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De quantos enquantos é feita a vida?
Wanderson Nogueira
Palavreando
Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.
De quantos enquantos é feita a vida? Enquanto se espera a chegada, de repente, chega. No choro que esbraveja: "não quero ser um normal nesse mundo de loucuras". O mundo já é uma prisão muito pequena para que se encarcerem os loucos.
Enquanto se busca a liberdade, preso estamos. De repente livres, presos nos deixamos livres de novo. Enquanto se espera um grande amor, o amor passeia diante de nós. Dança, faz careta e até piruetas. Chama a atenção, mas enquanto a nossa atenção está toda voltada para a procura, o que nos procura não nos acha. Enquanto indisponíveis, a disponibilidade disfarça não perceber que há alguém precisando de atenção.
De quantos enquantos é feita a vida? Do enquanto se nasce, se morre. Do enquanto se morre, se vive. Do enquanto se ama, se odeia. Do enquanto se odeia, o amor flutua. Do enquanto se torto, se endireita. Do enquanto se endireita, mais à esquerda. Ah! São tantos enquantos que não sei quanto se vale contar.
Deixa esse enquanto se esparramar. A felicidade alheia pode ficar. Convida a felicidade a entrar. Tan-tan-tan. Batem na porta. É mais um enquanto querendo entrar. Enquanto isso…
Enquanto a chuva cai, o sol espera. Enquanto o sol espera, a noite vem. Enquanto um ciclo se encerra, outro se inicia. Chega e achega no aconchego ininterrupto do tempo. Repetido e repetitivo talvez, mas jamais exatamente igual.
Enquanto se pergunta o que é o tempo, o tempo passa. Quando o tempo acaba? Quando acabamos a tarefa de viver??? O tempo então se transforma em desconhecido que uns chamam de morte, outros de eternidade.
Enquanto se olha, há algo não sendo visto. Enquanto não se é visto, nem sempre se é esquecido. Aparece na janela, enquanto a banda passa, enquanto o pássaro canta, enquanto a moça samba, enquanto a flor desabrocha, enquanto a hora vagueia... Enquanto o mundo gira, a roda gigante também roda. Rogai aos céus!
De quantos enquantos é feita a vida? Enquanto sonha, realidade. Enquanto real, piedade. Enquanto voa, anda. Enquanto perturbação, acontecimento. Enquanto fé, milagre. Tudo pode ser um milagre, enquanto só o impossível é inacreditável. Enquanto crença, semente. Enquanto céu, terra. O que herdaremos, afinal?
A vida é tanto quanto enquanto, ou melhor, encanto. Encantados, a vida ilumina mais do que passa. Há mais do que só sobreviver. Merecemos mais, mas temos o quanto achamos que merecemos. Enquanto jogamos o bumerangue, ele já se prepara para voltar. Lei da física é lei da selva humana, ação e reação. O que se dá se recebe, mais cedo ou mais tarde. Toda conta fecha, ainda que com números imprevisíveis.
De quantos enquantos é feita a vida? Enquanto a partida se anuncia, de repente, adeus. No choro da despedida: "eu não sei viver sem você". Aprende, tanto quanto se arrepende. Não se aprende jamais. A calça comprida vira bermuda, os dias encurtam as coisas, tanto quanto alongam as histórias. A verdade só é um mistério para quem tem curiosidade. Desvendar mistérios, nem sempre é compreendê-los.
Enquanto felicidade, alegria. Enquanto saudade, nostalgia. Tanto quanto mais feliz mais nostalgia para frente. Dá para ser feliz, enquanto nostálgico e vice-versa. A vida é verso do avesso e avesso do verso, nunca avesso ao verso que escrevemos com outras mãos, mas corações.
De quanto enquantos é feita a vida? A pergunta gira e se responde com novas respostas a cada enquanto. Porque é de enquanto que se faz o caminho e tantos quantos enquantos a mais — encantos em cada canto. Não esquece, no entanto, o canto e nada no canto... Somos fragmentos de possibilidades.
Wanderson Nogueira
Palavreando
Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.
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