Blog de paulafarsoun_25873

Jardim

sexta-feira, 18 de junho de 2021

A grama do vizinho é realmente mais verde que a nossa? Por que tanta gente acha que os sonhos realizados pelo outro são mais fáceis de serem alcançados? Que na casa dos outros não tem bagunça, que o casal lindo que vemos pelas fotos das redes sociais não tem desafios constantes, contas a pagar? De onde o ser humano tira a ideia de que o melhor está lá e não aqui?

A grama do vizinho é realmente mais verde que a nossa? Por que tanta gente acha que os sonhos realizados pelo outro são mais fáceis de serem alcançados? Que na casa dos outros não tem bagunça, que o casal lindo que vemos pelas fotos das redes sociais não tem desafios constantes, contas a pagar? De onde o ser humano tira a ideia de que o melhor está lá e não aqui?

Acho que falta gratidão no mundo. Percebo uma zona cinzenta em que um contingente incontável de seres habitam. O dia de hoje está aquém do que deveria estar, e ao mesmo tempo, quando a coisa piora, se percebe que aquele dia estava na verdade muito bom.

Uma comparação constante e massiva com o colega do lado. Uma observação para o que acontece do lado de fora que cega as pessoas para o lado de dentro de seus lares e seus corações. Dá medo. Eu não quero sentir isso e desejo fortemente que não sintam isso em relação a mim.

Muita gente já não se contenta mais em ter saúde e paz. Faltam as fotos maravilhosas de viagens, o príncipe encantado, o melhor emprego, a casa mais frondosa. A vitrine das redes sociais, a meu ver, tem sido um portal para essa ilusão de que a vida do outro é mais feliz que a nossa. Prosperar é lindo. Amar e ser amado é uma dádiva. A realização profissional é uma alegria. Viajar é uma maravilha. O esquisito é o grau de comparação muitas vezes doentio que mingua algumas pessoas. 

Falta gratidão. Só pode ser. A partir do momento em que uma pessoa agradece por tudo o que é, pelo que faz e pelo que possui, a coisa muda de figura. Na verdade, a grama do outro passa a não ter tanta importância. Quando somos gratos pelas oportunidades que temos, pela vida que nos é dada, pela proteção diária, pelas pessoas que nos cercam, conseguimos olhar para o outro com admiração e alegria por suas conquistas. Não com inveja. Não com cobiça.

Se é para olharmos para o outro lado do muro, que seja então para observarmos o tanto de esforço aquele "vizinho" emprega em prol de suas conquistas. E então, nos esforçarmos também. Empenho precede o resultado. Grandes conquistas decorrem de emprego de energia, preparação, renúncias, investimento de tempo etc etc etc. Salvo se a grama do vizinho for sintética, ela requer plantio e cuidados. E ainda que seja sintética, requer possibilidade de compra, que demanda trabalho, dinheiro, prioridade e por aí vai. Não é de graça. Não é à toa. Não somos um amontoado de seres aleatórios em que coisas boas acontecem arbitrariamente para os outros e as ruins, para mim.   

Somos resultado do que fazemos para mudar, para melhorar, para aprimorar. São mesmo dias de luta e dias de glórias. É a vida.

Se o vizinho tem um relacionamento saudável e feliz, o que ele fez por merecer? Felicidade no amor não é para qualquer um. Tem que merecer, deve se dedicar, jogar energia boa para o universo, respeitar as pessoas, ser sincero, acolher o lado bom das pessoas. Não dá para ser um caçador de defeitos, andar com uma lupa para o negativo e encontrar pessoas maravilhosas com quem conviver. Somos todos imperfeitos. Todos. A grama alheia também pode ser. Não se pode julgar pela aparência.

Em tempos de terreno ermo, barreado, cheio de lama, a gente desanima. Mas aí é que temos que buscar aquela força que todos temos e poucos sabemos. A força de dentro. A mola da possibilidade de superação e realização.

Falar é fácil, exercer essa ideia é mais difícil. Eu sei. Mas não subestimo nossa capacidade de decidir e perseguir o objetivo. O que eu quero? Ser grata em qualquer circunstância. Amar meu próprio jardim, mesmo quando as ervas daninhas insistirem em castigá-lo. E desejar que o jardim do outro tão garboso quanto eu quero que seja o meu.

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Do bem

sexta-feira, 11 de junho de 2021

Para quem acredita que a sinceridade de um elogio pode ser transformadora, eis uma realidade empírica: quando a intenção que encobre um ato ou palavra é sinceramente positiva, ela é ainda mais renovadora. O elogio pode ser significativamente mais profundo do que a simplicidade da forma, quando impregnado desse sentimento.

Para quem acredita que a sinceridade de um elogio pode ser transformadora, eis uma realidade empírica: quando a intenção que encobre um ato ou palavra é sinceramente positiva, ela é ainda mais renovadora. O elogio pode ser significativamente mais profundo do que a simplicidade da forma, quando impregnado desse sentimento.

Quando somos genuínos nos elogios que tecemos a alguém, aquele sentimento pode ter o poder de tocar a fundo o seu receptor e ser o estímulo do qual ele estava precisando naquele momento. Aquela gota d’água que parece encher o copo quando estávamos olhando para a parte vazia (aquela velha parábola de focar na metade cheia do copo, sabe?). Aquele bem querer manifestado por meio do sorriso certo na hora certa. Aquela vontade de gerar alegria. Aquele afago no ego meio cabisbaixo. Aquele olhar de aprovação em meio a tantos olhares de julgamentos. Aquele carinho na alma que habita um corpo por vezes tão cansado fisicamente. Aquele estímulo que inspira um texto. Aquilo que pode mudar a frequência do dia de alguém, quiçá de sua vida. É disso que estou falando.

Coisas grandiosas nascem a partir de um pequeno protótipo. Se presumirmos o tanto de esforço que alguém precisa desempenhar para fazer algo bem feito, quais são as barreiras interiores que precisam enfrentar, os obstáculos do dia a dia, a falta de uma série de coisas, as dificuldades pessoais, fica mais compreensível a percepção do alcance e do valor do elogio sincero na vida de uma pessoa. Arriscaria a dizer que pode ser um divisor de águas, a motivação na hora certa, o estímulo em meio ao desânimo, o estopim para uma nova ação bem feita.

É o círculo virtuoso, o ciclo do bem. É aquela história, luz que gera luz, gratidão que gera gratidão, energia boa que gera energia boa e por aí vai. Aquele jogo que só de jogar, se ganha!

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Sem dedos em riste

sábado, 05 de junho de 2021

Abaixemos o dedo e não a cabeça. Guardemos em bom lugar nossos dedos apontados para os outros. Mania essa nossa de julgarmos a tudo e a todos o tempo todo. Não nos ensinaram que não devemos julgar, levantar falsos testemunhos? Não aprendemos a lição? Diz a lenda que se apontarmos os dedos para as estrelas, nascerá verruga em suas pontas. Já ouviram antes? Vai ver essa era uma daquelas estórias dos antigos para ensinar de alguma maneira que devemos tratar os outros com humildade e principalmente respeito. Repito, lição de todo sai: tratar a todos com respeito e humildade.

Abaixemos o dedo e não a cabeça. Guardemos em bom lugar nossos dedos apontados para os outros. Mania essa nossa de julgarmos a tudo e a todos o tempo todo. Não nos ensinaram que não devemos julgar, levantar falsos testemunhos? Não aprendemos a lição? Diz a lenda que se apontarmos os dedos para as estrelas, nascerá verruga em suas pontas. Já ouviram antes? Vai ver essa era uma daquelas estórias dos antigos para ensinar de alguma maneira que devemos tratar os outros com humildade e principalmente respeito. Repito, lição de todo sai: tratar a todos com respeito e humildade. Preceito básico civilizatório e da boa convivência. Os dedos apontados abrem alas para o tom imponente, para o ar inquisidor, para o olhar repressivo e a mente julgadora. São essas as nossas “verrugas” de comportamento que deveriam ser repensadas.

Desconheço qualquer pessoa que sinta contentamento e prazer de conviver com quem tem essa sombra do tal “dedo estendido” em suas ações. Eu, pelo menos, acho um tanto desagradável o convívio com os julgadores de plantão, com os cobradores de comportamento. Gostaria inclusive de processar uma resposta padrão que saísse automaticamente e corajosamente de cunho informativo para dizer que “não estão na minha pele”. É tão mais fácil julgar o outro e cobrar dele um comportamento compatível com os pensamentos e convicções que não lhe pertencem a imaginar-se no lugar dele ou simplesmente o deixá-lo em paz, respeitando-o. Tão mais cômodo enrijecer o tom, reclamar, falar mal, levantar a voz, fazer chantagens de cunho emocional, medir a postura alheia com a sua régua. Mas isso não é legal, devo dizer.

Esses dedos levantados pela sociedade constantemente e incessantemente podem fazer mal. Principalmente a quem os levanta. Sinto vontade de dizer: descansem as mãos, relaxem as mentes, cuidem de fazer a sua parte e respeitem as escolhas alheias que não fazem mal a ninguém. E mais, cabeças erguidas. Essas sim levantadas. Os olhos precisam mirar adiante, vislumbrar o horizonte. Cabeças ao alto. Não por soberba nem tampouco por superioridade. Mas por autoestima, por respeito às individualidades, por honra. E se tiverem que se abaixar, que seja pela nobreza da humildade e não por medo das cobranças externas e do julgamento alheio.

O contexto social, político, econômico e de todas as ordens já se apresenta desafiador por demais. Difícil demais. Sobreviver dignamente tem sido um empenho e tanto e até mesmo um privilégio. Por que não facilitarmos as coisas com uma convivência gentil e não hostil?  Respeitosa e não arrogante. Que acolhe e não repele. Em que os dedos em riste cedem espaço para abraços. Um mundo ideal, é verdade. Talvez utópico, sim. Mas acredito, possível. De menos umbigo e mais coração.

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Sobre dizer não

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Há quem se dói por inteiro ao ter que dizer um “não”. É verdade. Acontece. Sofre-se a ponto de não conseguir fazê-lo. Atravessar essa barreira quase intransponível entre ceder e selecionar pode ser grandiosa missão. E, realmente, é muito para alguns. Para o mundo, “sim”. Para os outros, “sim”. Para si mesmos, quase nada. Dão-se demais. Além do que se pode. Assume-se coisas demais por fazer, peso demais para suportar. Porque negar, desagradar, limitar, é difícil demais.

Há quem se dói por inteiro ao ter que dizer um “não”. É verdade. Acontece. Sofre-se a ponto de não conseguir fazê-lo. Atravessar essa barreira quase intransponível entre ceder e selecionar pode ser grandiosa missão. E, realmente, é muito para alguns. Para o mundo, “sim”. Para os outros, “sim”. Para si mesmos, quase nada. Dão-se demais. Além do que se pode. Assume-se coisas demais por fazer, peso demais para suportar. Porque negar, desagradar, limitar, é difícil demais.

Não tem tempo. Não tem energia. Não se satisfaz com suas escolhas. Para cada tarefa nova assumida, um sonoro “não” que intimamente ouvia e que apenas a própria pessoa sabe. E então se pergunta se seria uma patologia não conseguir negar um pedido de alguém. Sente-se incapaz de recusar alguma situação, de esquivar-se de fazer algo quando vai além de seu propósito, de sua capacidade e de sua energia. Não sabe andar até o limite do alcance de suas próprias pernas.

Quem sofre de não saber dizer “não”, sabe o peso gerado pelo acúmulo de afazeres assumidos. Seria bom que entendessem de uma vez por todas que impor limites, selecionar tarefas, negar pedidos, pode ser algo absolutamente normal. Muitas pessoas estão sobrecarregadas justamente por não conseguirem respeitar seus limites e assumir menos do que o mundo exterior demanda deles. Desde as pequenas coisas às grandiosas. Desde futilidades às funções elementares.

Um dia, a vida – a mais sábia dos sábios, de alguma maneira cuida de ensinar que para cada “não” sentenciado, pode se abrir a porta para inúmeros “sim”. Que caminhos podem se abrir quando se tem tempo para pensar sobre as rotas, sobre em qual lugar se deseja efetivamente chegar. Sabe a sensação e parar de andar em círculos e evoluir adiante? Acontece para muitas pessoas.

A vida é feita de escolhas sob muitos aspectos, talvez aprender a escolher, a impor limites, a respeitar sua própria capacidade (inclusive de discernir o que deve e o que não deve, o que pode e o que não pode, o que quer e o que não quer) pode ser algo de muito bom. Deixar de ser marionete e se tornar protagonista da própria vida, sabe?

Bem, são ilações. Pensamentos soltos. Mas que podem fazer sentido para alguém. Literatura tem disso. Quem lê expande horizontes sentado à sua poltrona. E você, tem tido tempo para ler?  Talvez, uma sábia decisão seja investir no autoconhecimento e refletir sobre o que deveria fazer por obrigação de trabalho. O que deveria fazer por amor. O que deveria fazer por missão de civilidade. O que fazer por prazer.  Por propósito. Por cooperação. Por humanidade. Ou por necessidade. Ou pelo querer. Separar o joio do trigo. E eliminar excessos.

Dizer sim para tudo não te faz a pessoa mais legal do mundo. Saber se impor dentro dos seus critérios de ética e utilidade é um processo de superação de valor inestimável. Quem tem esse perfil de querer dizer “sim” para tudo e todos talvez entenda o sofrimento que pode existir por trás dessa característica. A sobrecarga, o peso, o arrependimento, a culpa pela imperfeição, o acúmulo de tarefas, a falta de tempo são consequências dessa incapacidade de delimitar limites, e aqui me permito a redundância das palavras.

Ao aprender, a dizer necessários “nãos” para certas coisas pode-se estar escolhendo dizer “sim” para si mesmo.

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Obra

sexta-feira, 21 de maio de 2021

Para a construção de uma obra nova, devemos preparar o terreno, cuidar da limpeza do local, criar o ambiente ideal, promover as adaptações que se fizerem necessárias. Precisamos do espaço, de ideias, do projeto, de cálculo, de engenheiro, arquiteto, técnico, pessoas trabalhando e muito. Essas medidas são mesmo fundamentais. Um esforço conjunto que custa algo. Muitas vezes, custa muito e um monte de coisas. A construção de sonhos, de utilidades. Enfim. E a limpeza de terreno se faz fundamental para a fundação da construção. É assim. Mas a metáfora dessa ideia é a que me leva a pensar.

Para a construção de uma obra nova, devemos preparar o terreno, cuidar da limpeza do local, criar o ambiente ideal, promover as adaptações que se fizerem necessárias. Precisamos do espaço, de ideias, do projeto, de cálculo, de engenheiro, arquiteto, técnico, pessoas trabalhando e muito. Essas medidas são mesmo fundamentais. Um esforço conjunto que custa algo. Muitas vezes, custa muito e um monte de coisas. A construção de sonhos, de utilidades. Enfim. E a limpeza de terreno se faz fundamental para a fundação da construção. É assim. Mas a metáfora dessa ideia é a que me leva a pensar. Não sobre obras, mas sobre pessoas.

Passamos muito tempo de nossas vidas construindo ideias sobre os outros. E o tanto que nos enganamos é algo grandioso. Creio que não somos tão bem-sucedidos nessas obras. Inevitavelmente, nos equivocamos. Erramos o cálculo. Confundimos a perspectiva. Mudamos o projeto.

Seres humanos não são esse tipo de projeto que elaboramos com técnica. Somos, na verdade, uma obra sempre inacabada e complexa. Imperfeita por natureza. Em evolução (ou involução). O projeto é de vida e não há nada mais pessoal do que isso. O outro, por mais perito no assunto que seja, não pode precisar com exatidão o que acontece no interior da obra, nem apresentar soluções lapidares.

Esse terreno – que somos nós – não está descoberto a ponto de desvendarmos seus desníveis pelo olhar. Tem até areia movediça por baixo do mato verde. Tem de tudo, como se diz.

Investimos preciosos minutos de vida construindo uma imagem do outro. Supondo coisas. Julgando e prejulgando pelo pouco que conhecemos a seu respeito. Por isso o culto reverenciado pela imagem. Nem sempre a real. Quase sempre a projetada. A que pode ser vista. Isso é uma grande tolice, pois ao construirmos pessoas fictícias em nosso imaginário, empenharemos o dobro de energia para desconstrui-las, pois comumente erramos as análises. Os outros não são o que pensamos deles. Os outros são o que são.

Seria interessante se aceitássemos que o jogo começa com as peças do quebra-cabeças desmontadas, para então, com o tempo pudéssemos aprofundar e conhecer a imagem real que será formada. Daria menos trabalho e as surpresas talvez fossem mais prazerosas. Ou mais reais.

Mania estranha essa de querermos jogar um jogo ganho. Imagens preestabelecidas. Vencedores determinados. E no final das contas, a frustração da decepção. O girassol que eu estava montando no meu quebra-cabeças não passa de uma forma geométrica e sem sentido. Uma bola amarela. E vice e versa. Quantos girassóis deixamos de descobrir no meio do jogo justamente por superficialmente só enxergarmos a bola amarela. Sem essência. Forma e não flor.

Desconstruir é preciso. E se tivermos ânimo, reconstruir. Não sei se me fiz entender. Mas também não é preciso. Referenciando mais uma vez Clarice Lispector: “Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”. Não me preocupo, pois.

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

“O relógio só anda pra frente”

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Muitos de nós têm dificuldades em assimilar a efemeridade da vida, a velocidade com que o tempo passa. Quando muito jovens, achávamos que seríamos, inclusive, eternos. A juventude tem esse frescor, nos ilude ao imaginarmos uma vida muito longa pela frente e sequer vislumbramos que o fim pode chegar. Vai chegar, aliás, um dia. Parece coisa que acontece com os outros, tão distante que não pode nos alcançar.

Muitos de nós têm dificuldades em assimilar a efemeridade da vida, a velocidade com que o tempo passa. Quando muito jovens, achávamos que seríamos, inclusive, eternos. A juventude tem esse frescor, nos ilude ao imaginarmos uma vida muito longa pela frente e sequer vislumbramos que o fim pode chegar. Vai chegar, aliás, um dia. Parece coisa que acontece com os outros, tão distante que não pode nos alcançar.

Mas a vida é isso aí. Vida. Ela sendo ela. Cheia de riscos. Poderosa, intensa, surpreendente. E ela tem essa força para mudar tudo da noite para o dia, relativizar convicções, romper com devaneios, desnudar a realidade, impor desafios, apresentar obstáculos algumas vezes intransponíveis. E aí é que começa a complicar. Há surpresas na vida que são implacáveis, arrebatadoras, nos tira o chão, nos coloca no cantinho do castigo olhando para as paredes de forma severa, sem hora para acabar. Não vai adiantar reclamar com os pais, os diretores não vão poder fazer nada.

E o tempo que parece voar, realmente passa rápido demais. Creio que um dia todos chegaremos a essa conclusão. E não dá para parar o relógio, colocar pilha fraca, sumir com o marcador. Ele não vai parar de passar e esse minuto em que penso essas palavras, também jamais voltará. Já dizia meu saudoso avô João: “O relógio só anda para a frente.” E é isso mesmo. Temos que aproveitar.

Chega uma hora, em que precisamos entender que existir significa também tomar as rédeas dessa existência, assumir de alguma maneira as responsabilidades, consentir, abraçar as possibilidades, desfrutar dos segundos, valorizar todos os instantes. Precisamos também estar cientes de que acatar a postura ativa diante da vida, significa também não esperar a “papinha na boca”, a mão na testa, alguém como escudo e as respostas prontas para tudo. É aprender sobre amor próprio. A entender-se no mundo, reconhecer seu valor e polir seus defeitos.

Independente de convicções religiosas, das aspirações que temos sobre o lado de lá, na crença que podemos nutrir sobre a vida depois do “fim”, fato é que essa roupagem assumida por essa vida é única e preciosa e não deve ser desperdiçada. Creio realmente que não estamos aqui a passeio. Temos missões urgentes a cumprir. Precisamos ser úteis ao bem da humanidade. Carecemos de sabedoria para escolhermos as pessoas com quem desejamos caminhar. Um dia, de uma maneira ou de outra, receberemos todos a conta da vida. Que tenhamos feito boas escolhas.

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Vida particular

sexta-feira, 07 de maio de 2021

Em meio a tantas pessoas que divulgam tudo o que fazem o tempo todo, é simplesmente libertador não ter necessidade de fazê-lo. Aliás, uma das nuances da liberdade está justamente em não precisar demonstrar o que se vive. A tal privacidade. Preciosa privacidade. Vida íntima, particular.

Em meio a tantas pessoas que divulgam tudo o que fazem o tempo todo, é simplesmente libertador não ter necessidade de fazê-lo. Aliás, uma das nuances da liberdade está justamente em não precisar demonstrar o que se vive. A tal privacidade. Preciosa privacidade. Vida íntima, particular.

Sigo apreciando o senso de preservação, a vida sem vigília. Penso que sorrir e chorar sem ser observada é uma ostentação. Um luxo. Indispensável para o fomento da sanidade. Hoje estamos nos afastando cada vez mais dos momentos vividos integralmente, com foco total no presente, com presença. Quase ninguém consegue interagir ao vivo por completo. As atenções vertem para os aparelhos celulares, para a internet, para as redes sociais.

Vivemos sob a sombra do julgamento alheio, com holofotes sobre os afazeres dos outros. As pessoas estão fazendo questão de divulgarem muito mais do que verdadeiramente vivem ou viveriam se não sentissem essa estranha dependência por divulgarem tudo o que fazem. Às vezes, só fazem para postar. Propaganda enganosa. Quantas tristezas de hoje em dia deixam de molhar os travesseiros e o ombro amigo, para transparecer um sorriso oco em uma página virtual? Seres que deixam de ser para parecerem que são. E outros seres valorizando essas aparências.

Muito reflito, escrevo e converso com pessoas próximas sobre isso, sob pena de ser assunto enfadonho, além de repetitivo. Mas, de fato, ando assustada. E insisto. Não é preciso conhecer de psicologia para que se perceba o quanto a solidão está presente na vida de muitas pessoas. Vivemos em meio de muita gente cercada de gente, pessoas acompanhadas de companhias sob um espectro todo novo, pois se abraçam em fotos e sentem-se sós para partilhas reais de vida. Ainda assim, em poucos cliques poderão pertencer a um grupo de conhecidos sobre quem saberá mais do que se sabe de amigos de verdade, visto que lá expõem seus afazeres mais básicos bem como suas conquistas.

Alguém que trabalhe duro, concilie a rotina de estudos, tarefas domésticas, cuidados com os filhos, cachorros, vizinhos, que mergulhe em números e contas e seja um malabarista de fazer as finanças fluírem, certamente desconfiará da abundância que a vida virtual transparece. Alguém que viva desilusões cotidianas, que enfrente os desafios dos relacionamentos, que se programe o ano inteiro pelo esperado passeio, se surpreenderá com as aparentes facilidades expostas nas páginas das redes sociais. Será que é tudo isso mesmo? Será que estamos – estão valorizando o essencial e enxergando o mundo para além das redes sociais? Será mesmo que a maior forma de interação contemporânea é condizente com a realidade das pessoas que habitam esse planeta em pleno século 21?

Milhares de pessoas morrendo de Covid-19 todos os dias, outras milhões vivendo abaixo das linhas de pobreza, muitas sem condições básicas e mínimas de sustento; centenas de tipos de agrotóxicos sendo liberados para utilização da agricultura e consequentemente, envenenamento da população; índices altíssimos de suicídios, homicídios, feminicídios; crianças morrendo nas fronteiras, crise dos refugiados; guerras de várias ordens; saúde pública de mal a pior; corrupção, violência, poluição, desmatamento, aquecimento global, meio ambiente sendo degradado dia após dia, crise política sem fim. Assim está o mundo.

E em meio a tudo isso, precisamos existir, resistir, sobreviver e participar ativamente da melhora de todo esse caos, da cura dos seres humanos doentes e descrentes. Preferencialmente, felizes. Porque não basta existir, é preciso encontrar a felicidade, não é mesmo? Mas felicidade verdadeira, de dentro para fora. Gente de verdade sendo exemplo de luta de verdade e da autêntica felicidade. Felicidade de vida real, não de rede social.

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Mais arte

sexta-feira, 30 de abril de 2021

Belas imagens de flores. Belas flores de verdade. Palavras escritas e faladas. Melodias, tons, sons. Músicas, esculturas, literaturas, filmes. Tantas formas de expressão da arte. Como são preciosas. Seu poder, pode nos salvar do ócio, do excesso, da ignorância, da tristeza. A arte é um eficaz componente de evolução e bem-estar. Arte alivia, edifica, enobrece, embeleza, salva. Arte eleva. Arte cura. Arte constrói pontes para o conhecimento nos mais diversos níveis. Incentivar a prática e a contemplação das mais variáveis formas de expressões artísticas é o objetivo da coluna essa semana.

Belas imagens de flores. Belas flores de verdade. Palavras escritas e faladas. Melodias, tons, sons. Músicas, esculturas, literaturas, filmes. Tantas formas de expressão da arte. Como são preciosas. Seu poder, pode nos salvar do ócio, do excesso, da ignorância, da tristeza. A arte é um eficaz componente de evolução e bem-estar. Arte alivia, edifica, enobrece, embeleza, salva. Arte eleva. Arte cura. Arte constrói pontes para o conhecimento nos mais diversos níveis. Incentivar a prática e a contemplação das mais variáveis formas de expressões artísticas é o objetivo da coluna essa semana. E sempre.

Seja por meio da literatura, música, exposições, museus, cinema, fotografias, pintura, teatro, dança, seja até mesmo – e principalmente, por meio do contato com a natureza (obra de arte do Criador manifestada em sua perfeição), a arte é capaz de transpor barreiras e construir pontes para o conhecimento nos mais diversos níveis, além de expressar sentimentos e emoções.

O contato com a arte e o fomento da cultura na esfera individual e também na coletiva, inquestionavelmente são transformadores e surtem efeitos positivos de dimensões incalculáveis. Por isso, sempre é hora de projetarmos uma realidade impregnada de tudo isso.

Sugerimos aos leitores que simpatizam com esse ideal, que elaborem listas elencando livros a serem lidos, exposições que pretendem visitar, canções a serem apreciadas, filmes a serem assistidos, peças de teatro que desejam prestigiar e invistam tempo na contemplação e interação com a natureza.

Há uma série de razões pelas quais fazer listas pode ser a chave do sucesso de muitos projetos, inclusive o objetivo de investir tempo e vida no enobrecimento do corpo, da mente e da alma por meio das expressões artísticas.

Vivemos em uma cidade que de maneira geral nos oferece condições e oportunidades para desfrutarmos de tudo isso, seja por meio de sua natureza exuberante, seja pelo clima e cenário convidativos à leitura de um bom livro. Mesmo em meio à dor. Podemos olhar pela janela e desfrutar do entardecer, apreciar o verde. O cheio de uma flor. Quase todo mundo pode.

Machado de Assis escreveu: “De todas as coisas humanas, a única que tem o fim em si mesma é a arte”. Ferreira Gullar expressou que “A arte existe porque a vida não basta”. Reflitamos sobre. Respiremos mais arte. Que tal incluirmos em cada capítulo desse nosso caderno em branco da vida uma lista de atividades que envolvam contato com a arte e com a natureza?

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Não está fácil para ninguém

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Não está fácil para ninguém, não é mesmo? Não está. Aliás, decidi desconfiar das pessoas que estão perfeitamente bem diante deste cenário que estamos vivendo. Penso que não tem como estarmos plenos diante de tanta dor. Mesmo quando não dói na gente, quando o problema não se instala em nosso lar, que nossos entes queridos estejam bem, não há como não nos compadecermos do que está acontecendo.

Não está fácil para ninguém, não é mesmo? Não está. Aliás, decidi desconfiar das pessoas que estão perfeitamente bem diante deste cenário que estamos vivendo. Penso que não tem como estarmos plenos diante de tanta dor. Mesmo quando não dói na gente, quando o problema não se instala em nosso lar, que nossos entes queridos estejam bem, não há como não nos compadecermos do que está acontecendo.

 Há muitos anos fiz uma escolha profissional que me levou ao cerne de muitos problemas das pessoas. Fui ao longo do tempo tentando aprender a me blindar minimamente sem que toda a humanidade fosse a segundo plano. Assim, o trabalho de aliviar conflitos, reverter problemas, encontrar soluções, buscar por justiça, preconizar o estudo, sempre fez total sentido, pois ao lidarmos com gente, precisamos ser gente, no sentido mais profundo da palavra. Ser gente cuidando de gente. Preceito básico.

Neste último ano com os desafios inalcançáveis da pandemia, o laboratório de vida tornou-se muito mais complexo, com inéditas dores e percalços. Passamos a lutar por sobrevivência, uma sensação que até então era muito desconhecida por muitos, embora familiar a tantos outros. Pois é. E quem consegue ignorar as centenas de milhares de pessoas que morreram? As centenas de milhares de pessoas que perderam suas fontes de renda? As milhões de famílias desmanteladas? Não podemos ignorar o que está acontecendo. Por mais que sejamos gratos, privilegiados ou sei lá mais o quê. Simplesmente não podemos. Ou não devemos.

É. Não tem como. E se eu me deparar com pessoas que não sentem a dor do que estamos vivendo mesmo quando as feridas sangram na pele dos outros, escolherei não tê-las como amigas, pois não creio ser possível existir sem humanidade, sem empatia, sem um olhar voltado para o outro, por mais que saibamos o tanto que devemos lutar para ficarmos bem, melhorarmos, progredirmos e mantermos a sanidade, a saúde e a esperança diante do caos.

O vírus invisível, arrebatador, avassalador se espalhou pelo ar e atingiu a todos. Uns mais, outros menos. E o que temos feito para melhorarmos enquanto seres humanos e enquanto cidadãos, células que compõem um organismo social mais amplo. Que tipo de gente temos sido agora?

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Pirâmide invertida

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Hoje não. Não começarei este texto com o sentimento de otimismo, porque está difícil não sucumbir diante de tanto sofrimento e tanta desordem. Em meio a tantas notícias embaraçosas, crise por todos os lados, colapso na saúde, pessoas doentes, morrendo, deficiências em várias ordens da economia, da sociedade e da política, desgoverno, índices elevados de mortes, criminalidade, corrupção, desigualdades, preconceitos latentes, fome, problemas aparentemente sem fim e de soluções difíceis, é praticamente senso comum que vivemos período tortuoso de verdadeiro caos.

Hoje não. Não começarei este texto com o sentimento de otimismo, porque está difícil não sucumbir diante de tanto sofrimento e tanta desordem. Em meio a tantas notícias embaraçosas, crise por todos os lados, colapso na saúde, pessoas doentes, morrendo, deficiências em várias ordens da economia, da sociedade e da política, desgoverno, índices elevados de mortes, criminalidade, corrupção, desigualdades, preconceitos latentes, fome, problemas aparentemente sem fim e de soluções difíceis, é praticamente senso comum que vivemos período tortuoso de verdadeiro caos.

Está absolutamente difícil prever dias melhores. Conseguir enxergar luz no fim do túnel, a fuga do beco sem saída, o anseio por soluções. A cura. Tem doído demais. Muito sofrimento que palavras não definem. Mas penso que nos conectamos uns com os outros também pelo sofrimento, pela dor. Mesmo diante desse cenário, precisamos manter a esperança por dias melhores. A desesperança pode ser extremamente nociva a esse processo de transição que estamos vivendo.

Diante de todo fluxo sem interrupção de notícias ruins, de perdas, de falta de ar, ainda somos instados a lidar com as mais antigas mazelas da sociedade e dos representantes de maneira geral. É preciso crer que não há mais como esconder tanto lixo debaixo dos tapetes. Uma vez que todos os habitantes de um lar descobrem que por baixo dos móveis há podridão, sujeira, dejetos, se torna praticamente impossível a convivência harmoniosa dentro desse ambiente contaminado, maculado . É preciso limpar, cuidar, melhorar, conservar, valorizar. E quanto mais pessoas imbuídas pelo espírito da comunhão e da ajuda mútua, menos penoso será esse trabalho.

Estamos passando por um processo desses... Sem ajuda fica ainda mais difícil. O ar está pesado, os nervos à flor da pele. Mas creio que uma mão estendida, um olhar por trás da máscara, um sorriso sincero, ainda podem ajudar. O que estamos vivendo demanda esforço conjunto, coragem, renovação ... investimento de tudo, de tempo, de dinheiro, de energia. É preciso ter competência. Poder de ação. Fazer a coisa certa na hora certa e estabelecer uma real pirâmide de prioridades. E a vida é, sem dúvida, o pilar de sustentação e o topo dela ao mesmo tempo, pois sem a vida, o que mais podemos fazer para reverter, para contribuir?  

Hoje vejo a pirâmide invertida, bagunçada, completamente confusa. É preciso crer. Crer que a luz está entrando, que algo muito bom está por vir. Mas sim, está difícil. Para a construção de um novo mundo, de um novo país, invariavelmente devemos enfrentar com esperança, união, força e resiliência esse processo de transição.

É preciso também plantar. Plantar por meio da solidariedade, da empatia, da honestidade, do trabalho digno, da arte, da cooperação, da educação, da prática do bem. Plantar, semear, cuidar para colher frutos melhores no momento certo. Plantar sempre, mesmo agora em que estamos no epicentro do caos, aliás, principalmente agora.

Fácil não é. Pelo contrário. Está difícil à beça. Mas por mais complexo que possa parecer (e de fato é), penso que uma sociedade efetivamente unida e nutrida de esperança pode ser capaz de enfrentar e superar o caos. É o que espero. Concordo com Martin Luther King : “Se soubesse que o mundo se desintegraria amanhã, ainda assim plantaria a minha macieira. O que me assusta não é a violência de poucos, mas a omissão de muitos. Temos aprendido a voar como os pássaros, a nadar como os peixes, mas ainda não aprendemos a sensível arte de viver como irmãos.”

Publicidade
TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.