Correio do amor

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 15 de junho de 2024
Foto de capa
(Foto: Freepik)

O que dirão no correio do amor? Serão correspondidos os seus autores? Haverá disputa pelo mesmo beijo? Deixarão os corações procurados tocados pelas mensagens recebidas? 

Em tempos de aplicativos de relacionamento de todos os tipos e objetivos, resiste o recado em papel anunciado pelo locutor da festa em meio a toda dança de quadrilha. 

Na barraquinha do correio do amor, teima-se no amor à moda antiga, do tal amor genuíno, quase infantil, que nunca sai de moda: o que se entrega, o que ruboriza o rosto e faz tremer as pernas. Da vontade de se mostrar, mas que o medo causa receio. Espanta ou aproxima? Conquista. 

O correio do amor são mensagens que não chegam pelo celular. Se manifesta no meio de toda multidão, onde ocupam no mesmo espaço físico o desejo e o desejado. Tão perto, ainda que possivelmente longe. Será tocado o coração da menina? Será o flerte desavergonhado a melhor tática para se revelar? Há um momento certo de se mostrar? 

No meio da Festa Junina, em que o arraial se monta em dança, em que se casa e a noiva pode ser roubada ou mesmo se deixar roubar, se confrontam as relações futuristas influenciadas a serem líquidas com as histórias que se iniciam buscando perdurar em devaneios de infinitude. Resiste o correio do amor que persiste nesse jeito de ver e fazer a vida para além dos algoritmos. Sem eles, melhor ainda. A gente se encontra no fim da dança ou durante ela mesma. 

O ritmo é real e leal é cada passo ao som de sanfona e viola. Tremulam as bandeirinhas coloridas que festejam o campo e celebram mais do que São João, mas essa alegria de se encontrar em comunidade, de dar as mãos, de bailar, de brincar, de rir, de ser parte da coreografia, de fantasiar mais do que o corpo com roupas caipiras, do cangaço ou de cowboy, mas dar fantasia à vida. 

A roça que nos habita é a simplicidade que nos grita, convoca a sermos simples, até para mandar recados de amor, anônimos ou não. Na festa, no meio de toda gente, ainda que voltado exclusivamente para aquela ou aquele. Porque o que se sente não deve ficar preso na gente. E quando é paixão, amor, ainda que prudente, deve nos mobilizar e mover ao redor todo carrossel de sentimentos de remetente, destinatário e testemunhas. O amor merece toda a publicidade. Contagia.

E mesmo que não correspondido sempre será apreciado como ato de coragem, ainda que apontado, por alguns, como fragilidade. Mas em qualquer circunstância o amor revela a força que temos e a recusa em apenas sobreviver ou passar pelos dias. 

Intensidade, de dança de festa junina, de fogueira que ilumina, de fé no santo ou em si mesmo, de fé na vida. Que a poeira não esconda o brilho no olhar que espelha a noite de São João. Que a festa tenha grandeza independente de ser grande ou pequena. Que tenha comilança, música, dança e correio de amor — esse singelo instrumento travestido de flecha que sonha em ser bumerangue.

 

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