Sobre roupas e nudez

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

terça-feira, 10 de outubro de 2023

Longe vai o tempo em que as mulheres procuravam camuflar seus encantos

Vocês devem ter visto o espetáculo que deram os rapazes de uma faculdade de São Paulo, durante uma partida de vôlei feminino. Tranquilos como se não existisse pecado do lado de baixo do Equador. E fosse pecado o que estavam fazendo, contavam não merecer castigo, e se houvesse castigo, certamente ele seria tão brando que mais pareceria premiação. Assim pensavam porque, sendo essa a lei entre os grandes da República, e mesmo entre os mais ou menos grandes e os que habilmente se fazem passar por grandes, seria injusto se ela não se aplicasse também a eles, simples estudantes.

O fato é que eles, alunos de medicina, trajando da cintura para baixo apenas inocência e boas intenções, invadiram a quadra, no estado em que a natureza os pôs no mundo. Ainda bem que a televisão inventou aquela faixa preta que sombreia o que não é para ser mostrado. Graças a esse artifício, os expectadores foram poupados da visão das coisas que se sacudiam e balançavam diante das atletas, da plateia e das câmeras. Talvez os rapazes se achassem clones perfeitos do David de Michelangelo, o que lhes daria o direito de exibir suas belezas, mesmo que ninguém estivesse interessado em vê-las (bem, não se pode descartar a possibilidade de que alguém estivesse).

Fizeram a narcisística volta olímpica em abril e só cinco meses depois, quando o vídeo viralizou, autoridades políticas, educacionais e policiais resolveram pensar no assunto. Talvez fiquem pensando até o fim dos tempos, quando com certeza a nudez voltará a ser natural e inocente, como era nos idos de Adão e Eva. Mas, uma vez que estamos, no tempo e no merecimento, muito distantes do Paraíso, a nudez dos rapazes talvez receba alguma punição. Contudo, por si mesma, por mais severa que ela seja, não será capaz de fazer deles profissionais éticos, bons cidadãos, chefes de família exemplares. Nem mesmo acabará com a estupidez dos tais trotes estudantis, que até mortes já causaram. Se a punição vier, ela nada resolverá enquanto não for recuperado o real sentido da palavra respeito e da palavra pudor, esta tão fora de moda e de uso que atualmente só pode ser encontrada no fundo dos dicionários.

Com exceção talvez dos calouros, que a isso podem ter sido obrigados, os demais futuros doutores fizeram o que queriam e não ficaram se justificando depois. Como diria Jânio Quadros “Fiz porque o quis” (“Fi-lo porque qui-lo” é piada antiga, nem mesmo o excêntrico Jânio diria uma besteira dessas). Entraram em quadra exibindo seus talentos, alguns maiores, outros menores, mas todos orgulhosamente erguidos (em sentido figurado, creio eu) diante do público. Diferente é o que acontece com certas mulheres famosas que, sem querer, por distração e mesmo com grande constrangimento, não conseguem evitar que os seios pulem para fora do vestido (decotadíssimo!), ou que a saia (compridíssima!) se abra sem nenhum aviso prévio, geralmente diante dos fãs e dos fotógrafos. Aliás, quanto mais fãs, câmeras e fotógrafos presentes, mais as roupas teimam em mostrar o que lhes cabia encobrir. São senhoras recatadas, mas clientes de costureiros que, embora cobrem muito caro pelas peças exclusivas que fazem, não têm o cuidado de as costurar devidamente. Vai ver, é só para economizar linha.

Sim, longe vai o tempo em que as mulheres procuravam camuflar seus encantos, não a ponto de escondê-los de todo, mas também sem os ficar exibindo a céu aberto. Lembro-me de certa moça que tomou um tombo de bicicleta e, estando de saia, e tendo esta impudicamente se levantado acima dos joelhos... Imagine a cena! Pois se você acha que ela foi consolar o joelho arranhado ou socorrer o dedo quebrado, enganou-se. Sua primeira, imediata e total preocupação foi abaixar a saia, antes que algum cavalheiro a viesse levantar e visse o que ela não queria mostrar. Mas isso foi muito nos antigamente, no tempo em que se amarrava cachorro com linguiça, tempo em que as roupas femininas ainda não tinham adquirido esse mau costume de se romper nas horas mais impróprias e diante das multidões.

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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