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Os alquimistas

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Muitos homens seriam capazes de matar por um punhado de terra

Muitos homens seriam capazes de matar por um punhado de terra

Um informante que eu tenho nos altos escalões da União Europeia me segredou (verdade que a imprensa já havia noticiado fartamente) que cientistas locais conseguiram transformar chumbo em ouro. Não, não é piada. Não vou explicar, porque não entendo, nem você, embora muito mais inteligente do que eu, vai entender. Mas, em linhas gerais, foi o seguinte: um aparelhinho chamado acelerador de partículas fez trombarem dois pedaços de chumbo numa tal velocidade que mais parecia Bruno Henrique disparando pela lateral em jogo do Flamengo (o jogo é sempre do Flamengo, o outro time é complemento, embora às vezes o complemento vença). Pois bem, o choque foi tamanho que três partículas de chumbo pularam fora e aí, milagre dos milagres da ciência, um metal até modesto se transformou no mais valioso dos metais.

Infelizmente, o ouro produzido em laboratório durou literalmente menos do que um piscar de olhos e se desfez. É crer sem ver, mesmo porque não deu tempo de ver. Portanto, não foi possível guardarem prova da experiência, ainda que a tenham repetido várias vezes com sucesso. Uma pena, quem sabe era um jeito de o mundo produzir comida até para as crianças famintas dos países pobres ou em guerra. Se bem que, se a Terra fosse feita de ouro, muitos homens seriam capazes de matar por um punhado de terra. E, de qualquer forma, sempre haveria aqueles que encheriam a sacola, enquanto outros no máximo poderiam ser carregadores de sacolas. Apesar do ouro natimorto, os cientistas consideram o resultado um êxito total, que abre portas para grandes avanços da humanidade. Veremos (se ainda ficarmos neste planeta por um bom tempo).

Fazer pedra no meio do caminho virar metal precioso era o sonho dos antigos alquimistas. Também ambicionavam descobrir a cura de todas as doenças, inaugurando assim a vida eterna, antes que Deus resolvesse concedê-la. Jorge Ben Jor canta que “os alquimistas estão chegando”, e que “eles são discretos e silenciosos”. Mesmo assim, não chegaram nem perto do que os cientistas europeus conseguiram. Quem de certa forma se deu bem nessa empreitada foi Paulo Coelho que, com o livro “O Alquimista”, encheu a conta bancária, apesar dos críticos literários, e talvez com a ajuda involuntária deles.

Pra falar a verdade, não me impressionei muito com nada disso. Há muitos anos venho transformando em meio de vida os meus modestos vencimentos mensais, que melhor se chamariam derrotas mensais. Não sobra dinheiro no fim das contas, mas pelo menos tenho evitado que sobre contas no fim do dinheiro. Os verdadeiros alquimistas talvez sejam os trabalhadores, que conseguem viver do que ganham com o suor do próprio rosto, num mundo onde tantos vivem graças ao suor do rosto alheio. Ou talvez, ao contrário, os verdadeiros alquimistas sejam os que vivem entre iates e boates, palacetes e banquetes, enriquecendo enquanto dormem, dormindo enquanto enriquecem, sonhando indiferentes ao pesadelo que é a vida de muitos dos seus (des)semelhantes.

*****

Microconto: PREJUÍZO

Para fazer o curso, hospedou-se em hotel. Sem dinheiro, ficou 10 dias a pão e água. Saiu magro e abatido e sem saber o significado de “all inclusive”.

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Não quebre a corrente

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Edwiges é também protetora dos endividados, e pode ser essa a razão de me encaminharem esses papeizinhos

Edwiges é também protetora dos endividados, e pode ser essa a razão de me encaminharem esses papeizinhos

Certa senhora (nunca menciono as senhoras incertas), atualmente meio gorduchinha, teve a gentileza de me ofertar uma simpatia para perder peso. Um tanto descrente dessas fórmulas miraculosas, ainda não coloquei em prática os sábios conselhos ali contidos. Na verdade, tenho medo de ganhar peso e perder simpatia, e esta já é bem pouca. Se bem que, na velha casa dos meus avós, um galho de árvore benzido foi, durante toda a minha infância, uma infalível simpatia contra raios e tempestades. O mundo podia desabar lá fora que nada nos assustava, protegidos que estávamos, senão pelo galho de árvore atrás da porta, ao menos pela fé que tínhamos nele.

Por isso reconheço e louvo a boa intenção dessas pessoas que querem nos salvar a aparência, a saúde e, coisa ainda mais difícil, a alma. Frequentemente encontro na minha caixa de correspondência uma folha manuscrita contendo a “Verdadeira Oração de Santa Edwiges”. Meus amigos, santa poderosa está aí, capaz de fazer milagres que até a Deus custariam algum esforço. Por exemplo, diz a autora (suponho que seja mulher) que, se eu distribuir treze cópias da oração, receberei uma grande herança. Rememoro toda a minha árvore genealógica e concluo que ela não passa de um galho seco. Entre meus parentes laterais, colaterais, ascendentes e descendentes, só encontro gente de bolso vazio. Mas Edwiges é também protetora dos endividados, e pode ser essa a razão de me encaminharem esses papeizinhos.

Mas a carta cita vários exemplos para provar que não está falando sem base. O fazendeiro John Mills, do Ohio, ouviu os bons conselhos e herdou cento e trinta mil dólares de uma tia irlandesa que, ao morrer, teve a feliz ideia de dividir a fortuna entre o gato de estimação e o sobrinho desconhecido. Shiri Panka, do Paquistão, embora sendo budista e não acreditando em Santa Edu, ou em qualquer outra santa católica, resolveu não arriscar, copiou a carta treze vezes com pena de ganso, mandou as cópias para a família da esposa e no dia seguinte encontrou uma dúzia de elefantes em seu quintal. Aproveitou a sorte e abriu uma empresa de transporte. Já o Sr. Adhemar Tírio, do interior da Bahia, recebeu a corrente e jogou-a fora. Resultado: uma semana depois, a sogra mudou-se para a casa do infeliz, acompanhada de um papagaio desaforado. Arrependido, Adhemar Tírio reatou a corrente e, coincidência ou não, a velha morreu na semana seguinte, tendo o papagaio, logo depois, virado galeto.

Realmente, não vale a pena ser cético. Respeitemos, ainda que sem cumprir, simpatias, correntes e tudo o mais com que pessoas de boa fé e boa vontade queiram melhorar nossa vida. Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa fã vilania, já disse alguém antes de mim (ou será que a frase não é bem assim?).

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Voo para o infinito

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Carros são varejistas da morte; aviões, atacadistas

Carros são varejistas da morte; aviões, atacadistas

Com certeza vocês tomaram conhecimento do desastre aéreo que matou duzentas e noventa pessoas na Índia. Isso é muito triste, nem dá para imaginar o sofrimento de quem perdeu, de forma tão inesperada, alguém a quem amava. Às vezes, no mesmo acidente, mais de uma pessoa amada. Embarcaram para Londres e voaram para o infinito. Ou foram atingidos em terra mesmo: a morte pousou sobre eles quando estavam com os pés solidamente plantados no chão. Muito triste, mas não surpreendente. Os aviões são muito seguros, morre mais gente nas estradas do que nos ares, o lugar onde mais se morre é na cama, etc., etc., etc. O problema é que o avião, quando cai, não costuma deixar ninguém para contar como foi. Carros são varejistas da morte; aviões, atacadistas.

O espantoso é que havia duzentas e quarenta e duas pessoas a bordo. Ou seja, uma escapou. Isso, sim, é extraordinário. Por que um foi poupado, que anjo abriu as asas sobre Vishwakumar Ramesh no momento em que tudo em volta explodia e queimava? Milagres, mistérios, acasos que nunca chegaremos a compreender. Compreenderemos, talvez, quando tudo terminar também para nós, quando finalmente chegar aquela que Manuel Bandeira chamou de “a Indesejada das gentes”. Essa sempre vem, pois, como disse Dag Hammarskjöld, “Não procure a morte, ela o encontrará.”

Ninguém morre na véspera, ensina o ditado popular, com a sabedoria comum aos axiomas que saem da boca do povo. Um rapaz perdeu o fatídico voo indiano porque o trânsito o atrasou. “Maldito trânsito!”, deve ele ter praguejado antes. “Bendito trânsito!”, deve ele ter agradecido depois. Quantas vezes não ouvimos dizer “salvou-se por um triz”? Mesmo sem saber o que significa triz, entendemos que foi por muito pouco, foi um quase nada que desviou a bala, que parou o carro, que evitou o tombo fatal.

Na verdade, vivemos por um triz. Vai alguém caminhando pela calçada e, sem mais avisos, o coração diz “cansei!” e interrompe definitivamente a caminhada. Dormimos sem ter certeza de que acordaremos, acordamos sem saber se alcançaremos o fim do dia. Embarcamos e talvez não cheguemos aos braços de quem nos espera. E, como se a morte não ceifasse por conta própria, os homens inventam meios de ajudá-la, cultivando ódios, inventando guerras, semeando violência no dia a dia.

Mas vamos amenizar a conversa. Porque a vida, embora tão frágil, ainda “vale a pena se a alma não é pequena”. Além do mais, viver pensando na dolorosa realidade que nos cerca é ir morrendo aos poucos, e de que nos adianta isso? Se prestarmos bem atenção, veremos que por todo lado há coisas boas acontecendo. Somadas, elas certamente são maiores do que todas as más notícias que nos atingem. Não fechemos os olhos aos aviões que caem, mas não deixemos de olhar, com intensidade ainda maior, os lírios nos campos e as aves no céu. 

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A roseira

quarta-feira, 02 de julho de 2025

Aquilo que, desde o princípio dos tempos, estamos destinados a ser

Eu não sou propriamente um latifundiário, mas também sou dono de terra. Verdade que nem posso chamar aquilo de jardim, jardinzinho já é um exagero. Para você ter uma ideia, basta dizer que, se eu quisesse botar ali aqueles anões que enfeitam gramados, haveria lugar para no máximo dois, mais do que isso não ia caber. “Branca de Neve e os dois anões” seria um nome bem adequado para o local.

Aquilo que, desde o princípio dos tempos, estamos destinados a ser

Eu não sou propriamente um latifundiário, mas também sou dono de terra. Verdade que nem posso chamar aquilo de jardim, jardinzinho já é um exagero. Para você ter uma ideia, basta dizer que, se eu quisesse botar ali aqueles anões que enfeitam gramados, haveria lugar para no máximo dois, mais do que isso não ia caber. “Branca de Neve e os dois anões” seria um nome bem adequado para o local.

Pois bem, neste planeta tão grande, aquele é o único pedaço de chão que me pertence, e nele existe uma roseira. Um espanto! Há mais de vinte anos que ela insiste em dar flor. Claro que, sendo uma senhora de idade já avançada, não tem mais o vigor dos tempos de juventude, quando obrigava os passantes a pararem para contemplá-la. No entanto, está viva e, quando menos se espera, os galhos pendem, e de suas extremidades teimosas rosas brancas se abrem para o mundo.  

Tenho tentado entender o segredo dessa roseira. Há nela algum mistério, algo mágico, insondável. Botânicos de todo o mundo deviam vir estudá-la. Plantar um pé em Marte e ver o que acontece. A muda me foi dada por um vizinho. Ele foi-se embora, demoliram a casa em que ele morava, o bairro inteiro mudou de cara e de moradores. Mas a roseira continua resistindo e, enquanto ela resistir, eu não desisto. Daqui não saio, daqui ninguém me tira, como diz um antigo sucesso de Carnaval. Bem sei que um dia vão me tirar daqui e bem sei para onde vão me levar, mas, enquanto Deus permitir, vou ficando. Eu e a roseira.

Ela me dá esse exemplo de saudável teimosia. Ainda que a cada dia as flores sejam menos numerosas (às vezes uma só: solitária, mas vitoriosa), e mais curvados os galhos, ela continua cumprindo sua missão de embelezar e perfumar o lugar em que a colocaram. Vai cedendo ao peso dos anos, mas com admirável dignidade, sem entregar os pontos, sem deixar de florir enquanto tiver forças. Alimenta-se de solo e de sol, de ar e de chuva. Vem o jardineiro de vez em quando, e sua tesoura impede que os galhos se espalhem desordenadamente. Mas as partes amputadas se renovam e voltam à vida.

Como é mesmo aquele poema de Olavo Bilac? “Envelhecer como as árvores fortes envelhecem, dando consolo e sombra aos que padecem”. É um bom conselho, sobretudo num mundo em que envelhecer parece um pecado, ao qual as pessoas resistem com a mesma intensidade com que cedem aos pecados verdadeiros. Sim, ninguém quer ou precisa ficar feio e acabado. Nada contra quem usa perfumes e pomadas, até mesmo o tal do lifting pode ter sua hora. E, não fosse a vaidade humana, de que viveriam os cirurgiões plásticos? Eu não faço nada disso porque lá em casa tem uma pessoa que me chama de lindo, e eu prefiro acreditar. Além do mais, acho que a roseira do meu liliputiano território, ensina uma bela lição: ser, da maneira mais natural, mais duradoura e mais perfeita possível, aquilo que, desde o princípio dos tempos, estamos destinados a ser.

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Fazendo cera

quarta-feira, 18 de junho de 2025

Sim, já fomos piores do que somos!

A Fifa decidiu que seja punido com um escanteio o time cujo goleiro retiver a bola por mais de oito segundos. A regra já existia, mas o tempo era menor e quase nunca aplicada. Enquanto o juiz botava a boca no trombone, ou melhor, o apito na boca, o goleiro já tinha se livrado da bola e ficava impune. Pode ser que agora essa prática antijogo seja eliminada ou ao menos reduzida. Em oito segundos até quem não entende de futebol é capaz de tomar a decisão de apontar para uma das quatro esquinas do gramado.

Sim, já fomos piores do que somos!

A Fifa decidiu que seja punido com um escanteio o time cujo goleiro retiver a bola por mais de oito segundos. A regra já existia, mas o tempo era menor e quase nunca aplicada. Enquanto o juiz botava a boca no trombone, ou melhor, o apito na boca, o goleiro já tinha se livrado da bola e ficava impune. Pode ser que agora essa prática antijogo seja eliminada ou ao menos reduzida. Em oito segundos até quem não entende de futebol é capaz de tomar a decisão de apontar para uma das quatro esquinas do gramado.

Mas o que me chamou a atenção nem foi essa oportuna providência da Fifa. Foi a expressão usada por quem redigiu a notícia: “fazer cera”. Eu pensava que ninguém mais no mundo falasse e menos ainda que escrevesse coisa tão antiga. Acho que no velho Egito, quando um escravo custava a levantar uma pedra da pirâmide, lá vinha o soldado dando chibatadas e gritando: Para de fazer cera! Ou seja, é dos tempos em que nem existia futebol. Se bem que bater bola chutando o crânio dos inimigos mortos em batalha é coisa do tempo dos faraós. Até porque na época a criançada não tinha muitos brinquedos e uma cabeça humana era perfeita para uma pelada, mesmo que ainda estivesse cabeluda. Sim, já fomos piores do que somos!

“Fazer cera” me fez lembrar palavras que antigamente tinham lugar de destaque na fala das pessoas e que caíram no esquecimento, mudaram de sentido ou que ainda são usadas quando um coroa de cabelo branco (ou pintado) abre a boca. Por exemplo, de uma pessoa atraente se dizia que era boa pinta, o tipo que onde chegasse botava pra quebrar. Um broto era uma garota bonita, se tivesse borogodó, aí mesmo é que ninguém resistia. Não sei como atualmente se elogia uma jovem bonita, há muito ando afastado desses galanteios. A verdade é que estou boiando nesse assunto. Ou, dizendo de outra forma: não saco patavinas dessas coisas do arco da velha. Bulhufas!

Enfim, tudo muda. As palavras, então, não se pode confiar nelas! Mal a gente se acostuma com o significado de uma e esse significado já significa outra coisa. Tomemos a palavra “manco”, que no uso geral significa coxo, ou seja, aquele que, como ensinam os dicionários, “caminha apoiando-se mais em uma das pernas”. Pois Cervantes, o grande gênio da literatura universal, era conhecido como “O Manco de Lepanto”, por ter perdido, durante uma batalha naval, uma das... pernas? Não! Uma das mãos. Aliás, só de olhar já dá para desconfiar que “manco” vem de “mão”. De como essa palavra caiu das mãos para os pés, eis aí uma tarefa para os etimologistas.

Outro dia encontrei um conhecido que há muito não via, e a primeira coisa que ele me disse foi “mas você não mudou nada!” A princípio, pensei que ele estava me confundindo com outra pessoa, naturalmente mais jovem. Depois pensei que estivesse sendo irônico, como se quisesse dizer: “Caramba, você está um caco!” Mas seu sorriso cordial me convenceu de que era apenas uma gentileza. Mas nem esse tipo de gentileza é totalmente isento de perigo. Imagine a reação de uma senhora que tenha feito plástica e ouça “você não mudou nada”, quando na verdade esperava ouvir: “A cada dia você está mais jovem e mais bonita!” Bem, aí o jeito é começar a fazer cera!

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A batalha dos lençóis

quarta-feira, 04 de junho de 2025

Ou então perguntar aos sul-coreanos se não querem comprar brasileiros e brasileiras

Ou então perguntar aos sul-coreanos se não querem comprar brasileiros e brasileiras

A notícia é grave: a Coreia do Sul, um dos países mais ricos do mundo, pode acabar. Isso mesmo: deixar de existir, sumir do mapa. E a razão não é nenhuma guerra, epidemia, tsunami ou coisa do gênero. Você dirá que isso não passa de notícia falsa (mais conhecida como fake News), ou encheção de linguiça de cronista sem assunto. Mas se impérios acabam, por que não um país, e ainda mais um país cujo território não é nenhuma Amazônia? Se o Brasil fosse um dedo, a Coreia do Sul seria um pedacinho de cutícula.

Se lembra do Império Romano, ou estava tiktokando no celular durante essa aula de História? Eu até já estudei isso, mas foi no tempo do quadro negro e do puxão de orelha, e não guardei grandes coisas. “Varreu-se-me da memória”, como dizia o personagem de uma antiga novela de televisão. Vagamente me lembro de que as botas dos soldados romanos marcharam sobre meio mundo, durante quase cinco séculos. Até com Jesus eles acharam de implicar. Pior do que as botas eram as lanças e as espadas, que costumavam cutucar quem não fosse patrício e estivesse pela frente. E, no fim das contas, o grande império partiu-se em tantos pedaços que sobrou um pedacinho até pra nós, brasileiros.

        Voltemos ao país asiático, que anda (ou melhor, não anda) aí pela casa dos 50 milhões de habitantes. O problema é que lá a cada ano só nasce 0,72 criança por casal. O ideal para que uma população não entre em decréscimo é de dois filhos, para compensar os que vão para a outra vida (contra a vontade, mas vão). Quer dizer, são necessários pelo menos dois casais bem dispostos para produzir um bebê sul-coreano. De tal modo os homens e mulheres de lá andam desanimados em colaborar para a sobrevivência do seu povo que o governo se vê na obrigação de se meter na cama alheia. Programas de incentivo a encontros amorosos, mensagens animadoras, incentivos fiscais. O governo tem feito o que pode. O resto depende de os cidadãos e cidadãs se decidirem a entrar nessa guerra de salvação nacional, ir com coragem para a batalha dos lençóis. E, vamos falar a verdade, nem é tanto sacrifício.  

Coisa semelhante aconteceu na Alemanha. E ficou tão grave que um ministro foi à televisão conclamar o pessoal a que se animasse a ter mais filhos. E concluiu sua fala com essa sábia recomendação: “E agora, desliguem a televisão e vão para o quarto cumprir seu dever patriótico”. Acho que o Brasil não está precisando de conselhos desse tipo. Talvez seja até o caso de recomendar o contrário: “Calma pessoal!” E desde já sugiro o slogan para a campanha: “Por amor ao país, amem um pouco menos”. Ou então perguntar aos sul-coreanos se não querem comprar brasileiros e brasileiras. Negócio de ocasião! Como bem sabem os economistas, quando há excesso de oferta, o preço cai. E nós estamos com gente sobrando, principalmente depois que Trump mandou de volta para casa os que ele achou que eram demais nos Estados Unidos.

O perigo é acontecer o oposto. Quer dizer, a chegada dos brasileiros provocar uma explosão demográfica e que dentro de poucos anos haja tanto sul-coreano com cara de sul-americano que não caibam nos 100.000 km2 daquele país. É, pensando bem, é melhor deixar que eles resolvam seus problemas sem nossa valiosa ajuda. Não vamos nos meter nos lençóis alheios.

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As estátuas decepadas

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Eu gostaria que os eventuais leitores da crônica de hoje tivessem lido a do dia sete deste mês, na qual explico por que estou republicando texto tão antigo, tão estranho ao que atualmente escrevo e sobre um assunto que os friburguenses mais idosos já esqueceram e que os mais jovens nem sequer chegaram a conhecer.

As estátuas decepadas

Eu gostaria que os eventuais leitores da crônica de hoje tivessem lido a do dia sete deste mês, na qual explico por que estou republicando texto tão antigo, tão estranho ao que atualmente escrevo e sobre um assunto que os friburguenses mais idosos já esqueceram e que os mais jovens nem sequer chegaram a conhecer.

As estátuas decepadas

Alguém um pouco mais louco do que nós, mortais comuns, investiu contra as figuras de mármore que, na praça, simbolizavam as quatro estações do ano, e feriu-as de morte. Elas eram o que de mais belo havia nos apagados jardins de gramas secas e flores descoradas. Mas, principalmente, eram elas que nos lembravam a todo instante que tudo muda, que as flores morrem porque o sol as abrasa no seu desvairado desejo de brilhar, que os frutos caem porque chega o frio.

Tudo passa. O dia vai depressa e não damos conta de nossos múltiplos e multiplicados compromissos; a semana some e não podemos encontrar o amigo, nem podemos nos encontrar (ai de nós, tão perdidos de nós mesmos!); o mês voa e não temos tempo de deixar a amada descobrir o quanto é amada, nem acariciar os cabelos das crianças. A primavera acaba, acaba o verão, o outono acaba, acaba o inverno e não descobrimos a felicidade, não isolamos a alma do frio, não aquecemos o coração inquieto, não contemplamos as flores que ainda conseguiram brotar, nem provamos o fruto que mais desejávamos. Tudo passa muito depressa. A vida passa muito depressa.

As figuras imóveis no jardim olhavam-nos com pétrea complacência: os velhos aposentados que liam o jornal e carregavam pesadas horas de enfado; as crianças que corriam e gritavam ao irem para a escola; os namorados que passavam de mãos dadas e furtivamente se beijavam sob o olhar mudo das quatro estações. Então alguém, cegado pela noite interior do seu mundo insondável, apanhou-as indefesas dentro da madrugada e decepou-as com a força de sua loucura e a violência de suas mãos.

E nós, que não sentíamos a beleza das estátuas, descobrimos na manhã seguinte que nossa cidade estava menos habitável, que nossa vida estava mais vazia, que nós estávamos mais pobres. As estátuas eram nossas e, nelas, a beleza foi ferida. E cada vez que a beleza do mundo diminui, cada um de nós fica mais feio e mutilado. Com seus pés corroídos, seus dedos quebrados, seus ventres marcados, seus seios incompletos, ostentavam o encanto das coisas sofridas, que só as coisas sofridas atingem a plenitude de sua graça e de seu encantamento. Nosso pobre Dom Quixote às avessas lançou-se contra elas, talvez porque elas, ao contrário dos moinhos de vento, não acenassem para outra visão do mundo e não o olhassem senão com indiferença, cansadas de contemplar tantas formas de loucura no desfile diário pela praça.

E o mais triste é que estamos nos acostumando às imagens decapitadas, e o vazio de suas cabeças passa a integrar-se à paisagem. É como se elas sempre se encolhessem ou despissem, oferecessem flores e frutos, assim mesmo, como nós mesmos muitas vezes o fazemos na vida, sem olhos para ver a quem, sem boca para dizer por que, sem cabeça para entender o mundo. Nós também decapitados, quase sempre sem o sentirmos e mais infelizes ainda quando temos consciência disso.

Restaurarão as estátuas? Ó, vós, governantes do dinheiro (do povo) que compra o mármore, que move a mão do escultor, que ressuscita as estátuas mortas, restaurai as estações do ano! Nada perdeis e fazeis um grande bem a todos que sabiam amar as frias presenças, que achavam nas velhas figuras a graça sempre renovada e o calor sempre repetido das coisas que fazem parte de nós sem que o saibamos.

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Crônicas antigas

quarta-feira, 07 de maio de 2025

Não duvido que, depois que a tiver lido, alguém comente: “Não melhorou nada até hoje”

Não duvido que, depois que a tiver lido, alguém comente: “Não melhorou nada até hoje”

Alguém me perguntou qual foi a minha primeira crônica publicada, a porta de entrada para as mais de 900 que já tive a ousadia de estampar em jornal, desde aquele longínquo 15 de outubro de 1977. Até me lembrei dela, mas logo me veio a ideia de que não fui eu que a publiquei, o autor era outro. Não que eu a tenha roubado; falando sinceramente, não sou dado a roubar coisa nenhuma. Podem investigar. Acontece que eu era outro, mais jovem, mais analfabeto e menos experiente dos tropeços e avanços que todos nós vamos dando, vida afora. E tanto eu não era o eu que está escrevendo agora, nesta manhã de abril, fria e chuvosa, que hoje eu não publicaria nada daquela época (mas vou publicar, como se verá mais adiante).

De repente, alguém da casa vem me informar que o Papa Francisco morreu durante a madrugada. Os dedos ficam imóveis sobre o teclado, porque a notícia é triste. Depois do grande intelectual e teólogo que foi Joseph Ratzinger, Deus (para os católicos), ou o acaso (para os múltiplos não católicos) mandou Jorge Mario Bergoglio, um homem simples, com cara de vizinho antigo, ou de dono da quitanda do bairro. Já está no céu, onde continua torcendo pelo San Lourenço e dizendo que Pelé era melhor do que Maradona. Talvez não diga em voz alta, porque pode ser que no céu exista outro argentino.

Também é Dia de Tiradentes, “aquele herói enlouquecido de esperança”, na definição de Tancredo Neves.  Talvez tenha muito de mito, mais Joaquim José e menos Tiradentes. No entanto, é um mito do bem, tão diferente dos que atualmente vemos por aí. Sabe-se o quanto ele se sacrificou pelo que acreditava e do que se sabe conclui-se que, como diz o samba do Império Serrano, “Foi traído e não traiu jamais / A inconfidência de Minas Gerais”.

E a primeira crônica? Não, essa não. Destoa muito do que escrevo atualmente. Talvez a terceira, que saiu no Correio Friburguense em 5/11/77, seja um pouco menos ruim. Além disso, essa foi a primeira que escrevi especificamente para o jornal. Não duvido que, depois que a tiver lido, alguém comente: “Não melhorou nada até hoje”. Não vou levar a mal. E, para que isso não me desanime de continuar escrevendo, atribuirei comentário tão negativo a esta fria e chuvosa manhã de abril, pois ela há de ter deixado o leitor aborrecido com a vida e com toda a raça de cronistas.

Quanto à crônica... bem, vai ter que ficar para a próxima quinzena. Gastei o espaço que tinha só na introdução (isso é que é ser conciso!). Vou deixar os leitores e as leitoras roendo unha de tanta ansiedade! Mas, como não confio na memória de vocês, recomendo que anotem a data num papelzinho: 21.05.25.  Aqui estarei, esperando, e ficarei muito decepcionado se vocês não aparecerem.

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Algumas notícias

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Uma senhora famosa vai se casar ─ pela sétima ou oitava vez, se não me engano. Isso no papel, sem contar as tentativas que não chegaram ao cartório. Marido ela tem encontrado com facilidade, difícil é a escolha do vestido de noiva. Nenhum dos modelos apresentados desta vez obteve a sua aprovação, e o estilista que a atende nessas circunstâncias não está conseguindo criar uma obra de arte à altura do acontecimento, posto que o tal acontecimento tem se repetido com demasiada frequência.  

Uma senhora famosa vai se casar ─ pela sétima ou oitava vez, se não me engano. Isso no papel, sem contar as tentativas que não chegaram ao cartório. Marido ela tem encontrado com facilidade, difícil é a escolha do vestido de noiva. Nenhum dos modelos apresentados desta vez obteve a sua aprovação, e o estilista que a atende nessas circunstâncias não está conseguindo criar uma obra de arte à altura do acontecimento, posto que o tal acontecimento tem se repetido com demasiada frequência.  

Creio que, não sendo possível trocar de estilista, a melhor solução seria trocar de marido. Com duas vantagens: enquanto o costureiro (sem querer ofender) estiver botando cabeça, agulhas e tesouras para funcionar, ela estará disponível para iniciar um novo romance e conquistar outro coração, com o qual poderá brilhar mais uma vez (mas não a última) vestida de branco, cor da pureza. Quanto ao noivo descartado... bem, ele que vá procurar um par de chinelo velho para seu pé cansado.

Uma empresa está criando modelos gêmeos para desfiles e campanhas publicitárias. Já explico: ao invés da mesma bela mulher exibir seus encantos em diferentes lugares, ou posar para várias fotos, ela será substituída por cópias suas, criadas pela inteligência artificial. Gisele Bündchen, por exemplo, embora tão linda, não possui o dom da ubiquidade, e só pode estar em um lugar de cada vez. Mais prático seria ter muitas Giseles Bündchens, presentes no mesmo instante no Rio de Janeiro, Nova York, Hanói e Copenhage e onde mais se queira vê-la, aplaudi-la e comprar o que ela anuncia e valoriza. Às vezes nem precisamos do que compramos, mas resistir à beleza feminina, ainda que clonada, quem há de?

Os modelos estão animados com a venda da imagem, o que os livrará de inúmeras viagens, de passarelas infindáveis, cansativas sessões de fotografia. Uma vez só e, quase sem sair de casa, continuarão encantando o mundo inteiro. Como nada é perfeito, fotógrafos e outros profissionais do ramo publicitário estão arrancando os cabelos de preocupação com a diminuição das oportunidades de trabalho. Que se há de fazer? Às vezes um perde e outro ganha, às vezes só um ganha e muitos perdem. Se assim é no mundo dos mortais, que dirá no mundo das estrelas. Que venham as múltiplas Giseles Bündchens!

Descoberta a identidade de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield. Talvez você nunca tenha ouvido falar nele, mas é o nome que consta de muitos documentos no Estado de São Paulo, onde esse senhor foi juiz por mais de 40 anos. Parece coisa de novela de espionagem, pois na realidade o Meritíssimo chama-se José Eduardo Franco dos Reis. Por quatro décadas, ele manteve diluída sua verdadeira identidade, julgando haver mais nobreza em ser inglês do que brasileiro, em ser filho de Richard Lancelot Canterbury Caterham Wickfield e Anna Marie Dubois Vincent Wickfield, como consta de seus documentos, do que de seu José e de dona Vitalina, seus verdadeiros pais.

No mundo paralelo de Edward Albert/José Eduardo, todos os seus antepassados viveram em palácios na Inglaterra, e não em casas modestas, na cidade paulista de Águas da Prata. Ou seja: é melhor ser londrino do que água-pratense. Com o pomposo nome britânico, estudou, fez concurso, tornou-se juiz, ocupou cargos no judiciário e se aposentou. No entanto, não teve a sorte de ser eternamente igual a Clark Kent, que consegue ser ao mesmo tempo o Super-Homem; ou a Bruce Wayne que, quando necessário, transforma-se em Batman. Edward foi tirar segunda via da carteira de identidade e aí, como dizem os brasileiros “deu ruim” (inglês jamais diria tamanha vulgaridade). Do alto de sua vitoriosa carreira de magistrado, o brasileiríssimo Zé Eduardo foi apanhado num vulgar exame de impressão digital. Assim é, se lhe parece, diria Shakespeare. E a Zé Eduardo parecia melhor ser concidadão do Rei Charles do que de Jeca Tatu. Enfim, noblesse oblige. 

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A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Sobre o elogio

quarta-feira, 09 de abril de 2025

Uma virtude reconhecida ou, melhor ainda, inventada, pode render um aumento de salário

Passei por uma pessoa a quem conheço há tempos, porém superficialmente, e ela me fez um inesperado elogio. Era um dia de sol quente e pode ser que, em consequência do calor, o cérebro dela não estivesse funcionando muito bem. Mas levei suas palavras a sério, porque elogio é sempre bom, mesmo quando não merecido, ou talvez sobretudo quando não merecido, como era o caso.

Uma virtude reconhecida ou, melhor ainda, inventada, pode render um aumento de salário

Passei por uma pessoa a quem conheço há tempos, porém superficialmente, e ela me fez um inesperado elogio. Era um dia de sol quente e pode ser que, em consequência do calor, o cérebro dela não estivesse funcionando muito bem. Mas levei suas palavras a sério, porque elogio é sempre bom, mesmo quando não merecido, ou talvez sobretudo quando não merecido, como era o caso.

Acho que não sou diferente dos demais seres humanos: gosto de ser elogiado e detesto ser criticado. Mas tento enfrentar uma coisa e outra com serenidade, pois frequentemente ambas têm ao menos um pouco de verdade. Quando nasci, minha santa mãe, ao me ver pela primeira vez, estando ainda um pouco tonta, deve ter dito “Ele é tão bonito!” Bem, talvez até os dois ou três anos. Depois o tempo se encarregou de desmentir as palavras maternas.

Os políticos, por exemplo, além de useiros e vezeiros em exaltar a si mesmos como os mais honestos, os mais competentes, os mais de tudo que é bom, também nomeiam assessores que não têm nenhuma outra função senão a de elogiar o chefe. Quase sempre a opinião pública pensa exatamente o oposto (o que não a impede de votar neles). Agora mesmo Trump e Musk andam dizendo maravilhas um do outro, os dois se considerando mutuamente como o mais alto grau de perfeição a que pode chegar um ser humano.

Mas nem tudo são flores, mesmo no reino dos poderosos. Consultado por um usuário, o programa de inteligência artificial conhecido como Gronk respondeu que o maior divulgador de desinformação no mundo digital, o fakenewsqueiro por excelência é Elon Musk. O Gronk pertence ao próprio Musk! Não sei se ele vai demitir a diretoria ou desativar o programa. Incompetentes! Chefe existe para ser admirado, e não para ser criticado. O puxa-saquismo é uma instituição universal, e o bajulador uma das mais valiosas presenças em todos os níveis de relacionamento, especialmente quando se trata do universal binômio patrão-empregado. Uma virtude reconhecida ou, melhor ainda, inventada, pode render um aumento de salário, ou mesmo a salvação do emprego. Já uma crítica, mesmo que bem intencionada...

Antes da televisão, quando as emissoras de rádio dominavam os lares e bares do Brasil, eram os narradores de futebol que permitiam que os ouvintes “vissem” o jogo. Um dos mais famosos foi Oduvaldo Cozzi, um craque da palavra, que apelidou Nilton Santos de “Enciclopédia do Futebol”, e assim definiu o clima no Maracanã, após a derrota do Brasil para o Uruguai em 1950: “Um silêncio ensurdecedor.” Um dos bordões de Cozzi era gritar “impedidoooo!”, quando um jogador estava irregularmente na área adversária. Diz a lenda que certa vez um repórter de campo ousou discordar do chefe: “Não, Cozzi, o atleta estava em posição legal”. Imediatamente ouviu a resposta: “Despedidoooo!”.

Mas toleremos o bajulador, pelo menos aquele inofensivo, que o próprio elogiado não leva muito a sério, e que por isso mesmo não faz mal a ninguém. Triste e perigoso é quando isso alcança as raias do fanatismo, que é o puxa-saquismo elevado à sua potência máxima. No Brasil e em grande parte do mundo estamos vendo isso acontecer. Pessoas em geral tão sensatas, tão equilibradas no dia a dia de suas vidas ficam irreconhecíveis quando falam dos líderes políticos nos quais votam e que elegem como inspiradores supremos de suas crenças ideológicas. Veem neles todas as virtudes, com a mesma intensidade com que só encontram defeitos nos seus adversários. Toda paixão cega, e a paixão política é a uma espécie de cegueira. E das piores.

Bom seria se não nos esquecêssemos da sábia sentença do Marquês de Maricá: “Nenhum homem é tão bom como seu partido o apregoa, nem tão mal como o contrário o representa”.

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