Blog de paulafarsoun_25873

Vida particular

sexta-feira, 07 de maio de 2021

Em meio a tantas pessoas que divulgam tudo o que fazem o tempo todo, é simplesmente libertador não ter necessidade de fazê-lo. Aliás, uma das nuances da liberdade está justamente em não precisar demonstrar o que se vive. A tal privacidade. Preciosa privacidade. Vida íntima, particular.

Em meio a tantas pessoas que divulgam tudo o que fazem o tempo todo, é simplesmente libertador não ter necessidade de fazê-lo. Aliás, uma das nuances da liberdade está justamente em não precisar demonstrar o que se vive. A tal privacidade. Preciosa privacidade. Vida íntima, particular.

Sigo apreciando o senso de preservação, a vida sem vigília. Penso que sorrir e chorar sem ser observada é uma ostentação. Um luxo. Indispensável para o fomento da sanidade. Hoje estamos nos afastando cada vez mais dos momentos vividos integralmente, com foco total no presente, com presença. Quase ninguém consegue interagir ao vivo por completo. As atenções vertem para os aparelhos celulares, para a internet, para as redes sociais.

Vivemos sob a sombra do julgamento alheio, com holofotes sobre os afazeres dos outros. As pessoas estão fazendo questão de divulgarem muito mais do que verdadeiramente vivem ou viveriam se não sentissem essa estranha dependência por divulgarem tudo o que fazem. Às vezes, só fazem para postar. Propaganda enganosa. Quantas tristezas de hoje em dia deixam de molhar os travesseiros e o ombro amigo, para transparecer um sorriso oco em uma página virtual? Seres que deixam de ser para parecerem que são. E outros seres valorizando essas aparências.

Muito reflito, escrevo e converso com pessoas próximas sobre isso, sob pena de ser assunto enfadonho, além de repetitivo. Mas, de fato, ando assustada. E insisto. Não é preciso conhecer de psicologia para que se perceba o quanto a solidão está presente na vida de muitas pessoas. Vivemos em meio de muita gente cercada de gente, pessoas acompanhadas de companhias sob um espectro todo novo, pois se abraçam em fotos e sentem-se sós para partilhas reais de vida. Ainda assim, em poucos cliques poderão pertencer a um grupo de conhecidos sobre quem saberá mais do que se sabe de amigos de verdade, visto que lá expõem seus afazeres mais básicos bem como suas conquistas.

Alguém que trabalhe duro, concilie a rotina de estudos, tarefas domésticas, cuidados com os filhos, cachorros, vizinhos, que mergulhe em números e contas e seja um malabarista de fazer as finanças fluírem, certamente desconfiará da abundância que a vida virtual transparece. Alguém que viva desilusões cotidianas, que enfrente os desafios dos relacionamentos, que se programe o ano inteiro pelo esperado passeio, se surpreenderá com as aparentes facilidades expostas nas páginas das redes sociais. Será que é tudo isso mesmo? Será que estamos – estão valorizando o essencial e enxergando o mundo para além das redes sociais? Será mesmo que a maior forma de interação contemporânea é condizente com a realidade das pessoas que habitam esse planeta em pleno século 21?

Milhares de pessoas morrendo de Covid-19 todos os dias, outras milhões vivendo abaixo das linhas de pobreza, muitas sem condições básicas e mínimas de sustento; centenas de tipos de agrotóxicos sendo liberados para utilização da agricultura e consequentemente, envenenamento da população; índices altíssimos de suicídios, homicídios, feminicídios; crianças morrendo nas fronteiras, crise dos refugiados; guerras de várias ordens; saúde pública de mal a pior; corrupção, violência, poluição, desmatamento, aquecimento global, meio ambiente sendo degradado dia após dia, crise política sem fim. Assim está o mundo.

E em meio a tudo isso, precisamos existir, resistir, sobreviver e participar ativamente da melhora de todo esse caos, da cura dos seres humanos doentes e descrentes. Preferencialmente, felizes. Porque não basta existir, é preciso encontrar a felicidade, não é mesmo? Mas felicidade verdadeira, de dentro para fora. Gente de verdade sendo exemplo de luta de verdade e da autêntica felicidade. Felicidade de vida real, não de rede social.

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Mais arte

sexta-feira, 30 de abril de 2021

Belas imagens de flores. Belas flores de verdade. Palavras escritas e faladas. Melodias, tons, sons. Músicas, esculturas, literaturas, filmes. Tantas formas de expressão da arte. Como são preciosas. Seu poder, pode nos salvar do ócio, do excesso, da ignorância, da tristeza. A arte é um eficaz componente de evolução e bem-estar. Arte alivia, edifica, enobrece, embeleza, salva. Arte eleva. Arte cura. Arte constrói pontes para o conhecimento nos mais diversos níveis. Incentivar a prática e a contemplação das mais variáveis formas de expressões artísticas é o objetivo da coluna essa semana.

Belas imagens de flores. Belas flores de verdade. Palavras escritas e faladas. Melodias, tons, sons. Músicas, esculturas, literaturas, filmes. Tantas formas de expressão da arte. Como são preciosas. Seu poder, pode nos salvar do ócio, do excesso, da ignorância, da tristeza. A arte é um eficaz componente de evolução e bem-estar. Arte alivia, edifica, enobrece, embeleza, salva. Arte eleva. Arte cura. Arte constrói pontes para o conhecimento nos mais diversos níveis. Incentivar a prática e a contemplação das mais variáveis formas de expressões artísticas é o objetivo da coluna essa semana. E sempre.

Seja por meio da literatura, música, exposições, museus, cinema, fotografias, pintura, teatro, dança, seja até mesmo – e principalmente, por meio do contato com a natureza (obra de arte do Criador manifestada em sua perfeição), a arte é capaz de transpor barreiras e construir pontes para o conhecimento nos mais diversos níveis, além de expressar sentimentos e emoções.

O contato com a arte e o fomento da cultura na esfera individual e também na coletiva, inquestionavelmente são transformadores e surtem efeitos positivos de dimensões incalculáveis. Por isso, sempre é hora de projetarmos uma realidade impregnada de tudo isso.

Sugerimos aos leitores que simpatizam com esse ideal, que elaborem listas elencando livros a serem lidos, exposições que pretendem visitar, canções a serem apreciadas, filmes a serem assistidos, peças de teatro que desejam prestigiar e invistam tempo na contemplação e interação com a natureza.

Há uma série de razões pelas quais fazer listas pode ser a chave do sucesso de muitos projetos, inclusive o objetivo de investir tempo e vida no enobrecimento do corpo, da mente e da alma por meio das expressões artísticas.

Vivemos em uma cidade que de maneira geral nos oferece condições e oportunidades para desfrutarmos de tudo isso, seja por meio de sua natureza exuberante, seja pelo clima e cenário convidativos à leitura de um bom livro. Mesmo em meio à dor. Podemos olhar pela janela e desfrutar do entardecer, apreciar o verde. O cheio de uma flor. Quase todo mundo pode.

Machado de Assis escreveu: “De todas as coisas humanas, a única que tem o fim em si mesma é a arte”. Ferreira Gullar expressou que “A arte existe porque a vida não basta”. Reflitamos sobre. Respiremos mais arte. Que tal incluirmos em cada capítulo desse nosso caderno em branco da vida uma lista de atividades que envolvam contato com a arte e com a natureza?

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Não está fácil para ninguém

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Não está fácil para ninguém, não é mesmo? Não está. Aliás, decidi desconfiar das pessoas que estão perfeitamente bem diante deste cenário que estamos vivendo. Penso que não tem como estarmos plenos diante de tanta dor. Mesmo quando não dói na gente, quando o problema não se instala em nosso lar, que nossos entes queridos estejam bem, não há como não nos compadecermos do que está acontecendo.

Não está fácil para ninguém, não é mesmo? Não está. Aliás, decidi desconfiar das pessoas que estão perfeitamente bem diante deste cenário que estamos vivendo. Penso que não tem como estarmos plenos diante de tanta dor. Mesmo quando não dói na gente, quando o problema não se instala em nosso lar, que nossos entes queridos estejam bem, não há como não nos compadecermos do que está acontecendo.

 Há muitos anos fiz uma escolha profissional que me levou ao cerne de muitos problemas das pessoas. Fui ao longo do tempo tentando aprender a me blindar minimamente sem que toda a humanidade fosse a segundo plano. Assim, o trabalho de aliviar conflitos, reverter problemas, encontrar soluções, buscar por justiça, preconizar o estudo, sempre fez total sentido, pois ao lidarmos com gente, precisamos ser gente, no sentido mais profundo da palavra. Ser gente cuidando de gente. Preceito básico.

Neste último ano com os desafios inalcançáveis da pandemia, o laboratório de vida tornou-se muito mais complexo, com inéditas dores e percalços. Passamos a lutar por sobrevivência, uma sensação que até então era muito desconhecida por muitos, embora familiar a tantos outros. Pois é. E quem consegue ignorar as centenas de milhares de pessoas que morreram? As centenas de milhares de pessoas que perderam suas fontes de renda? As milhões de famílias desmanteladas? Não podemos ignorar o que está acontecendo. Por mais que sejamos gratos, privilegiados ou sei lá mais o quê. Simplesmente não podemos. Ou não devemos.

É. Não tem como. E se eu me deparar com pessoas que não sentem a dor do que estamos vivendo mesmo quando as feridas sangram na pele dos outros, escolherei não tê-las como amigas, pois não creio ser possível existir sem humanidade, sem empatia, sem um olhar voltado para o outro, por mais que saibamos o tanto que devemos lutar para ficarmos bem, melhorarmos, progredirmos e mantermos a sanidade, a saúde e a esperança diante do caos.

O vírus invisível, arrebatador, avassalador se espalhou pelo ar e atingiu a todos. Uns mais, outros menos. E o que temos feito para melhorarmos enquanto seres humanos e enquanto cidadãos, células que compõem um organismo social mais amplo. Que tipo de gente temos sido agora?

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Pirâmide invertida

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Hoje não. Não começarei este texto com o sentimento de otimismo, porque está difícil não sucumbir diante de tanto sofrimento e tanta desordem. Em meio a tantas notícias embaraçosas, crise por todos os lados, colapso na saúde, pessoas doentes, morrendo, deficiências em várias ordens da economia, da sociedade e da política, desgoverno, índices elevados de mortes, criminalidade, corrupção, desigualdades, preconceitos latentes, fome, problemas aparentemente sem fim e de soluções difíceis, é praticamente senso comum que vivemos período tortuoso de verdadeiro caos.

Hoje não. Não começarei este texto com o sentimento de otimismo, porque está difícil não sucumbir diante de tanto sofrimento e tanta desordem. Em meio a tantas notícias embaraçosas, crise por todos os lados, colapso na saúde, pessoas doentes, morrendo, deficiências em várias ordens da economia, da sociedade e da política, desgoverno, índices elevados de mortes, criminalidade, corrupção, desigualdades, preconceitos latentes, fome, problemas aparentemente sem fim e de soluções difíceis, é praticamente senso comum que vivemos período tortuoso de verdadeiro caos.

Está absolutamente difícil prever dias melhores. Conseguir enxergar luz no fim do túnel, a fuga do beco sem saída, o anseio por soluções. A cura. Tem doído demais. Muito sofrimento que palavras não definem. Mas penso que nos conectamos uns com os outros também pelo sofrimento, pela dor. Mesmo diante desse cenário, precisamos manter a esperança por dias melhores. A desesperança pode ser extremamente nociva a esse processo de transição que estamos vivendo.

Diante de todo fluxo sem interrupção de notícias ruins, de perdas, de falta de ar, ainda somos instados a lidar com as mais antigas mazelas da sociedade e dos representantes de maneira geral. É preciso crer que não há mais como esconder tanto lixo debaixo dos tapetes. Uma vez que todos os habitantes de um lar descobrem que por baixo dos móveis há podridão, sujeira, dejetos, se torna praticamente impossível a convivência harmoniosa dentro desse ambiente contaminado, maculado . É preciso limpar, cuidar, melhorar, conservar, valorizar. E quanto mais pessoas imbuídas pelo espírito da comunhão e da ajuda mútua, menos penoso será esse trabalho.

Estamos passando por um processo desses... Sem ajuda fica ainda mais difícil. O ar está pesado, os nervos à flor da pele. Mas creio que uma mão estendida, um olhar por trás da máscara, um sorriso sincero, ainda podem ajudar. O que estamos vivendo demanda esforço conjunto, coragem, renovação ... investimento de tudo, de tempo, de dinheiro, de energia. É preciso ter competência. Poder de ação. Fazer a coisa certa na hora certa e estabelecer uma real pirâmide de prioridades. E a vida é, sem dúvida, o pilar de sustentação e o topo dela ao mesmo tempo, pois sem a vida, o que mais podemos fazer para reverter, para contribuir?  

Hoje vejo a pirâmide invertida, bagunçada, completamente confusa. É preciso crer. Crer que a luz está entrando, que algo muito bom está por vir. Mas sim, está difícil. Para a construção de um novo mundo, de um novo país, invariavelmente devemos enfrentar com esperança, união, força e resiliência esse processo de transição.

É preciso também plantar. Plantar por meio da solidariedade, da empatia, da honestidade, do trabalho digno, da arte, da cooperação, da educação, da prática do bem. Plantar, semear, cuidar para colher frutos melhores no momento certo. Plantar sempre, mesmo agora em que estamos no epicentro do caos, aliás, principalmente agora.

Fácil não é. Pelo contrário. Está difícil à beça. Mas por mais complexo que possa parecer (e de fato é), penso que uma sociedade efetivamente unida e nutrida de esperança pode ser capaz de enfrentar e superar o caos. É o que espero. Concordo com Martin Luther King : “Se soubesse que o mundo se desintegraria amanhã, ainda assim plantaria a minha macieira. O que me assusta não é a violência de poucos, mas a omissão de muitos. Temos aprendido a voar como os pássaros, a nadar como os peixes, mas ainda não aprendemos a sensível arte de viver como irmãos.”

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Melhor possível

sexta-feira, 09 de abril de 2021

Lya Luft escreveu: “E que o mínimo que a gente faça seja, a cada momento, o melhor que se conseguir fazer.” Sim. Que o melhor seja feito dentro das possibilidades existentes. E que novos horizontes ampliem as possibilidades para que mais bem feito ainda possa ser feito adiante.

Lya Luft escreveu: “E que o mínimo que a gente faça seja, a cada momento, o melhor que se conseguir fazer.” Sim. Que o melhor seja feito dentro das possibilidades existentes. E que novos horizontes ampliem as possibilidades para que mais bem feito ainda possa ser feito adiante.

Os perfeccionistas de plantão sabem que não dar conta de fazer o que se quer, da forma como se deseja, dói. E as vezes não é pouco. Uma sensação de impotência pode brotar de forma mais simples do que um pé de feijão que nasce do caroço deixado no copo com algodão úmido. (Aliás, aqui vale uma digressão...saudosos tempos em que fazíamos experiências como essa e víamos o milagre acontecer sob nossos olhos.)

São muitos os relatos de pessoas que se sentem constantemente exaustas e sobrecarregadas e muitas vezes a razão disso reside justamente no acúmulo de tarefas que pretendem desempenhar de forma impecável. É seguro afirmar que pessoas com esse perfil podem aliar a satisfação pelo desempenho escorreito de suas funções na vida com uma bagagem pesada de cansaço.

E o bonito dessa história é perceber que ainda assim, continuam se esforçando para honrar os compromissos assumidos da melhor maneira com que podem fazer. Dando o melhor de si, não param de descobrir caminhos de expansão interna. Vem o prazer da satisfação, do mérito plantado pelo esforço. O movimento é de dentro para fora e não o contrário. Quanta gratidão das pessoas é colhida pela doação do melhor que se pode oferecer e fazer pelo outro? A felicidade que dessa experiência advém é algo que não tem como valorar.

Mas o ponto curioso, a meu ver, é que ser “certinho”, além de rótulo esquisito, virou tratamento pejorativo, quando não adjetivo empregado com intuito de desmerecer alguém. Chegar na hora do compromisso passou a ser estranho. Cumprir prazos. Dedicar-se para alcançar os objetivos estabelecidos. Olhar para o outro. Ajudar as pessoas, então! Virou coisa de gente chata e fora do padrão.

Em um momento de tanta fluidez, tempo corrido, agendas lotadas, demanda social, interação, inchaço nas relações, ser pessoa cumpridora das regras que ainda assim se esforçam para priorizar o comprometimento, não deveria ser elogio?

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Robotização de gente

sexta-feira, 02 de abril de 2021

Se me permitirem falar mais do mesmo, repetir aquilo que já foi dito e escrito e publicado, o farei. Não dá para trabalhar com o trabalho e ignorar o quão sacrificante pode ser o roteiro da vida laboral para todos os envolvidos na produtividade nas mais diversas áreas. Escrevo com a imagem de um profissional da saúde ao fundo. Esgotado, apático, cabisbaixo. Imagem de corroer mesmo. Não está sendo fácil para eles.

Se me permitirem falar mais do mesmo, repetir aquilo que já foi dito e escrito e publicado, o farei. Não dá para trabalhar com o trabalho e ignorar o quão sacrificante pode ser o roteiro da vida laboral para todos os envolvidos na produtividade nas mais diversas áreas. Escrevo com a imagem de um profissional da saúde ao fundo. Esgotado, apático, cabisbaixo. Imagem de corroer mesmo. Não está sendo fácil para eles. Imagine, seu existir doado a cuidar de pessoas e salvar vidas em condições inóspitas sendo atrapalhado pelo som da festa clandestina que acontece ao lado do hospital em que trabalha? Dias e noites ouvindo sobre dor, aliviando dor, vivenciando dor, com o rosto marcado por equipamentos de proteção e as mentes pela situação de terror da qual não podem fugir. Já imaginou?

Façamos o exercício de colocarmo-nos no lugar também dos profissionais exaustos da linha de frente enfrentando o vírus cara a cara enquanto vê imagens das praias lotadas, de aglomerações ilegais, de gente questionando até mesmo a necessidade de usar máscaras. Doeu em você? Porque em mim dói de verdade.

Somos máquinas? Essa é uma pergunta que pode ser respondida por cada um de nós. Às vezes sinto que os indivíduos estão sendo robotizados sem nem perceberem. Máquinas novas interessantes essas. Que de novas não têm nada, mas estão sendo revisitadas, recebendo uma releitura “à la 2021”. A potência é boa, produzem bastante, apresentam resultados e até pensam. Que maravilha. Não tem a ver com inteligência artificial, é gente de verdade. Esse aparato super moderno é humano. Se adapta às mais variáveis circunstâncias, é flexível, multitarefas, inovador, apresenta ideias, as executa, faz reparos e prospecções futuras. Pensa, sente e até se emociona.

Às vezes, a máquina perece. Adoece. Sucumbe às dores mundanas, não apresenta a melhor performance, rateia e até para de funcionar. Fala mais do que deve, faz mais do que pode e até reclama. Há que diga que é super econômica, custa muito pouco pelo tempo que trabalha. Há quem pense ser cara demais, afinal de contas, há várias peças custosas agregadas, mais conhecidas como direitos e prerrogativas.

A grande verdade é que os trabalhadores do século 21, essas máquinas da metáfora, são essenciais ao funcionamento de tudo, embora o incremento da tecnologia agregue possibilidades ao mesmo passo em que tenta substituí-las. Nessa crise inesperada, o maquinário anda oscilante. Parte dele, inclusive, nunca produziu tanto. Outra parte, está sendo descartada, por ser dispensável ou onerosa demais. O “equipamento” humano é subjugado, sobrecarregado, desvalorizado, descartado. Exige-se de gente de carne e osso o que nem máquina faz.

Fato é que deveríamos repensar as estruturas que fazem a máquina funcionar. Tudo funcionar. Não basta a reflexão e preocupação quanto espaços físicos, viabilidades econômicas e o seu bom e produtivo uso. Deve-se, principalmente, considerar sua própria formação, seus cuidados, suas necessidades. Pode parecer difícil para muitas pessoas compreenderem, mas a máquina humana, sente, pensa, necessita, respira. Sente dor. Chora. Padece. Sucumbe. Se dói por inteiro. E pasme: tem limite. Isso mesmo. Precisa de descanso. Precisa suprir necessidades básicas. Sinto informar, mas esse “maquinário novo”, nem máquina é. Nosso planeta ainda não é habitado por robôs. Não percamos – ainda mais! - a noção disso.

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Como uma onda

sexta-feira, 26 de março de 2021

Mesmo quando a maré está mansa, não significa que mansa para sempre permanecerá. Basta o sopro do tempo, o rebolar das correntezas, a inspiração da deusa do mar e as ondas vêm. É o movimento natural. Não existe maré calma eterna. Existe vai e vem da natureza, reboliço dos ventos, e logo a onda vem. Nós não escolhemos seu tamanho, não dimensionamos seu perigo, nem prevemos sua velocidade.

Mesmo quando a maré está mansa, não significa que mansa para sempre permanecerá. Basta o sopro do tempo, o rebolar das correntezas, a inspiração da deusa do mar e as ondas vêm. É o movimento natural. Não existe maré calma eterna. Existe vai e vem da natureza, reboliço dos ventos, e logo a onda vem. Nós não escolhemos seu tamanho, não dimensionamos seu perigo, nem prevemos sua velocidade. Elas chegam e nossas escolhas passarão por estarmos dentro ou fora do mar, condicionarmos nosso fôlego, aprendermos a nadar, aguçarmos nossa sensibilidade para identificarmos eventual perigo, domarmos o espírito aventureiro, ou controlarmos o medo.

A onda pode ser uma marola ou chegar com a força de um tsunami, sei lá, quem vai saber? Seja o que for, precisamos estar preparados para as mudanças que podem acontecer no minuto seguinte da vida. E que podem ser ótimas, mesmo se fáceis não forem.

Gosto de comparar a vida com a natureza, pois ao observarmos carinhosamente essa engrenagem divina maravilhosa, nos damos conta de que somos parte de tudo isso e não seus senhores soberanos. Encarar desafios pode ser um treinamento grandioso de superação. Há um enorme prazer embutido nesse exercício contínuo superarmos a nós mesmos. Quão sem graça seria a existência se a vida fosse um marasmo contínuo do início ao fim. Bom, tenho que isso sequer seria uma opção já que querendo ou não, o dia a dia é repleto de novos desafios.

Por que não acolher cada um deles como uma nova chance, uma oportunidade premiada, um grande negócio a ser feito ? Transformar o medo pelo novo por motivação para seu encontro pode ser transformador. Ao invés de vislumbrarmos a muralha amedrontadora que pode estar por vir, podemos escolher avistar o belo oceano na condição mais linda que o Universo pode ofertar.

Fácil não é. Mas nossa postura diante de um desafio vai gerar uma energia que pode ser positiva ou negativa, a depender de como estamos acolhendo esse movimento da vida. Abdicações, renúncias, esforço... preparação. Preparar-se para a execução da nova etapa. E durante todo o processo é aconselhável o treinamento do sentimento de gratidão, pois certamente se estamos diante de desafios, é sinal de que estamos vivos e em atividade, o que já merece nosso mais profundo agradecimento.

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Ostentação de verdade

sexta-feira, 19 de março de 2021

Simplicidade hoje em dia é ostentação. Ausência de complicação. Desnecessidade de dificultar as coisas. Capacidade em atribuir valor àquilo que muitas vezes não tem preço. Apreciar um pôr do sol, por exemplo. Respirar o ar puro do campo. Conversar com pessoas que têm estórias para contar. Contemplar uma árvore, comer um bom arroz com feijão, receber um abraço de uma pessoa querida, desinteressada, que só deseja a partilha do afeto, fazer uma caminhada, dormir em paz, com a consciência tranquila e deleitar o bom sono dos justos.

Simplicidade hoje em dia é ostentação. Ausência de complicação. Desnecessidade de dificultar as coisas. Capacidade em atribuir valor àquilo que muitas vezes não tem preço. Apreciar um pôr do sol, por exemplo. Respirar o ar puro do campo. Conversar com pessoas que têm estórias para contar. Contemplar uma árvore, comer um bom arroz com feijão, receber um abraço de uma pessoa querida, desinteressada, que só deseja a partilha do afeto, fazer uma caminhada, dormir em paz, com a consciência tranquila e deleitar o bom sono dos justos.

Viver de forma simples é absolutamente compatível com uma vida próspera e bem sucedida. É a minha opinião. Aliás, há quem só se sinta no ápice de suas conquistas quando encontra tempo em suas agendas para se aproximar do que há de mais simples e sofisticado que pode haver: a natureza. Natureza das coisas e natureza das pessoas. Essência dos seres.

Talvez estejamos complicando demais. A realidade já anda difícil por si só. Por mais que busquemos a paz interior e um estilo de vida compatível com as mais valiosas virtudes, somos partes de um todo que está desintegrado, problemático, adoentado. Não há como negar. Somos linhas que compõe esse emaranhado complexo, razão pela qual a busca pelo eixo da simplicidade nos reconecta de alguma maneira com aquilo que traz a verdadeira felicidade.

Muitos confundem uma vida simples com uma vida desprovida de condições básicas de existência, o que não é uma verdade absoluta. E é justamente esse ponto que me encanta. Batalhar, crescer, viver em harmonia com o ambiente, prosperar honestamente e ainda assim não precisar complicar tudo para sentir o preenchimento de coisas que não são úteis, não são necessárias, não trazem conforto e nem felicidade. E ainda assim sentir extrema felicidade em poder acompanhar um caminho de formigas no chão. Em ter tempo para preparar bolinhos de chuva no entardecer. Em ouvir cigarras cantando. Em ler um livro.

Sinto um imenso prazer quando troco sorriso sincero com alguém, quando percebo que as pessoas com quem interajo saem melhores do ambiente quando nos encontramos. Maior satisfação sinto ainda quando é a minha tristeza que se esvai pela presença do outro. Mas nada supera a alegria de ver quem amamos sorrindo de verdade. Quando eu observo de verdade, no meu ciclo de convívio, percebo nitidamente que os momentos mais felizes são puramente simples, que as pessoas que ostentam um sorriso real no rosto têm uma maneira de encarar a vida de forma descomplicada. Normalmente, gente que dá valor à essência da vida. Acho deveras maravilhoso.

Definitivamente, para mim, com tantos excessos, materialismo e egoísmo, viver de forma genuinamente simples é um baita luxo.

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Vozes políticas

sexta-feira, 12 de março de 2021

Por ora optei por me abster de discutir sobre política nesse momento. Está certo que não tenho gosto para discussões. Não quer dizer que não pense sobre. Pelo contrário, creio que tudo é político. A forma como se vive é uma escolha em essência política. Já falei sobre isso por aqui. A cabeça esquenta, os nervos saltam e é necessário fazer o exercício constante de autoconsciência para não esquecer de que o pensamento é livre, que devemos respeitar opiniões diversas (e adversas), que cada um tem sua base e vivências próprias e que muitos sequer sabem o que dizem.

Por ora optei por me abster de discutir sobre política nesse momento. Está certo que não tenho gosto para discussões. Não quer dizer que não pense sobre. Pelo contrário, creio que tudo é político. A forma como se vive é uma escolha em essência política. Já falei sobre isso por aqui. A cabeça esquenta, os nervos saltam e é necessário fazer o exercício constante de autoconsciência para não esquecer de que o pensamento é livre, que devemos respeitar opiniões diversas (e adversas), que cada um tem sua base e vivências próprias e que muitos sequer sabem o que dizem. Ao mesmo tempo, tenho a plena certeza de que falar sobre política, se interessar pelo assunto, traçar diálogos, expor fragilidades, apresentar soluções e debater formam um caminho extremamente importante tanto no processo de evolução social quanto no democrático.

Aquela expressão “dar murro em ponta de faca” tem sido vivificada a cada instante. Não se convence uma pessoa radical expondo simplesmente um discurso antagônico. Se um estranho pensa diferente de mim, por que vou achar que é minha opinião quem vai convencê-lo de que a certa sou eu? Quanta pretensão. Se a divergência está dentro de casa, adianta discutir, brigar com pessoas queridas para impor uma verdade que não é unânime?  Certo e errado. Bem e mal. Tudo é muito relativo. Depende do ângulo. Depende da formação. Depende de fatores que levam uma vida para serem construídos. Depende de valores éticos e morais, experiências pretéritas, projetos futuros, conhecimento de causa.

Por um lado os debates retratam uma esperança. O povo está atento. Os cidadãos acordaram, entenderam seu poder. A vontade de melhorar o país está tomando as ruas. A democracia está sendo defendida em amplos campos. A importância disso é inquestionável. Por outro lado, estamos vivendo tempos em que muitas pessoas estão com sangue nos olhos, semblante sombrio, sentimento de raiva, uma necessidade veemente de se impor, de expressar sua ira, de tirar o véu do respeito e invadir o livre arbítrio do outro de forma grosseira, ofensiva, impositiva. Ando vendo pessoas transfiguradas, exalando fúria e disparando uma metralhadora de informações desconexas, agressivas e muitas vezes mentirosas. Isso assusta. E eu indago se isso é saudável.

Às vezes tenho vontade de dizer para algumas pessoas que pensem em sua saúde. Que ódio faz mal de verdade. Que o processo eleitoral acirra os ânimos, é extremamente valioso mas que os embates saudáveis podem ser mais eficientes. E inteligentes. E ainda preservam as relações. Pergunto sinceramente: alguém muda de opinião quando outra pessoa impõe sua verdade de maneira radical? Creio que para muitas pessoas essa metodologia funcione. Mas para mim, essa tática é vã. Chover no molhado, sabe? Dispêndio de energia. Me convença com argumentos, com propostas claras, com um ponto de vista bem estruturado, com uma opinião sincera, com uma postura respeitosa em relação aos adversários. Me ajude a sentir esperança em um futuro melhor, a crer de verdade que esse processo pode significar alguma mudança. Me apresente programas, me conte sobre feitos, contribua de forma coerente para a formação de minha opinião. Pois do contrário, não perca seu tempo. Não me convenço por falas cheias de rancor, por discursos dicotômicos, pelo dedo enfiado na ferida aberta das pessoas. Desconfio de radicalismos. Esmoreço com inflexibilidade, com pensamentos que não mudam, com falas desacompanhadas de ouvidos.

Por fim, devo dizer que apesar do uso da primeira pessoa do singular nesse texto, não falo de mim propriamente. Não sou eu. Quero dizer pelos tantos que estão optando por essa postura quase incomum de se abster de falar (e não de pensar, obviamente) nesse momento. Desejo expressar que tal conduta também é genuína. E deve ser respeitada. Aliás, o voto é secreto.

A participação política é muito mais ampla do que o posicionamento explícito. Os eleitores não são obrigados a contar ao mundo qual a escolha feita sob pena de serem rotuladas por adjetivos esquisitos. Há diversas formas de se ter postura ativa no processo democrático. Há maneiras de gritar a insatisfação sem usar propriamente a voz. Há vozes que não falam. Vozes que são atos, práticas, manifestações outras que podem ser também muito eficientes. Vozes que são o dia a dia, o pragmatismo, a postura. Não entrar no embate pode ser uma estratégia inteligente de autopreservação que em nada desmerece aqueles que livremente fazem essa opção.

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Metáforas

sexta-feira, 05 de março de 2021

Disseram-me que prazos são uma "coisa chata". Que melhor seria viver sem tê-los, sem cumpri-los, sem que sequer existissem. De certo, concordei. Liberdade, pensei. Fazer o que quiser, da forma como pretender, no momento que entender adequado. Mas em sequência, retruquei: teríamos maturidade e responsabilidade suficientes para convivermos em uma sociedade moderna dessa maneira? Prazos perturbam ao mesmo passo que nos lembram dos limites, das regras, das tarefas que devemos desempenhar. Compromisso. Prazo tem a ver com isso.

Disseram-me que prazos são uma "coisa chata". Que melhor seria viver sem tê-los, sem cumpri-los, sem que sequer existissem. De certo, concordei. Liberdade, pensei. Fazer o que quiser, da forma como pretender, no momento que entender adequado. Mas em sequência, retruquei: teríamos maturidade e responsabilidade suficientes para convivermos em uma sociedade moderna dessa maneira? Prazos perturbam ao mesmo passo que nos lembram dos limites, das regras, das tarefas que devemos desempenhar. Compromisso. Prazo tem a ver com isso. Conviver com a ideia de que o tempo passa e que não podemos procrastinar. E que se o fizermos, arcaremos com as devidas consequências. Cumprir prazos pode ser por vezes desagradável, mas não desnecessário.

Esse diálogo trouxe a lembrança de uma explicação interessante que certa vez ouvi de um professor em uma aula de geopolítica, correlacionando o desenvolvimento econômico de um país com o seu clima, oportunidade que indagou: em um país tropical como o Brasil, alguém que more em frente à praia tende a preferir passar seus dias de folga estudando filosofia? Lendo Machado de Assis? E a resposta foi: os fortes escolherão os livros. E o contra-argumento imediato de um colega foi: e os felizes optarão por viver – como se dissesse que vivem aqueles que degustam do que a generosa natureza tem a oferecer.

Esse pequeno espectro por si só originaria uma série de discussões filosóficas e existenciais. Por que só os "fortes" gostariam de estudar? Qual a definição de força? Por que viver significaria ir para à praia? O que é felicidade?  E o que isso tem a ver com o clima de onde vivemos? E qual a correlação de tudo isso com os prazos a cumprir, a procrastinação e o tempo que não cessa?

Viver não deixa de ser uma habilidade de conviver com muitos pontos de interrogação sem respostas para todas as perguntas. Ainda assim, vale viver a buscar caminhos para encontrá-las. Mas não tem respostas prontas, certo e errado. Acho que vou parar por aqui. Não porque eu não tenho o gabarito dessas questões. Não porque eu realmente seja o tipo de pessoa que verdadeiramente gosta de prazos, da adrenalina da agenda cheia e da satisfação do dever cumprido. Não por isso. Não porque a ponta do novelo de lã se perdeu no emaranhado dos pensamentos. Não porque o comentário de hoje cedo a respeito dessas questões que envolvem os “prazos para tudo na vida” tenha me feito imaginar um cidadão em frente à praia de Ipanema em um sábado de folga ensolarado lendo Nietzche. Não porque percebo que me transformei em uma máquina de metáforas sobre a vida. E que está confuso.

Na verdade, enquanto divago sobre isso, o fio de lã continua completamente perdido no novelo arrevesado e corre contra mim um relógio que não para e prazos que não esperam.

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