Blog de paulafarsoun_25873

Melhor possível

sexta-feira, 09 de abril de 2021

Lya Luft escreveu: “E que o mínimo que a gente faça seja, a cada momento, o melhor que se conseguir fazer.” Sim. Que o melhor seja feito dentro das possibilidades existentes. E que novos horizontes ampliem as possibilidades para que mais bem feito ainda possa ser feito adiante.

Lya Luft escreveu: “E que o mínimo que a gente faça seja, a cada momento, o melhor que se conseguir fazer.” Sim. Que o melhor seja feito dentro das possibilidades existentes. E que novos horizontes ampliem as possibilidades para que mais bem feito ainda possa ser feito adiante.

Os perfeccionistas de plantão sabem que não dar conta de fazer o que se quer, da forma como se deseja, dói. E as vezes não é pouco. Uma sensação de impotência pode brotar de forma mais simples do que um pé de feijão que nasce do caroço deixado no copo com algodão úmido. (Aliás, aqui vale uma digressão...saudosos tempos em que fazíamos experiências como essa e víamos o milagre acontecer sob nossos olhos.)

São muitos os relatos de pessoas que se sentem constantemente exaustas e sobrecarregadas e muitas vezes a razão disso reside justamente no acúmulo de tarefas que pretendem desempenhar de forma impecável. É seguro afirmar que pessoas com esse perfil podem aliar a satisfação pelo desempenho escorreito de suas funções na vida com uma bagagem pesada de cansaço.

E o bonito dessa história é perceber que ainda assim, continuam se esforçando para honrar os compromissos assumidos da melhor maneira com que podem fazer. Dando o melhor de si, não param de descobrir caminhos de expansão interna. Vem o prazer da satisfação, do mérito plantado pelo esforço. O movimento é de dentro para fora e não o contrário. Quanta gratidão das pessoas é colhida pela doação do melhor que se pode oferecer e fazer pelo outro? A felicidade que dessa experiência advém é algo que não tem como valorar.

Mas o ponto curioso, a meu ver, é que ser “certinho”, além de rótulo esquisito, virou tratamento pejorativo, quando não adjetivo empregado com intuito de desmerecer alguém. Chegar na hora do compromisso passou a ser estranho. Cumprir prazos. Dedicar-se para alcançar os objetivos estabelecidos. Olhar para o outro. Ajudar as pessoas, então! Virou coisa de gente chata e fora do padrão.

Em um momento de tanta fluidez, tempo corrido, agendas lotadas, demanda social, interação, inchaço nas relações, ser pessoa cumpridora das regras que ainda assim se esforçam para priorizar o comprometimento, não deveria ser elogio?

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Robotização de gente

sexta-feira, 02 de abril de 2021

Se me permitirem falar mais do mesmo, repetir aquilo que já foi dito e escrito e publicado, o farei. Não dá para trabalhar com o trabalho e ignorar o quão sacrificante pode ser o roteiro da vida laboral para todos os envolvidos na produtividade nas mais diversas áreas. Escrevo com a imagem de um profissional da saúde ao fundo. Esgotado, apático, cabisbaixo. Imagem de corroer mesmo. Não está sendo fácil para eles.

Se me permitirem falar mais do mesmo, repetir aquilo que já foi dito e escrito e publicado, o farei. Não dá para trabalhar com o trabalho e ignorar o quão sacrificante pode ser o roteiro da vida laboral para todos os envolvidos na produtividade nas mais diversas áreas. Escrevo com a imagem de um profissional da saúde ao fundo. Esgotado, apático, cabisbaixo. Imagem de corroer mesmo. Não está sendo fácil para eles. Imagine, seu existir doado a cuidar de pessoas e salvar vidas em condições inóspitas sendo atrapalhado pelo som da festa clandestina que acontece ao lado do hospital em que trabalha? Dias e noites ouvindo sobre dor, aliviando dor, vivenciando dor, com o rosto marcado por equipamentos de proteção e as mentes pela situação de terror da qual não podem fugir. Já imaginou?

Façamos o exercício de colocarmo-nos no lugar também dos profissionais exaustos da linha de frente enfrentando o vírus cara a cara enquanto vê imagens das praias lotadas, de aglomerações ilegais, de gente questionando até mesmo a necessidade de usar máscaras. Doeu em você? Porque em mim dói de verdade.

Somos máquinas? Essa é uma pergunta que pode ser respondida por cada um de nós. Às vezes sinto que os indivíduos estão sendo robotizados sem nem perceberem. Máquinas novas interessantes essas. Que de novas não têm nada, mas estão sendo revisitadas, recebendo uma releitura “à la 2021”. A potência é boa, produzem bastante, apresentam resultados e até pensam. Que maravilha. Não tem a ver com inteligência artificial, é gente de verdade. Esse aparato super moderno é humano. Se adapta às mais variáveis circunstâncias, é flexível, multitarefas, inovador, apresenta ideias, as executa, faz reparos e prospecções futuras. Pensa, sente e até se emociona.

Às vezes, a máquina perece. Adoece. Sucumbe às dores mundanas, não apresenta a melhor performance, rateia e até para de funcionar. Fala mais do que deve, faz mais do que pode e até reclama. Há que diga que é super econômica, custa muito pouco pelo tempo que trabalha. Há quem pense ser cara demais, afinal de contas, há várias peças custosas agregadas, mais conhecidas como direitos e prerrogativas.

A grande verdade é que os trabalhadores do século 21, essas máquinas da metáfora, são essenciais ao funcionamento de tudo, embora o incremento da tecnologia agregue possibilidades ao mesmo passo em que tenta substituí-las. Nessa crise inesperada, o maquinário anda oscilante. Parte dele, inclusive, nunca produziu tanto. Outra parte, está sendo descartada, por ser dispensável ou onerosa demais. O “equipamento” humano é subjugado, sobrecarregado, desvalorizado, descartado. Exige-se de gente de carne e osso o que nem máquina faz.

Fato é que deveríamos repensar as estruturas que fazem a máquina funcionar. Tudo funcionar. Não basta a reflexão e preocupação quanto espaços físicos, viabilidades econômicas e o seu bom e produtivo uso. Deve-se, principalmente, considerar sua própria formação, seus cuidados, suas necessidades. Pode parecer difícil para muitas pessoas compreenderem, mas a máquina humana, sente, pensa, necessita, respira. Sente dor. Chora. Padece. Sucumbe. Se dói por inteiro. E pasme: tem limite. Isso mesmo. Precisa de descanso. Precisa suprir necessidades básicas. Sinto informar, mas esse “maquinário novo”, nem máquina é. Nosso planeta ainda não é habitado por robôs. Não percamos – ainda mais! - a noção disso.

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Como uma onda

sexta-feira, 26 de março de 2021

Mesmo quando a maré está mansa, não significa que mansa para sempre permanecerá. Basta o sopro do tempo, o rebolar das correntezas, a inspiração da deusa do mar e as ondas vêm. É o movimento natural. Não existe maré calma eterna. Existe vai e vem da natureza, reboliço dos ventos, e logo a onda vem. Nós não escolhemos seu tamanho, não dimensionamos seu perigo, nem prevemos sua velocidade.

Mesmo quando a maré está mansa, não significa que mansa para sempre permanecerá. Basta o sopro do tempo, o rebolar das correntezas, a inspiração da deusa do mar e as ondas vêm. É o movimento natural. Não existe maré calma eterna. Existe vai e vem da natureza, reboliço dos ventos, e logo a onda vem. Nós não escolhemos seu tamanho, não dimensionamos seu perigo, nem prevemos sua velocidade. Elas chegam e nossas escolhas passarão por estarmos dentro ou fora do mar, condicionarmos nosso fôlego, aprendermos a nadar, aguçarmos nossa sensibilidade para identificarmos eventual perigo, domarmos o espírito aventureiro, ou controlarmos o medo.

A onda pode ser uma marola ou chegar com a força de um tsunami, sei lá, quem vai saber? Seja o que for, precisamos estar preparados para as mudanças que podem acontecer no minuto seguinte da vida. E que podem ser ótimas, mesmo se fáceis não forem.

Gosto de comparar a vida com a natureza, pois ao observarmos carinhosamente essa engrenagem divina maravilhosa, nos damos conta de que somos parte de tudo isso e não seus senhores soberanos. Encarar desafios pode ser um treinamento grandioso de superação. Há um enorme prazer embutido nesse exercício contínuo superarmos a nós mesmos. Quão sem graça seria a existência se a vida fosse um marasmo contínuo do início ao fim. Bom, tenho que isso sequer seria uma opção já que querendo ou não, o dia a dia é repleto de novos desafios.

Por que não acolher cada um deles como uma nova chance, uma oportunidade premiada, um grande negócio a ser feito ? Transformar o medo pelo novo por motivação para seu encontro pode ser transformador. Ao invés de vislumbrarmos a muralha amedrontadora que pode estar por vir, podemos escolher avistar o belo oceano na condição mais linda que o Universo pode ofertar.

Fácil não é. Mas nossa postura diante de um desafio vai gerar uma energia que pode ser positiva ou negativa, a depender de como estamos acolhendo esse movimento da vida. Abdicações, renúncias, esforço... preparação. Preparar-se para a execução da nova etapa. E durante todo o processo é aconselhável o treinamento do sentimento de gratidão, pois certamente se estamos diante de desafios, é sinal de que estamos vivos e em atividade, o que já merece nosso mais profundo agradecimento.

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Ostentação de verdade

sexta-feira, 19 de março de 2021

Simplicidade hoje em dia é ostentação. Ausência de complicação. Desnecessidade de dificultar as coisas. Capacidade em atribuir valor àquilo que muitas vezes não tem preço. Apreciar um pôr do sol, por exemplo. Respirar o ar puro do campo. Conversar com pessoas que têm estórias para contar. Contemplar uma árvore, comer um bom arroz com feijão, receber um abraço de uma pessoa querida, desinteressada, que só deseja a partilha do afeto, fazer uma caminhada, dormir em paz, com a consciência tranquila e deleitar o bom sono dos justos.

Simplicidade hoje em dia é ostentação. Ausência de complicação. Desnecessidade de dificultar as coisas. Capacidade em atribuir valor àquilo que muitas vezes não tem preço. Apreciar um pôr do sol, por exemplo. Respirar o ar puro do campo. Conversar com pessoas que têm estórias para contar. Contemplar uma árvore, comer um bom arroz com feijão, receber um abraço de uma pessoa querida, desinteressada, que só deseja a partilha do afeto, fazer uma caminhada, dormir em paz, com a consciência tranquila e deleitar o bom sono dos justos.

Viver de forma simples é absolutamente compatível com uma vida próspera e bem sucedida. É a minha opinião. Aliás, há quem só se sinta no ápice de suas conquistas quando encontra tempo em suas agendas para se aproximar do que há de mais simples e sofisticado que pode haver: a natureza. Natureza das coisas e natureza das pessoas. Essência dos seres.

Talvez estejamos complicando demais. A realidade já anda difícil por si só. Por mais que busquemos a paz interior e um estilo de vida compatível com as mais valiosas virtudes, somos partes de um todo que está desintegrado, problemático, adoentado. Não há como negar. Somos linhas que compõe esse emaranhado complexo, razão pela qual a busca pelo eixo da simplicidade nos reconecta de alguma maneira com aquilo que traz a verdadeira felicidade.

Muitos confundem uma vida simples com uma vida desprovida de condições básicas de existência, o que não é uma verdade absoluta. E é justamente esse ponto que me encanta. Batalhar, crescer, viver em harmonia com o ambiente, prosperar honestamente e ainda assim não precisar complicar tudo para sentir o preenchimento de coisas que não são úteis, não são necessárias, não trazem conforto e nem felicidade. E ainda assim sentir extrema felicidade em poder acompanhar um caminho de formigas no chão. Em ter tempo para preparar bolinhos de chuva no entardecer. Em ouvir cigarras cantando. Em ler um livro.

Sinto um imenso prazer quando troco sorriso sincero com alguém, quando percebo que as pessoas com quem interajo saem melhores do ambiente quando nos encontramos. Maior satisfação sinto ainda quando é a minha tristeza que se esvai pela presença do outro. Mas nada supera a alegria de ver quem amamos sorrindo de verdade. Quando eu observo de verdade, no meu ciclo de convívio, percebo nitidamente que os momentos mais felizes são puramente simples, que as pessoas que ostentam um sorriso real no rosto têm uma maneira de encarar a vida de forma descomplicada. Normalmente, gente que dá valor à essência da vida. Acho deveras maravilhoso.

Definitivamente, para mim, com tantos excessos, materialismo e egoísmo, viver de forma genuinamente simples é um baita luxo.

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Vozes políticas

sexta-feira, 12 de março de 2021

Por ora optei por me abster de discutir sobre política nesse momento. Está certo que não tenho gosto para discussões. Não quer dizer que não pense sobre. Pelo contrário, creio que tudo é político. A forma como se vive é uma escolha em essência política. Já falei sobre isso por aqui. A cabeça esquenta, os nervos saltam e é necessário fazer o exercício constante de autoconsciência para não esquecer de que o pensamento é livre, que devemos respeitar opiniões diversas (e adversas), que cada um tem sua base e vivências próprias e que muitos sequer sabem o que dizem.

Por ora optei por me abster de discutir sobre política nesse momento. Está certo que não tenho gosto para discussões. Não quer dizer que não pense sobre. Pelo contrário, creio que tudo é político. A forma como se vive é uma escolha em essência política. Já falei sobre isso por aqui. A cabeça esquenta, os nervos saltam e é necessário fazer o exercício constante de autoconsciência para não esquecer de que o pensamento é livre, que devemos respeitar opiniões diversas (e adversas), que cada um tem sua base e vivências próprias e que muitos sequer sabem o que dizem. Ao mesmo tempo, tenho a plena certeza de que falar sobre política, se interessar pelo assunto, traçar diálogos, expor fragilidades, apresentar soluções e debater formam um caminho extremamente importante tanto no processo de evolução social quanto no democrático.

Aquela expressão “dar murro em ponta de faca” tem sido vivificada a cada instante. Não se convence uma pessoa radical expondo simplesmente um discurso antagônico. Se um estranho pensa diferente de mim, por que vou achar que é minha opinião quem vai convencê-lo de que a certa sou eu? Quanta pretensão. Se a divergência está dentro de casa, adianta discutir, brigar com pessoas queridas para impor uma verdade que não é unânime?  Certo e errado. Bem e mal. Tudo é muito relativo. Depende do ângulo. Depende da formação. Depende de fatores que levam uma vida para serem construídos. Depende de valores éticos e morais, experiências pretéritas, projetos futuros, conhecimento de causa.

Por um lado os debates retratam uma esperança. O povo está atento. Os cidadãos acordaram, entenderam seu poder. A vontade de melhorar o país está tomando as ruas. A democracia está sendo defendida em amplos campos. A importância disso é inquestionável. Por outro lado, estamos vivendo tempos em que muitas pessoas estão com sangue nos olhos, semblante sombrio, sentimento de raiva, uma necessidade veemente de se impor, de expressar sua ira, de tirar o véu do respeito e invadir o livre arbítrio do outro de forma grosseira, ofensiva, impositiva. Ando vendo pessoas transfiguradas, exalando fúria e disparando uma metralhadora de informações desconexas, agressivas e muitas vezes mentirosas. Isso assusta. E eu indago se isso é saudável.

Às vezes tenho vontade de dizer para algumas pessoas que pensem em sua saúde. Que ódio faz mal de verdade. Que o processo eleitoral acirra os ânimos, é extremamente valioso mas que os embates saudáveis podem ser mais eficientes. E inteligentes. E ainda preservam as relações. Pergunto sinceramente: alguém muda de opinião quando outra pessoa impõe sua verdade de maneira radical? Creio que para muitas pessoas essa metodologia funcione. Mas para mim, essa tática é vã. Chover no molhado, sabe? Dispêndio de energia. Me convença com argumentos, com propostas claras, com um ponto de vista bem estruturado, com uma opinião sincera, com uma postura respeitosa em relação aos adversários. Me ajude a sentir esperança em um futuro melhor, a crer de verdade que esse processo pode significar alguma mudança. Me apresente programas, me conte sobre feitos, contribua de forma coerente para a formação de minha opinião. Pois do contrário, não perca seu tempo. Não me convenço por falas cheias de rancor, por discursos dicotômicos, pelo dedo enfiado na ferida aberta das pessoas. Desconfio de radicalismos. Esmoreço com inflexibilidade, com pensamentos que não mudam, com falas desacompanhadas de ouvidos.

Por fim, devo dizer que apesar do uso da primeira pessoa do singular nesse texto, não falo de mim propriamente. Não sou eu. Quero dizer pelos tantos que estão optando por essa postura quase incomum de se abster de falar (e não de pensar, obviamente) nesse momento. Desejo expressar que tal conduta também é genuína. E deve ser respeitada. Aliás, o voto é secreto.

A participação política é muito mais ampla do que o posicionamento explícito. Os eleitores não são obrigados a contar ao mundo qual a escolha feita sob pena de serem rotuladas por adjetivos esquisitos. Há diversas formas de se ter postura ativa no processo democrático. Há maneiras de gritar a insatisfação sem usar propriamente a voz. Há vozes que não falam. Vozes que são atos, práticas, manifestações outras que podem ser também muito eficientes. Vozes que são o dia a dia, o pragmatismo, a postura. Não entrar no embate pode ser uma estratégia inteligente de autopreservação que em nada desmerece aqueles que livremente fazem essa opção.

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Metáforas

sexta-feira, 05 de março de 2021

Disseram-me que prazos são uma "coisa chata". Que melhor seria viver sem tê-los, sem cumpri-los, sem que sequer existissem. De certo, concordei. Liberdade, pensei. Fazer o que quiser, da forma como pretender, no momento que entender adequado. Mas em sequência, retruquei: teríamos maturidade e responsabilidade suficientes para convivermos em uma sociedade moderna dessa maneira? Prazos perturbam ao mesmo passo que nos lembram dos limites, das regras, das tarefas que devemos desempenhar. Compromisso. Prazo tem a ver com isso.

Disseram-me que prazos são uma "coisa chata". Que melhor seria viver sem tê-los, sem cumpri-los, sem que sequer existissem. De certo, concordei. Liberdade, pensei. Fazer o que quiser, da forma como pretender, no momento que entender adequado. Mas em sequência, retruquei: teríamos maturidade e responsabilidade suficientes para convivermos em uma sociedade moderna dessa maneira? Prazos perturbam ao mesmo passo que nos lembram dos limites, das regras, das tarefas que devemos desempenhar. Compromisso. Prazo tem a ver com isso. Conviver com a ideia de que o tempo passa e que não podemos procrastinar. E que se o fizermos, arcaremos com as devidas consequências. Cumprir prazos pode ser por vezes desagradável, mas não desnecessário.

Esse diálogo trouxe a lembrança de uma explicação interessante que certa vez ouvi de um professor em uma aula de geopolítica, correlacionando o desenvolvimento econômico de um país com o seu clima, oportunidade que indagou: em um país tropical como o Brasil, alguém que more em frente à praia tende a preferir passar seus dias de folga estudando filosofia? Lendo Machado de Assis? E a resposta foi: os fortes escolherão os livros. E o contra-argumento imediato de um colega foi: e os felizes optarão por viver – como se dissesse que vivem aqueles que degustam do que a generosa natureza tem a oferecer.

Esse pequeno espectro por si só originaria uma série de discussões filosóficas e existenciais. Por que só os "fortes" gostariam de estudar? Qual a definição de força? Por que viver significaria ir para à praia? O que é felicidade?  E o que isso tem a ver com o clima de onde vivemos? E qual a correlação de tudo isso com os prazos a cumprir, a procrastinação e o tempo que não cessa?

Viver não deixa de ser uma habilidade de conviver com muitos pontos de interrogação sem respostas para todas as perguntas. Ainda assim, vale viver a buscar caminhos para encontrá-las. Mas não tem respostas prontas, certo e errado. Acho que vou parar por aqui. Não porque eu não tenho o gabarito dessas questões. Não porque eu realmente seja o tipo de pessoa que verdadeiramente gosta de prazos, da adrenalina da agenda cheia e da satisfação do dever cumprido. Não por isso. Não porque a ponta do novelo de lã se perdeu no emaranhado dos pensamentos. Não porque o comentário de hoje cedo a respeito dessas questões que envolvem os “prazos para tudo na vida” tenha me feito imaginar um cidadão em frente à praia de Ipanema em um sábado de folga ensolarado lendo Nietzche. Não porque percebo que me transformei em uma máquina de metáforas sobre a vida. E que está confuso.

Na verdade, enquanto divago sobre isso, o fio de lã continua completamente perdido no novelo arrevesado e corre contra mim um relógio que não para e prazos que não esperam.

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Cancelamento

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Eu tenho uma proposta a fazer. Não serei a primeira e muito menos a última pessoa a fazê-la. É tecnicamente simples, porém de aplicação rara. O treinamento é o seguinte: ponha-se no lugar do outro. Esse é o primeiro passo. Em sequência, reflita: eu gostaria que fizessem comigo o que eu faço com ele ?

Eu tenho uma proposta a fazer. Não serei a primeira e muito menos a última pessoa a fazê-la. É tecnicamente simples, porém de aplicação rara. O treinamento é o seguinte: ponha-se no lugar do outro. Esse é o primeiro passo. Em sequência, reflita: eu gostaria que fizessem comigo o que eu faço com ele ?

Parece bobo. E é. Mas não é. Uma antítese caprichada. Deveria ser algo corriqueiro, simplório. No entanto, quase não vemos mais esse tipo de pensamento por aí. Basta observarmos quantas pessoas são vítimas do tal “cancelamento” diariamente no país. É algo inconcebível. Nossa sociedade carece tanto de empatia que convivemos com pessoas que são capazes de empregar um real esforço e alguma energia em prejudicar a vida alheia, em achincalhar um terceiro, agredir de forma intencional, repetitiva, discriminar, ferir, prejudicar alguém nesse nível e sem razão alguma. É realmente difícil entender que o “bicho homem” continue sendo capaz disso até hoje.

Tudo é tão claro, somos suficientemente munidos de informações e bom senso para termos o discernimento de que a prática do bullying, do cancelamento, da rejeição de pessoas, pode gerar consequências inimagináveis, pode macular as profundezas da alma de alguém, marcar negativamente sua existência, provocar dor à família, quando não resulta em conflito ou tragédia. Sabemos de tudo isso. Sobra noção dessa realidade. Creio que as pessoas estão plenamente cientes do mal que fazem às outras. Acho que o que falta é amor.

Alguém que faz bullying, que aponta dedos, que exclui o outro sem dó e empatia certamente é alguém que não quero que componha o rol seleto do meu coração. Não quero ter como amigo. Dispenso sair para um café. Prefiro optar partilhar essa vida única com aqueles que optam por emanar compaixão, que disparam coisas boas por aí, que se unem às minorias, que defendem essas vítimas cotidianas da irresponsabilidade alheia. Gente que “joga” com o amor. Que não desperdiça oportunidade de fazer pessoas felizes. Que estende as mãos. Que acolhe com um abraço. Que se esforça dia após dia para ser alguém melhor, que saiba ouvir mais, que procure ser mais paciente. Que partilhe coisas boas ao invés de juntá-las e acumulá-las em um mundo fechado e restrito. Gente que batalhe contra o próprio egoísmo. Gente que prefira dizer coisas boas. Ser do bem. Que não maltrata, não isola, não se omite, não ofende. Que realmente não carrega no coração a intenção de fazer mal a alguém.

Não é sobre bullying. Sobre cancelamento de seres humanos em si. É sobre amor no coração, amor pelo próximo, amor e compaixão, amor e empatia, amor e respeito. Que eu seja sempre a mão estendida para aqueles que sofrem e jamais a que lança maldades ao vento. Que eu consiga ser essa gente do bem que espero ter ao meu lado por toda vida.

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Caminhos

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Ele resolveu investir em si mesmo. Pensou sobre como começar. Resolveu, então, traçar o ponto de partida a começar por suas reflexões. Quis pensar na estratégia. Tentou entender-se. Inevitável. Autoconhecer-se antes de tudo. Como se diz, para quem sequer sabe aonde chegar, qualquer lugar pode ser o destino. Ele queria caminhos. Mergulhou, então, no universo quase desconhecido de saber mais sobre o que deveria saber. Atentou-se em buscar o que queria fazer. Esbarrou no desconhecimento sobre quem ele era. Enganou-se por subestimar a profundidade de seus anseios.

Ele resolveu investir em si mesmo. Pensou sobre como começar. Resolveu, então, traçar o ponto de partida a começar por suas reflexões. Quis pensar na estratégia. Tentou entender-se. Inevitável. Autoconhecer-se antes de tudo. Como se diz, para quem sequer sabe aonde chegar, qualquer lugar pode ser o destino. Ele queria caminhos. Mergulhou, então, no universo quase desconhecido de saber mais sobre o que deveria saber. Atentou-se em buscar o que queria fazer. Esbarrou no desconhecimento sobre quem ele era. Enganou-se por subestimar a profundidade de seus anseios.

Certo estava de prosseguir. Por instante sentiu-se em um beco sem saída, percurso sem volta. Mas decidiu se conhecer melhor, afinal, seria ele próprio o destinatário de todo o investimento projetado, não poderia apostar todas as fichas no desconhecido. Não queria ser a “zebra” da própria vida. Estava disposto a afundar, se preciso fosse. Resistiria de toda forma. Estava esperançoso por descobrir as asas imaginárias que o possibilitassem voar. Já amava o voo (tanto quanto a metáfora).

Nesse processo, como investidor, percebeu que seus lucros seriam maiores se cuidasse muito bem do seu principal patrimônio, a que apelidou de templo. Referia-se à sua própria saúde. Ao seu corpo físico, mental, espiritual. Concluiu que a mola mestra da máquina, sua mente, estava mal da engrenagem. Enferrujada, em mal estado de funcionamento. Seria ela o início do processo. Começou a aplicar em seus cuidados. O retorno foi rápido. Estava certo de seu propósito e prosseguiu. O equilíbrio pretendido passava pela reforma interior e exterior. Mãos à obra. Logo percebeu que deveria concentrar em si os esforços da reforma, pois só ele se empenharia no nível desejado e conhecia bem o projeto.

Feliz com o resultado, templo em equilíbrio, resolveu transmutar seu olhar sobre o mundo e sobre o outro. Fomentou práticas altruístas e quanto mais útil ao bem do próximo se tornava, mais se deparava com uma sensação até então inédita, que começou a desconfiar que fosse a tal felicidade. Ao olhar-se no espelho, o semblante ranzinza cedia espaço para um sorriso leve que despertava até uma vontade estranha de continuar sorrindo.

Decidiu incrementar suas habilidades. Investir em conhecimento, aprimorar suas habilidades mais técnicas, ler bons livros, priorizar contatos com pessoas a quem admirava. Foi certeiro. O retorno veio à galope. E quanto mais cuidava do seu templo e desenvolvia suas habilidades, mais satisfeito estava por ter feito um bom negócio.  Mudou até seu conceito de riqueza. Sentiu-se detentor de um super poder, voltou a acreditar em si, enxergou seu potencial e percebeu-se habitante de um belo templo, cujas energias sentia-se de longe. Renasceu. Foi o melhor investimento de sua vida.

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Diz o céu

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

“ – Moça, que céu é esse?” Ouço, paro e, por dois segundos, penso se ela falou comigo. Ao perceber que sim, fico sem resposta. O que tem o céu? Noto que havia me esquecido de olhar para lá. Não poderia descrevê-lo naquele momento. Não saberia fazê-lo. Que descuido o meu. Logo eu que venho tentando centrar no momento presente. Concentrar. Degustar cada oportunidade de apreciar a natureza. Isso, a natureza. O céu e tudo o que tem nele. Eu deveria tê-lo admirado.

“ – Moça, que céu é esse?” Ouço, paro e, por dois segundos, penso se ela falou comigo. Ao perceber que sim, fico sem resposta. O que tem o céu? Noto que havia me esquecido de olhar para lá. Não poderia descrevê-lo naquele momento. Não saberia fazê-lo. Que descuido o meu. Logo eu que venho tentando centrar no momento presente. Concentrar. Degustar cada oportunidade de apreciar a natureza. Isso, a natureza. O céu e tudo o que tem nele. Eu deveria tê-lo admirado.

Logo eu, não saberia quais as cores do céu! Daquele céu. Parei, olhei. O que tinha de diferente lá em cima? Até agora não sei. O céu estava cinza. Com cara de chuva. Se chovesse, eu seria pega desprevenida. Novamente: que descuido o meu. O dia clareou e a noite estava prestes a chegar e eu sequer percebi, nesse interregno de tempo do dia inteiro, se o sol havia aparecido para desejar um lindo dia antes de ser encoberto pelas nuvens pesadas.

Talvez a chuva naquela hora fosse uma boa providência para lavar a alma. Mas nem isso eu podia. A pressa é demais. Rotina que segue. Dor de cabeça dando as caras. Como aos olhos dos atentos, nenhum sinal do propósito perseguido passa despercebido, pude aproveitar a noite extasiada com a presença da frondosa lua cheia. Foi ontem. Foi lindo. Salvou o meu dia.

Amanheceu. Que belo dia. Recomeçou o ciclo. A vida acontece agora. Nova oportunidade. Dessa vez o “bom dia” foi dado pela janela, para frente e para cima. Sem telas. Sem mensagens. Sem cores artificiais. Eram seis da manhã. O céu já dava os sinais. Dia lindo. A vibração é outra. Energia em alta. A xícara de café sobre a bancada da varanda e os olhos focados em tudo o que era verde. Assim começou. Em meio a todas as múltiplas e muitas tarefas, pude perceber o presente que veio do céu. E assim o acompanhei até que o final de tarde nos contemplasse com o céu rosa. Literalmente. Pareceu um presente. Foi um presente. Foi hoje. E está sendo. A lua lá fora espelha a perfeição desse universo infinito e misterioso que não deve deixar de ser notado e contemplado todos os dias.

Tenho a sensação de que se aquela senhora cruzasse pelo meu caminho na rua nesse instante e me fizesse a mesma pergunta, eu saberia descrever o céu azul da manhã, as nuvens que passearam por lá ao meio dia, o entardecer avermelhado e deslumbrante e o exato formato com que a lua brilha nesse instante. Para quem anda atento, todo sinal é uma oportunidade de melhora. Provavelmente, se tivesse a oportunidade, agradeceria pela pergunta cotidiana. Sem querer, mudou meu dia.

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Coisa de energia

sexta-feira, 05 de fevereiro de 2021

Tudo estava empoeirado. Parecia não existir ninguém ali, aliás, parecia que ninguém trabalhava, conversava, tomava uma xícara de café ou lia um livro naquele ambiente. Era até difícil imaginar o tanto de decisões que poderiam ter sido tomadas naquela sala de reuniões ou a troca de olhares entre os anfitriões. Nas caixas havia sinais de que alguém passara por ali; havia folhas brancas, novas, entre as amareladas e gastas pelo tempo. Nas prateleiras, tesouros em forma de livros novos dividiam espaço com as “relíquias” do século passado.

Tudo estava empoeirado. Parecia não existir ninguém ali, aliás, parecia que ninguém trabalhava, conversava, tomava uma xícara de café ou lia um livro naquele ambiente. Era até difícil imaginar o tanto de decisões que poderiam ter sido tomadas naquela sala de reuniões ou a troca de olhares entre os anfitriões. Nas caixas havia sinais de que alguém passara por ali; havia folhas brancas, novas, entre as amareladas e gastas pelo tempo. Nas prateleiras, tesouros em forma de livros novos dividiam espaço com as “relíquias” do século passado. Sim, o século passado estava logo ali – deu-se conta de que ele próprio já era uma antiguidade de outra época.

Tomado por uma curiosidade de entender aquele local, prosseguiu, afinal de contas, passaria lá todos os seus dias, quando não algumas noites. Avistou um computador que chamaria de seu muito em breve. Imaginou se teria internet, acesso aos programas dos quais precisava para trabalhar e lembrou-se da necessidade de abrir sua caixa de e-mail. Aproximou-se, viu uma luz acesa no equipamento abaixo e respirou aliviado por não ser o único por ali.

 Percebeu, então, a escuridão a que estava submerso. Sentiu a energia presa, uma angústia no peito, a sensação de que aquilo era estranho, feio, sem vida. Pôs-se a refletir em como mudar, recomeçar, dar novo sentido e reescrever aquela história. Sabia que o trabalho seria grandioso, mas não havia como fugir, vez que aceitara a missão e era homem de palavra. E mais, queria realmente fazer da lagarta a borboleta e ser o promotor daquela metamorfose antinatural.

 Luz! Era isso. Queria que a luz entrasse e fizesse morada por entre aquelas prateleiras, passando pelas janelas que percebeu serem bem grandes e se instalando por ali como o dono de tudo. Que simples. Correu para o interruptor e acendeu as luzes, algo que tragado pela energia sombria do local esquecera-se completamente de fazer. Ufa, melhorou. Abriu as janelas, deixou o vento circular e recebeu da natureza uma brisa especial. Providenciou uma limpeza de tudo. Contou com ajuda, mas arregaçou as mangas e propôs-se a promovê-la. Foi um processo lindo.

Enquanto limpava tudo aquilo, percebeu que purificava ao mesmo tempo a sua própria alma. Colocou flores por todos os cantos, fez um café tão caprichado que seu cheiro espalhou-se por tudo. Os livros em ordem. Poltronas prontas a convidar o próximo leitor. O chão com o brilho que merecia. Viu beleza naquele lugar. Sentiu desejo de ali ficar, motivou-se a trabalhar, quis receber pessoas, recomeçar. Sentiu que a transformação se deu também em seu interior. Recomeçaria em outro nível, com outra energia e daria seu melhor com menos esforço e mais alegria. Pronto. A luz entrou.

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