva. As histórias na literatura infantil também recriam os fatos e possuem atualidade, mesmo as que são contextualizadas em tempos mais antigos.

O faz de conta é uma brincadeira importante na infância porque a criança, ao recriar o mundo através da imitação de pessoas e personagens em seus papéis e funções, começa a entender as relações inter-humanas e as atividades realizadas na vida coletiva. As histórias na literatura infantil também recriam os fatos e possuem atualidade, mesmo as que são contextualizadas em tempos mais antigos.

As imitações criadas pelo imaginário infantil são essencialmente individuais na medida em que estão referendadas à percepção pessoal, possuindo conteúdo afetivo relevante. A criança recria o que sente e pensa, ou seja, todo sentimento produz pensamentos que, por sua vez, induzem às ações. O faz de conta corresponde à dialética de perceber, sentir, pensar, imaginar e brincar; é um jogo de ressignificações em que é possível extravasar emoções.

Ser pai, mãe, avós, médico, cozinheiro, cuidador de animais ou construtor podem ser motivos que inspirem a criança a brincar. Os personagens Batman, João ou Maria, Príncipe ou Bela Adormecida, Tarzan ou Jane, mágicos ou fadas, dentre tantos outros personagens são imitados na infância. O fato é que através do faz de conta a criança adentra seu imaginário, fertiliza sua criatividade e descobre-se. Conhece-se. Diferencia-se de outras pessoas. É uma brincadeira de enorme riqueza para a construção da identidade individual, através da qual ela vai amadurecendo sob o ponto de vista emocional, social, físico e intelectual.

Sob o ponto de vista intelectual, a criança, ao criar enredos, recriar pessoas e personagens aprofunda seus entendimentos sobre as situações, reflete sobre as características pessoais e observa elementos ambientais. São brincadeiras livres que envolvem habilidades cognitivas, como observação, percepção de semelhanças e diferenças, classificação, interpretação, crítica, levantamento de suposições, aplicação de fatos e princípios a novas situações, planejamento, tomada de decisões dentre outras. Enfim, é uma brincadeira em que a criança tem a experiência de pensar. Além do que os modos de brincar acompanham a evolução do pensamento decorrente da mudança dos centros de interesse em virtude das vivências e do próprio desenvolvimento.

Ao brincar de faz de conta, a criança desenvolve a linguagem, utilizando-a de forma natural e criativa, criando os próprios diálogos; a capacidade de simbolização ao representar objetos e ideias; o entendimento da escrita ao perceber que ela pode representar palavras, histórias e personagens; a imaginação ao sentir prazer em criar situações e personagens; a atenção ao demandar concentração durante o desenvolvimento da história; o entendimento da sequência da história com relação ao começo, meio e fim.

A criança transfere a sensação de prazer ao brincar de faz de conta para a leitura. A formação do leitor é um processo que se estende por toda a vida posto que a cada época a pessoa tem acesso a diferentes estilos de leituras através dos níveis de aprendizagem, atividades profissionais, convivência e centros de interesses. Os leitores mais hábeis decodificam e interpretam textos em outras línguas, inclusive.

O que estou insistindo em demonstrar é que sem o sentimento do prazer preservado em seus afetos, o processo de evolução da leitura pode se tornar enfadonho, o que provavelmente venha a prejudicar várias áreas de atuação do adulto, inclusive a profissional.

A formação do leitor é um processo fundamental para o conhecimento e a compreensão da vida. Segundo Freud, a leitura é uma experiência de linguagem significativa para a compreensão da própria linguagem e da linguagem do inconsciente. Através da leitura, o leitor experimenta emoções como rir, chorar, sentir raiva, amor e identificar-se. O livro é um objeto feito de palavras em que todos podem ser e tudo pode acontecer.

Já Piaget descreve a leitura como um processo que faz parte da formação humana. Por intermédio da interação entre o sujeito e o texto, o leitor constrói significados, interpreta e compreende fatos e informações.

Enfim, a criança precisa brincar, apenas brincar, para conquistar o mundo!

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A importância da família na formação do leitor

terça-feira, 20 de maio de 2025

A formação do leitor é de responsabilidade da família, da escola e do Estado. Começa desde a mais tenra idade através da escuta de histórias contadas e lidas, do manuseio dos livros e visualização das suas imagens e pelo prazer de brincar.

A formação do leitor é de responsabilidade da família, da escola e do Estado. Começa desde a mais tenra idade através da escuta de histórias contadas e lidas, do manuseio dos livros e visualização das suas imagens e pelo prazer de brincar.

Na família, os pontos de partida da formação do leitor são o amor à criança e o gosto pela leitura. O ambiente familiar é construído através de elos afetivos e narrativas; cada família tem as suas, que passam, inclusive, de geração a geração. A criança nasce mergulhada em histórias que são contadas e recontadas, hábito com o qual vai se acostumando, assimilando, fazendo com que as recrie, quando experimenta uma gama de emoções ao imitar os familiares, seus modos de agir, papéis e funções. Através do encantamento e da fantasia com as histórias do universo da literatura infantil que lhes são contadas, a criança adentra o imaginário e convive com o universo lúdico, que possibilita que ela mesma crie narrativas através dos processos de identificação com os personagens da história. Assim sendo, o faz de conta é uma brincadeira simbólica fundamental.

A formação do leitor é um processo complexo que tem por objetivo último o domínio da leitura e a espontânea vontade de ler. A partir da convivência com familiares leitores, ela, certamente, vai receber estímulos para buscar o livro, abri-lo e absorver o texto. Do ser estimulada ao tornar-se leitor é um caminho desafiador. O primeiro deles é aprender a ler que envolve a decodificação de palavras, apreensão de sentidos e interpretação.

O familiar, ao ler para a criança, valoriza o contato com o livro.  Ao conversar a respeito do texto, compartilhar sua interpretação e cuidar do livro, enaltece as riquezas contidas em cada leitura.

As oportunidades variadas de leitura permitem que o leitor infantojuvenil defina seus gostos por assuntos. Nem todos os leitores são versáteis e, de um modo geral, possuem uma tendência particular. Há leitores que apreciam esportes e outros assuntos médicos, os que gostam de romances e poesias. Mas há também aqueles que preferem assuntos relacionados à sua formação profissional. São tendências que vão se construindo ao longo da vida e podem mudar de acordo com centros de interesse.  As histórias em quadrinhos, por exemplo, são oportunidades de leitura que não podem ser negligenciadas, até porque há textos clássicos adaptados aos quadrinhos. A linguagem empregada pelo texto deve estar adequada à faixa etária para manter o leitor se infantil ou se juvenil interessado na leitura, como também o assunto abordado e sua forma.

Enfim, criança, em processo de formação, precisa se sentir livre para escolher seus temas. Para tal as oportunidades de leitura são fundamentais. Vale a pena observar, no entanto, que a maioria da população infantojuvenil tem dificuldades para acessar o livro. O hábito de frequentar bibliotecas escolares e públicas, pegar livros para serem lidos em casa pode ser positivo. Não podemos negligenciar a leitura em livros virtuais, especialmente para os jovens, opção que vem crescendo e facilita o seu encontro com a literatura.

Os leitores infantis apreciam as ilustrações, imagens que recontam o texto e permitem a imaginação. Ler e imaginar favorece que o leitor sinta prazer em manusear o livro. Quando a criança gosta da atividade de ler — posto que é uma das atividades dentre outras várias que poderia realizar, como assistir a desenhos animados, jogar e brincar — ela vai encontrar momentos para ler. Ou seja, é uma atividade prazerosa e pode ser incentivada. E, caso seja, obrigatória, os professores e familiares devem mostrar o valor da leitura para a vida.  

Para finalizar, deixo uma frase do psicanalista e educador Rubem Alves: “O livro é um brinquedo feito de letras. Ler é brincar”.

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A Inteligência Artificial e a leitura

terça-feira, 13 de maio de 2025

Stephen Hawking, astrofísico teórico britânico e escritor, um dos mais renomados cientistas, há 30 anos previu que em 2025 o mundo entraria em uma nova era tecnológica devido à disseminação dos computadores, ao avanço da robótica em várias áreas de produção e atividade humana, o desenvolvimento da Inteligência Artificial, dentre outras.

Stephen Hawking, astrofísico teórico britânico e escritor, um dos mais renomados cientistas, há 30 anos previu que em 2025 o mundo entraria em uma nova era tecnológica devido à disseminação dos computadores, ao avanço da robótica em várias áreas de produção e atividade humana, o desenvolvimento da Inteligência Artificial, dentre outras.

Com relação à Inteligência Artificial, Hawking anteviu que esta superaria a capacidade humana até 2025. E alertou que poderia se aprimorar em velocidade exponencial sem que nós, os humanos, fôssemos capazes de entender ou reagir. Inclusive, de agir contra a ética, na medida em que poderíamos atribuir a ela a solução de todos os problemas. Além do mais, poderá se tornar perigosa na medida em que for definida por objetivos mal-intencionados.

O momento em que estamos vivendo tem me causado grandes preocupações, especialmente com relação à criança e ao adolescente, que estão chegando a um mundo cercado de robôs e inteligências que vão limitar o saudável e natural desenvolvimento das suas capacidades físicas e intelectuais; que irão criar referenciais não humanos para construção dos valores éticos, sociabilidade, autopercepção, cidadania e afetividade.

Sou pedagoga de formação e guardo o ser humano como o bem maior do planeta. A natureza e nós somos a maior, melhor e mais bela expressão da vida no universo que conhecemos. Com toda a pesquisa espacial, ainda não temos ciência de um mundo com existências tão aperfeiçoadas como as nossas. Mas, enfim, o desenvolvimento tecnológico está aí, tal como chegaram o avião, a geladeira e o computador, que se estabeleceram pelos quatro cantos do mundo, passaram a fazer parte da nossa vida e nos trouxeram tantos benefícios. A Inteligência Artificial está enraizada em nós como os celulares, do qual estamos dependentes.

Hoje é tão fácil fazer uma pesquisa com a Inteligência Artificial. É só chegar no site, digitar uma questão e clicar. E, eis que, num passe de mágica, em segundos, surge um conteúdo estruturado e bem escrito. Tendo eu, inclusive, a possibilidade de pedir que aprofunde as ideias e torne o texto mais poético. Esse avanço tecnológico vem acontecendo há uns setenta anos aproximadamente, pouco tempo para alavancar tantas possibilidades!

Ressalto que independentemente de todo o avanço tecnológico, é importante aprimorar a escrita cursiva, caligrafia, a compreender o que se lê e o que se escreve porque são ações que desenvolvem habilidades cognitivas importantes.

A escola está certíssima em impedir o uso de celulares. O aluno tem de estudar por ele mesmo, de experimentar os erros e os acertos. Tem de ter dúvidas e chegar a conclusões. Crescer é desafiador, sofrido e difícil. Mas é o meio pelo qual a criança e adolescente têm para se tornar adultos livres, produtivos e responsáveis.

O desenvolvimento de hábitos de leitura deve fazer parte do processo educacional da criança e do jovem, que se constitui em um grande desafio para a família, escola e governos.

Enfim, oferecer tudo pronto e facilitado é limitar o potencial criativo de gerações, predestinar a criança e o jovem a ser dependentes da tecnologia, a incapacitá-los a pensar com originalidade. O pior, de torná-los exímios plagiadores.

Nos primórdios da Inteligência Artificial, a literatura ainda tem condições de preservar o humano em todos os leitores. Salve os livros!

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A mãe de Chapeuzinho Vermelho

terça-feira, 06 de maio de 2025

Hoje, pensando no que ia escrever às vésperas do Dia das Mães, um dia divino em que se comemora a vida, o começo e a transformação, me deparei com a mãe da Chapeuzinho Vermelho, personagem silenciosa, de quem pouco se sabe e se conhece na literatura, mas que guarda um significado profundo.

Hoje, pensando no que ia escrever às vésperas do Dia das Mães, um dia divino em que se comemora a vida, o começo e a transformação, me deparei com a mãe da Chapeuzinho Vermelho, personagem silenciosa, de quem pouco se sabe e se conhece na literatura, mas que guarda um significado profundo.

Uma personagem que ocupa o lugar entre duas gerações que dependem de atenções e cuidados. A sua invisibilidade na história representa as funções especiais que a mulher ocupa em relação aos filhos e aos pais, no sentido de acompanhá-los e encaminhá-los. Quanto aos filhos tem a responsabilidade de permitir que eles transcendam da posição de dependência para a de produtividade e independência, capazes de construir a própria vida, bem como participar da construção das de outras. Quanto aos pais, tem a função de apoiá-los nos processos de envelhecimento de modo a oferecer-lhes presença, alegrias e assistência. Se bem que, hoje, os avós dão um suporte significativo aos filhos e netos.

 É uma mulher que trilha os caminhos do meio e, para tal, precisa se adaptar às transformações que seus filhos e pais vivem, ocupando posições cheias de desafios que são absorvidos através da experiência existencial deles. Tanto a infância e a adolescência, como a velhice, correspondem a épocas de vida em que a criança, o adolescente e o velho sofrem mudanças intensas, diárias, que requerem assistência de quem ocupa a geração do meio. Sim, assistir no sentido de estar atento aos acontecimentos, ter prontidão para socorrer quando necessário e trocar afetividade. É ter uma postura efetivamente amorosa. Talvez seja o momento da vida em que a mulher, ao lidar com lados opostos, exigentes e contrastantes, vivencia diversas faces do amor, como acompanhá-los ao pediatra e geriatra, administrar medicamentos, colocar as velas nos bolos de aniversário e escolher fraldas mais confortáveis.

A mãe da geração do meio tem um olhar que gira trezentos e sessenta graus diversas vezes por dia, tendo pouco tempo para se ver. Está mais com seus pais e filhos do que consigo. Está entre o revolucionário e o conservador, interagindo com culturas distintas que trazem princípios muitas vezes diferentes dos que construiu ao longo da sua vida, tendo que transitar com desenvoltura em contextos familiares e sociais com características próprias. Como seu mundo se mistura com o dos pais e dos filhos, é a fase da vida em que a mulher experimenta profundo compartilhamento. É como se vivesse num caleidoscópio, a cada movimento tudo se configura de forma diferente.

Além de tudo, é uma pessoa humana, que possui imperfeições. É aí que reside a grande sabedoria de ser mãe e ser filha: estar pronta para aprender com os próprios erros, de saber olhar e lidar com o diferente, de gostar do outro tanto quanto gosta de si mesma.

A mãe da Chapeuzinho Vermelho tem o trunfo de possuir uma visão mais amadurecida da vida diante do filho e o vigor da juventude diante dos pais. Mas ela não é, nem pode ser, um cabide de sustentação ante as fragilidades dos pais e dos filhos, até porque ela tem as próprias. Mas a partir das suas possibilidades é uma pessoa que aprende dia a dia a acolher; a dizer o sim e o não; a chorar junto; a compartilhar o riso; a experimentar o nascimento e a morte; a ser gestada e a parir. A dar as mãos.

A partir da invisibilidade da mãe da Chapeuzinho Vermelho, entrego um cesto carregado de queijos e beijos a todas as mulheres que escolheram ser mães.

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Inteligência Artificial: os papeis da família, da escola e da literatura

terça-feira, 29 de abril de 2025

Nova Friburgo participou do Dia Mundial da Criatividade e Inovação (World Criativity Day), um evento global promovido pela ONU, durante os dias 21, 22 e 23 de abril, quando realizou diversas atividades gratuitas com a finalidade de promover o desenvolvimento humano com a participação de educadores, artistas, empreendedores, pesquisadores e demais agentes de mudança.

Nova Friburgo participou do Dia Mundial da Criatividade e Inovação (World Criativity Day), um evento global promovido pela ONU, durante os dias 21, 22 e 23 de abril, quando realizou diversas atividades gratuitas com a finalidade de promover o desenvolvimento humano com a participação de educadores, artistas, empreendedores, pesquisadores e demais agentes de mudança.

Assisti à palestra “Exame vocacional por Inteligência Artificial”, e o professor Felipe Oliveira fez uma explanação criativa e objetiva sobre a Inteligência Artificial. Enquanto ele apresentava o tema, várias questões começaram a pulular na minha mente, sendo iluminadas por algumas perguntas: será que a IA nos percebe como humanos? Como pode nos perceber se não tem uma história de vida construída com experiências e amadurecimentos, afetos e processos de aprendizagens múltiplas? Será que percebe os humanos como robôs? Qual o nível de responsabilidade dos programadores para os princípios éticos que sustentam a dignidade humana? Sabemos que seu objetivo é estar sempre disponível para atender às demandas daqueles que solicitam suas respostas e soluções.

A palestra foi marcada por debates a respeito dessas questões. Em relação à Orientação Vocacional, foi evidenciado se tratar de um processo de amadurecimento de experiências, autoconhecimento e pesquisas do mercado de trabalho. Um questionário produzido pela Inteligência Artificial, penso eu, deve apenas ser um instrumento que compõe o processo de definição vocacional.

Ao sair da palestra pensei sobre os papeis da família e da escola hoje, mergulhados em uma realidade em que a Inteligência Artificial pode favorecer o não pensar, o não aprender e o desaprender, posto que oferece respostas com imediatez. A família precisa estar presente, atenta e atuante na vida dos filhos desde a mais tenra idade e não pode transferir à escola suas responsabilidades. Amar é demonstrar afetividade nos olhos e nas mais simples atitudes; conviver sem pressas e conversar sem celulares; saber quando é preciso dizer o sim e o não com firmeza. Os filhos, ao saberem que podem contar com os pais e as mães, mesmo que estejam separados e tenham outras famílias, sentem-se fortalecidos ante um mundo cheio de incertezas e inseguranças.

A escola se faz através de pessoas, os seus educadores: professores, pedagogos, psicólogos e funcionários de um modo geral. Quem trabalha em um ambiente escolar está participando da construção de seres humanos. E de não robôs. Ser educador é assumir um desafio complexo e surpreendente. É, antes de mais nada, educar a si mesmo, conhecer-se. Descobrir-se junto ao outro e superar-se a cada dia.

As crianças e os jovens necessitam, ainda mais nos dias atuais, da presença dos pais e professores para utilizar os benefícios da Inteligência Artificial que são muitos, se, somente se, houver respeito ao desenvolvimento de individualidades criativas, responsáveis e participantes.

Ah, estou sendo bem determinante, atitude que não gosto de ter. Mas com relação a esse tema não sou sustentada pela necessidade de saber mais, de investigar e refletir como sempre acontece quando produzo textos desta coluna.

A literatura, como sempre, pode nos apresentar respostas mais inteligentes, sensíveis e objetivas que a Inteligência Artificial. Vou me sustentar no slogan “Quem lê, sabe mais” para declarar que os seus programadores precisam ser estudiosos e leitores para desenvolver programas que possam responder aos usuários com inteligência, afetividade e ética. E os seus usuários, da mesma forma, possam ter uma relação crítica com as informações que recebem. Especialmente, as crianças e os jovens não podem fazer uso da Inteligência Artificial com postura passiva e receptiva às informações. É aí que reside o grande perigo: processos de interação em que robôs superam humanos.

Não estamos no final de uma encruzilhada. Mas iniciando novos caminhos com desafios até então impensados e não podemos negá-los de forma alguma, mas aprender continuamente a utilizá-los com ética e da melhor forma possível. Da tecnologia à humanidade, somos nós que vamos trilhá-los e dominá-los.

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Voejando sobre a vida do friburguense

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Depois de escrever a coluna passada sobre a riqueza imperceptível contida em cinco minutos, inspirada pelo livro “O Idiota”, de Dostoiévski, fiquei divagando antes de dormir, durante aquela hora em que conversamos com os anjos, com nosso presente, passado e futuro, até que uma ideia veio me instigar: a eternidade! Existe?! Se existe, como será? Que conceito abstrato! Entre exclamações e indagações, cheguei a uma conclusão, a mais simples e óbvia, a mais inquestionável por mim. Talvez os físicos, filósofos ou religiosos possam dar outros esclarecimentos e interpretações.

Depois de escrever a coluna passada sobre a riqueza imperceptível contida em cinco minutos, inspirada pelo livro “O Idiota”, de Dostoiévski, fiquei divagando antes de dormir, durante aquela hora em que conversamos com os anjos, com nosso presente, passado e futuro, até que uma ideia veio me instigar: a eternidade! Existe?! Se existe, como será? Que conceito abstrato! Entre exclamações e indagações, cheguei a uma conclusão, a mais simples e óbvia, a mais inquestionável por mim. Talvez os físicos, filósofos ou religiosos possam dar outros esclarecimentos e interpretações. A eternidade está no presente. Sim. Exatamente no instante em que estamos vivendo, interagindo com tudo e com todos, em que nosso corpo está funcionando para que possamos estar em movimento; em que a mente interpreta o que vivemos; em que os afetos reagem a nós, a tudo e a todos; e em que as vontades dão um toque especial aos modos de estar e fazer.

Estão nos menores detalhes a essência dos fatos que podem ser percebidos num piscar de olhos. Apenas um relance é suficiente para nossos canais perceptivos captarem a realidade, os afetos, os interesses, as intenções. É nessa fração de segundos que a totalidade se revela sem pudor. Nua e crua. São constatações que podem interferir nos rumos que damos à nossa vida.

Aí, pensei o que a vida do friburguense, meu povo querido, me diria? Ah!, a Praça Presidente Getúlio Vargas, por onde todos passam, me confessaria alguns segredos dos seus instantes. Ali a vida acontece todos os dias. Fazendo e refazendo sua rotina, o friburguense caminha com passos diferentes para construir sua vida, carrega suas mochilas, bolsas e sacolas, passa nos bancos, conversa com pessoas com o sotaque friburguense, sua marca registrada. A cada instante, a eternidade se faz cumprir na vida das pessoas. Como também dos animais; dos cachorros, que fazem da rua as suas casas ou que vêm de longe comer a ração que os lojistas deixam em suas portas; ou dos pássaros que voam de árvore em árvore e pousam nos bancos da praça como se fossem seus poleiros.

A sabedoria de Vinícius se revela em seus poemas: “Mas que seja infinito enquanto dure”.

A vida corre em Friburgo com largueza preenchida pela vontade de viver e sobreviver. O povo é forte. Trabalha! Trabalha e cuida da família, realizando tarefas domésticas, cumprindo responsabilidades no trabalho, empreendendo. Cuidando de si. Adquirindo saberes e experiências.

Sem a agitação dos grandes centros, o Friburguense tem vida movimentada. Acorda cedo, posto que o sol serrano não deixa a cama esquentar o corpo demais. E a vida vai acontecendo com o passar das horas em eternidades diversificadas e constantes; vêm e vão. Entre o passado e o futuro, o presente é estreito, pequeno demais, ínfimo. Mas é eterno. Ninguém o segura nas mãos, é como água que escapa pelos dedos. A fotografia, o jornalismo, o cinema, o teatro e a literatura fazem de tudo para guardar o presente. Mas ele, ao ser registrado, torna-se irreal; só pode ser observado e interpretado. Apenas quem vive o próprio instante é que o percebe na concretude do acontecer. É individual.

E o friburguense vive as suas eternidades. Sim, gosta do chão em que pisa, aprecia suas montanhas a cada olhar, sente suas águas em cada banho e come seus frutos nas refeições do dia. Guarda o orgulho de ser de Nova Friburgo. Cada um trilha seus caminhos passo a passo, olha em uma direção própria. Mas todos abraçam a cidade.

Peço a Cecília Meireles para finalizar esta coluna:

Eu canto porque o instante existe

E a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.

(1939)

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Cinco minutos: uma riqueza imperceptível

terça-feira, 15 de abril de 2025

Nossa capacidade de apreender a realidade é complexa e abrange os processos de captação dos estímulos através dos sentidos e dos processos mentais que englobam o domínio cognitivo e são sujeitos às influências dos valores, crenças e aspirações. Por que estou me referindo aos modos com que a pessoa capta a realidade para abordar a riqueza contida em cinco minutos? Cinco minutos — um brevíssimo tempo que pode mudar os rumos da vida, conter impressões significativas e revelações. Além de proporcionar sensações inéditas, inesquecíveis.

Nossa capacidade de apreender a realidade é complexa e abrange os processos de captação dos estímulos através dos sentidos e dos processos mentais que englobam o domínio cognitivo e são sujeitos às influências dos valores, crenças e aspirações. Por que estou me referindo aos modos com que a pessoa capta a realidade para abordar a riqueza contida em cinco minutos? Cinco minutos — um brevíssimo tempo que pode mudar os rumos da vida, conter impressões significativas e revelações. Além de proporcionar sensações inéditas, inesquecíveis.

Em cinco minutos há nascimentos e mortes, gritos de independência e suspiros carregados de impossibilidades, reverências e despedidas. Tantas situações podem ser reveladas e descobertas! Cinco minutos podem conter todas as gotas de um oceano para quem vai além da superficialidade, da virtualidade e do imediatismo.

Acredito que se delimitarmos o tempo em cinco minutos será possível descobrir o que está implícito em cada circunstância. O explícito tem evidência relevante, contudo é no implícito que residem os fatos inconscientes e os sintomas de afetos guardados, interesses velados e características subliminares. O implícito pulsa e tem força maior do que o que é evidente. Porém ao ser revelado torna-se mais cristalino e entendível, capaz de dar novos sentidos às circunstâncias, mudando as evidências.

Por que os cinco minutos tanto me tocaram a ponto de me fazer escrever este breve ensaio? Dostoiévski. O grande escritor, filósofo e jornalista russo, que viveu no século XIX, foi condenado à morte e, instantes antes de sua execução, teve sua pena de morte cancelada. O que lhe permitiu a experiência de apreender a grandiosidade desses instantes. Somente quem viveu cinco minutos anteriores à privação da vida sabe do seu significado, tempo em que a experiência do viver pode superar todo o pensamento, os conceitos teóricos, as doutrinas religiosas e políticas. São momentos em que a essência cresce e toma conta do corpo por inteiro, unindo-o à alma em elos absolutos.

Os cinco minutos são rigorosos para que a pessoa possa vivenciar com profundidade o olhar, a força do abraço, o gosto do alimento, a cor do céu. Respirar. Sentir-se vivo.

A vida segue dia após dia, e os cinco minutos vão passando, ficam perdidos, esquecidos e nunca apreendidos. Transformam-se em pedaços de papel picados que voam no tempo, no rumo dos ventos e caem no chão, varridos como coisa qualquer.

Desde que li a profunda narrativa de Dostoiévski em “O idiota”, tenho me posto a viver cada minuto com os olhos abertos para ver o que me acontece nos pequenos instantes do dia, quem está ao meu lado, o que faço, como estou reagindo aos fatos. Com a crítica aflorada para observar a forma como o celular e o mundo virtual se enroscam e se entranham em mim. Noutro dia, cheguei na quitanda, onde costumo comprar coisas do dia a dia, e a vendedora exclamou: “Estava sentindo a sua falta!”. Quantas vezes parei para perceber o que significo para os outros e qual o significado que as pessoas pouco próximas têm para mim?  Será que eu as vejo?

Estamos no centro de uma realidade de 360°, mas só vemos na direção do nosso olhar. Nossas percepções têm restrições. E aí está o grande salto: aprender a perceber e a sentir com profundidade o que está em nossas mãos, a cheirar o que pegamos e a segurar contra peito o que temos nas mãos. A compreender a complexidade da vida e saber superar dificuldades com criatividade e inteligência. 

Faço questão de trazer à coluna o pensamento de Saint-Exupéry: “Era uma pessoa igual a cem mil outras pessoas. Mas eu fiz dela um amigo, agora ela é única no mundo”. Apenas para dizer que a plenitude dos cinco minutos exige presença.

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A Voz da Serra — 80 anos

terça-feira, 08 de abril de 2025

No seu aniversário de oitenta anos vale a pena convidá-lo para uma prosa, apenas para falar da sua vida em um lugar tão especial para nós que vivemos aqui, entre árvores, montanhas e rios. Em uma região abençoada pela beleza, pelo povo simples e guerreiro, que constrói sua vida dia a dia; cada cidadão a seu modo. E, desde que você nasceu foi se espalhando pelas ruas da cidade, flanando como borboleta pelo quotidiano, escrevendo matérias sobre os acontecimentos. Expondo a competência de ser imprensa.

No seu aniversário de oitenta anos vale a pena convidá-lo para uma prosa, apenas para falar da sua vida em um lugar tão especial para nós que vivemos aqui, entre árvores, montanhas e rios. Em uma região abençoada pela beleza, pelo povo simples e guerreiro, que constrói sua vida dia a dia; cada cidadão a seu modo. E, desde que você nasceu foi se espalhando pelas ruas da cidade, flanando como borboleta pelo quotidiano, escrevendo matérias sobre os acontecimentos. Expondo a competência de ser imprensa.

Você é um periódico que faz parte da ciranda de Friburgo. É incansável. Todos os dias, faz a notícia brotar como se fosse uma fonte de narrativas, informações e alertas. Assim sendo, a coletividade, composta de pessoas de todas as idades, já se acostumou em abrir suas páginas para saber das atualidades, refletir e comentar os acontecimentos. Também se emocionar. Tê-lo nas mãos é um hábito que está enroscado nos leitores de vários grupos sociais e culturais. O mundo está aqui através dos povos que participaram da história da região, fazendo com que suas palavras sejam interpretadas de diferentes maneiras.

Seus jornalistas, com motivação, acompanharam os desfiles que aconteceram ano após ano. Ao longo dos 80 anos, nunca deixaram de vibrar com o entusiasmo da população com a sua cultura e arte. Sempre participaram das feiras, divulgando seus produtos culinários e artesanais. Da mesma forma as peças teatrais e outros eventos, como palestras, cursos e exposições. Com orgulho falaram das pessoas que realizam feitos importantes para a vida dos friburguenses. Também criticaram e transpuseram para o texto seus sentimentos. Além de noticiarem nascimentos, aniversários e mortes.

Você é um jornal que coloca o friburguense diante da realidade, deixando que as palavras transbordem a vida no ponto mais alto da Serra do mar e onde a Mata Atlântica ainda é preservada. Sua equipe exala dedicação e esforços para fazer o seu melhor. São anos de trabalho árduo. Em sua voz não há silêncios; há inspiração.

Merecidamente, hoje é um dia a ser brindado. Aplaudido, inclusive, pela literatura posto que o jornalismo é um estilo literário de respeito, especialmente por suas colunas que recorrem às crônicas e aos curtos ensaios para serem elaborados.

Tenho orgulho de fazer parte de sua vida e comemorar seus oitenta anos!

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O ponto final

terça-feira, 01 de abril de 2025

Acredito que as pessoas já se depararam com os desafios de terminar algo, colocar um ponto final ou mesmo, como se diz por aí, virar a página. O que começa termina e, se assim não for, o acontecer perde seus sentidos. Se toda praça termina numa rua, como os mares acolhem as águas dos rios, o que finda abre um leque de possibilidades; o fim não extingue as energias. Como dizia Lavoisier, na natureza tudo se transforma, e o que resta tem energia suficiente para fazer novo começo acontecer, uma força capaz de nos permitir dar uma volta no rumo da vida e não nos deixar à deriva da história.

Acredito que as pessoas já se depararam com os desafios de terminar algo, colocar um ponto final ou mesmo, como se diz por aí, virar a página. O que começa termina e, se assim não for, o acontecer perde seus sentidos. Se toda praça termina numa rua, como os mares acolhem as águas dos rios, o que finda abre um leque de possibilidades; o fim não extingue as energias. Como dizia Lavoisier, na natureza tudo se transforma, e o que resta tem energia suficiente para fazer novo começo acontecer, uma força capaz de nos permitir dar uma volta no rumo da vida e não nos deixar à deriva da história.

Ao pensar na literatura, também estou me referindo à vida, a arte que espelha o existir. Todo o começo se direciona ao findar, já que não há infinitudes na vida do Planeta Terra. Mesmo quando construímos uma ideia e não conseguimos visualizar seus desdobramentos finais, temos a certeza de que será preciso criar caminhos que os levarão até lá. A beleza da literatura está na inteligência que o autor tem para criar, ou seja, decidir sobre os fatos que vão compor o enredo, sempre fatídico a findar.

Agora mesmo estou percebendo que o mais significativo a este tema são os caminhos desbravados a cada etapa do texto, sendo o fim não mais do que mera consequência. São os detalhes das cenas que vão dar grandeza ao final composto de muitos pormenores, como em tudo na vida.

Não há regras para se construir um final, bem como não pode ser estigmatizado como bom ou ruim. Penso que deva ser avaliado não de modo fantasioso, mas com realismo a partir das relações de causas e consequências estabelecidas ao longo do texto. A imaginação do escritor tem que visualizar a verossimilhança que não pode fugir da coerência das probabilidades.

O fim tem harmonia com os fatos da história. A diferença entre quem escreve uma história e quem vive a vida está no controle dos acontecimentos. Não é fácil escrever uma história, mais difícil ainda é experimentar a vida, a mais interessante e repleta de aventuras de todas as histórias de ficção. Eu li a obra da Ana Cláudia Quintana Arantes, médica referência em Cuidados Paliativos no Brasil, “A morte é um dia que vale a pena viver”, em que aborda a finitude, observada ao acompanhar os pacientes terminais. Segundo a Dra. Ana Claudia, os momentos finais da vida são decorrentes do modo como eles a viveram e tomaram suas decisões, como amaram e estabeleceram relações com seus familiares e amigos, cuidaram de si e do ambiente em que viveram, quais esforços fizeram para realizar seus propósitos, bem como o que aprenderam e de que forma seus conhecimentos na vida.

Os anos que vivemos e as páginas que escrevemos nos amadurecem e nos melhoram por estarem repletos de finais e novos começos. Segundo Nietzsche, a vida é um constante devir. Deve ser vivida em sua plenitude.

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