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Sem você, mãe
Wanderson Nogueira
Palavreando
Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.
Lá se vão dez anos, poderiam ser cem e presumo que o sentimento será o mesmo. Para muitos são décadas a mais do que meus dez anos sem você, mãe. Para outros, talvez, apenas o primeiro. Apenas? O primeiro dia das mães sem ter a sua mãe é doloroso e expõe ao máximo a fragilidade humana que é seguir sem o primeiro colo, o aconchego fixo na memória que se cria antes mesmo de sair da barriga. Vir à luz. À luz de fora do ventre. Mãe é luz.
Talvez o tempo aquiete. Mas fica lá esse sem você. Talvez os dias e os acontecimentos no dia a dia nos desviem da saudade materna. Casar, ter filhos, ser avô, os projetos, as viagens são distrações para essa saudade latente para além das efemérides. Mas lembro de meu pai — pai de sete filhos e avô de sete netos — relatar saudades de sua mãe. Mesmo muitos anos após sua partida. Eu sequer conheci a minha avó paterna. Mas, pelos olhos do meu pai, podia senti-la.
Portanto, a sensação não é de ausência. Talvez presença na ausência. Não sei dizer bem, mas não é porque não sei dizer que não admita essa força estranha que nos faz vinculados a algo maior, muito próximo do divino ou divino mesmo. Mães são divinas. Para seus filhos, santas. E é um tanto cruel santificá-las, sob o risco de sacrificar suas incertezas humanas. Mas diante de um filho, mãe é sempre certeza. Porque a mãe pode até reconhecer os erros do filho, mas estará lá ao lado dele, como se fosse um próprio pedaço de si. E se pudesse, para amenizar a dor do filho, dar tudo que tem para o pedaço de si, sem titubear, daria. Pois mãe é esse altruísmo que assusta, é a doação plena, é esse exponencial amor que faz duvidar de todos os outros amores.
Então, não romantize a maternidade. Especialmente as mães solo, principalmente as mães que perderam seus filhos. Se a sequência da vida permite aos filhos distrações à ausência da mãe, não há mais nada que importe a uma mãe que tenha perdido um filho. Não é a ordem natural das coisas. Nessas horas tento engolir com saliva meu egoísmo. Quisera que as mães fossem eternas, desde que seus filhos também pudessem ser. Pois se é difícil sobreviver ao que ama, deve ser insuportável prosseguir sem um filho. Cabe compreender que nenhuma mãe merece esse sofrer.
Deixei você ir, mesmo que não escondesse que queria muito que ficasse. Mãe, queria você aqui. Sei que sua luz segue a me guiar como uma bússola para a felicidade. Rio chorando de tantas histórias, aqueles almoços despretensiosos de domingo. Como aqueles almoços eram bons. Não só pelo seu tempero único ou invenções culinárias. Mas por cada palavra dita e por cada silêncio que tanto dizia.
Falo para meus amigos que ainda têm suas mães: “Aproveite cada instante! Torne possível mais momentos com ela. Fabrique saudades futuras, sem o temor de saber que não vai tê-la para sempre, mas com a determinação de quem sabe que o tempo passa rápido demais”.
Mãe, consigo sentir no rosto seu carinho, mas como desejo poder pegar suas mãos e dizer baixinho: muito obrigado. Muito obrigado por ser meu exemplo, por ser o meu equilíbrio entre o medo e a coragem, por ser minha consciência.
No peito se costura seu nome, mas na memória passa esse filme de trilha sonora inconstante para sentimentos variados. Não há vazio, ainda que ausência. Não há plenitude, ainda que presença.
Mães são sempre presentes, mesmo quando não estão mais aqui. Mas se aqui, apenas reconheça-as. Você, minha mãe, nunca se foi, afinal.
Wanderson Nogueira
Palavreando
Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.
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