Flor engasgada

Paula Farsoun

Com a palavra...

Paula é uma jovem friburguense, advogada, escritora e apaixonada desde sempre pela arte de escrever e o mundo dos livros. Ama família, flores e café e tem um olhar otimista voltado para o ser humano e suas relações, prerrogativas e experiências.

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Sabe quando a gente engasga e não consegue dizer o que deve ser dito? De tanta coisa a ser pronunciada, refletida, expurgada de dentro da gente, parece que uma boca apenas não dá vazão? Pois então, a metáfora serve para ilustrar o que muitas de nós, mulheres, sentimos a cada crime cometido contra uma de nós, a cada covardia que nos inibe, nos mutila, nos agride moral e fisicamente. A cada vez que tentam nos calar e a cada vez que conseguem fazê-lo. A sensação é de impotência, de tristeza e de um monte de outras coisas.

Contudo, os tempos são outros e em pleno século 21, estamos mais despertas, mais fortes e mais unidas. E essa potência pode e deve fazer toda a diferença na rede de apoio de umas com as outras. E tem tudo para ser uma força propulsora de mudança em nossa sociedade, para melhor.

Algumas vezes já escrevi por aqui sobre sororidade. E peço aos leitores, licença, mais uma vez, para abordar o tema. Porque ele deve ser repetido, relembrado, enfrentado, refletido e propagado. Mais mulheres estão sendo vítimas das pessoas em quem mais deviam confiar na vida. Aquelas pessoas que lhes prometeram "amar e respeitar, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, por todos os dias de sua vida."

Aconteceu em nossa cidade há um mês. E não podemos normalizar a barbárie. Mais um caso estarrecedor de violência contra todas as mulheres que traz à tona discussões acerca do feminicídio e nos relembra que uma parcela significativa do que entendemos por humanidade está carente justamente de humanidade. Mais covardia, maus tratos e violência de todas as ordens que nos saltam aos olhos e nos provocam mais tristeza e comoção.

Fica outra vez evidente que o agressor não necessariamente tem "cara de mau" e sangue visível nos olhos. Não está apenas nos becos escuros dos quais aprendemos a fugir desde a infância. Não transparece sua pior versão no primeiro encontro. Ele pode estar cruzando com você pelas ruas. Morar em seu condomínio. Frequentar os mesmos restaurantes. Cumprimentar no trabalho. Participar do seu seleto grupo de amigos.  Pode estar dentro do lar, dividindo a cama com você. E essa realidade aterrorizante pela qual tantas mulheres passam é absolutamente assustadora sobretudo e por razões óbvias, para as outras mulheres.

O impacto foi generalizado. Muitas de nós, absolutamente estarrecidas e compadecidas, concluímos que o inimigo pode mesmo morar ao lado e que não podemos nos calar. Quantas mulheres e homens são vítimas cotidianas da violência de homens? Não se trata de um sexismo às avessas. É realidade nua e crua, nítida aos olhos de qualquer um que queira enxergar. Muitas mulheres são agredidas por serem mulheres. Mortas por serem mulheres. E os ataques à integridade física e moral podem ser- e são!- degradantes.

Os atos de hostilidade e as provocações não resultam sempre no fim da vida delas. Felizmente. Mas deixam marcas e feridas abertas em sua identidade que deveriam nos envergonhar enquanto sociedade. Nossa omissão merece nos penalizar internamente por cada vez que pudemos ser úteis para ajudar alguém e não o fizemos por qualquer razão.

Precisamos falar sobre sororidade, sobre o sentimento de empatia que deveria impregnar a cada uma de nós e sobre a união entre as mulheres que podem ser a aliança de que muitas precisam para terem força e caminho para e reerguerem e se libertarem. Em proporção ainda maior do que tem sido propagada a sororidade, ela tem que ser sentida. E praticada. A união faz a força, sim. Que consigamos desengasgar nossas flores. Em paz. #nuncafoisurto

Publicidade
TAGS:

Paula Farsoun

Com a palavra...

Paula é uma jovem friburguense, advogada, escritora e apaixonada desde sempre pela arte de escrever e o mundo dos livros. Ama família, flores e café e tem um olhar otimista voltado para o ser humano e suas relações, prerrogativas e experiências.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.