“Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela chupou displicente, mas… percebendo que faltam poucas, rói o caroço. Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. (...)”
“Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela chupou displicente, mas… percebendo que faltam poucas, rói o caroço. Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. (...)”
Assim começa o texto “O tempo e as jabuticabas”, de Rubem Alves, que tanto admiro. É impressionante como os textos dele falam por mim. Não que eu imagine que já vivi metade da vida, porque minha mente tem por subterfúgio imaginar a vida eterna e se esquivar de pensar na efemeridade da existência. Contudo, também já não tolero gabolices e sinto que em meu tempo já não cabem desperdícios vaidosos e vãos.
Evito me colocar em uma contagem regressiva, mas a verdade é que o tempo não volta e o relógio só anda para frente. O que fazer diante dessa realidade senão aproveitar todo tempo do mundo que nos resta? Uma fórmula infalível ao priorizarmos o que fazer diante da infindável lista de tarefas é pensar se nossa próxima ação vai ser positivamente útil para alguém ou para a humanidade ou se ela traz felicidade. Usar esse critério pode auxiliar em algum direcionamento, embora não resolva nossas questões desde as mais simples às mais profundas.
O tempo está passando e queremos tudo da vida. Desejamos a boa sorte, o sucesso em todos os aspectos, o amor profundo, a Prosperidade com p maiúsculo, a saúde plena, a realização profissional, o casamento feliz, a família perfeita, a viagem ao redor do mundo, a fonte da juventude. Conforme a vida vai passando vamos constatando que não dá tempo de ser tudo o que sonhamos (muito não por nossa escolha), que os dias terminam sem que executemos todos os nossos afazeres, que a lista de pendências é uma espiral crescente infinita. Alguns de nós, sabiamente, se dão conta de que querendo ou não, escolhas sobre prioridades são feitas todos os dias, só que elas podem ser conscientes.
E assim, é possível bancar a opção de saber dizer “não” para muitas situações e “sim” para outras tantas, de sustentar um modo de vida em que o tempo seja prioridade e que tê-lo livre ou destinado para o que nos seja crucial é um luxo merecido que todos podemos ter. Viver a vida é fundamental, viver mesmo, não apenas existir. Na minha concepção, há uma correlação entre o viver de verdade e o ser de verdade, na essência de tudo.
E “o tempo e as jabuticabas” conclui por mim: “(...) Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: ‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa… Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos , não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado do que é justo. Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo. O essencial faz a vida valer a pena.”
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