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Maquinário novo

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Máquina nova interessante essa. Que de nova não tem nada, mas está sendo revisitada, recebendo uma releitura “à la 2020”. A potência é boa, produz bastante, apresenta resultados e até pensa. Que maravilha. Não tem a ver com inteligência artificial, é gente de verdade. Esse aparato super moderno é humano. Se adapta às mais variáveis circunstâncias, é flexível, multitarefas, inovador, apresenta ideias, as executa, faz reparos e prospecções futuras. Pensa, sente e até se emociona.

Máquina nova interessante essa. Que de nova não tem nada, mas está sendo revisitada, recebendo uma releitura “à la 2020”. A potência é boa, produz bastante, apresenta resultados e até pensa. Que maravilha. Não tem a ver com inteligência artificial, é gente de verdade. Esse aparato super moderno é humano. Se adapta às mais variáveis circunstâncias, é flexível, multitarefas, inovador, apresenta ideias, as executa, faz reparos e prospecções futuras. Pensa, sente e até se emociona.

Às vezes, a máquina perece. Adoece. Sucumbe às dores mundanas, não apresenta a melhor performance, rateia e até para de funcionar. Fala mais do que deve, faz mais do que pode e até reclama. Há que diga que é super econômica, custa muito pouco pelo tempo que trabalha. Há quem pense ser cara demais, afinal de contas, há várias peças custosas agregadas, mais conhecidas como direitos e prerrogativas.

A grande verdade é que os trabalhadores do século 21, essas máquinas da metáfora, são essenciais ao funcionamento de tudo, embora o incremento da tecnologia agregue possibilidades ao mesmo passo em que tenta substituí-las. Nessa crise inesperada provocada pela pandemia, o maquinário anda oscilante. Parte dele, inclusive, nunca produziu tanto. Outra parte, está sendo descartada, por ser dispensável ou onerosa demais. O “equipamento” humano é subjugado, sobrecarregado, desvalorizado, descartado. Exige-se de gente de carne e osso o que nem máquina faz.

Fato é que deveríamos repensar as estruturas que fazem a máquina funcionar. Tudo funcionar. Não basta a reflexão e preocupação quanto espaços físicos, viabilidades econômicas e o seu bom e produtivo uso. Deve-se, principalmente, considerar sua própria formação, seus cuidados, suas necessidades. Pode parecer difícil para muitas pessoas compreenderem, mas a máquina humana, sente, pensa, necessita, respira. Sinto informar, mas esse “maquinário novo”, nem máquina é. Nosso planeta ainda não é habitado por robôs. Não percamos a noção disso.

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A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Sejamos

sexta-feira, 15 de maio de 2020

Sejamos gentis com todas as dores. Com todas as perdas. Com todas as dificuldades. Com todos os amores. Sejamos educados para lidarmos com os outros, com os problemas deles, com suas dificuldades. Sejamos complacentes com a tragédia e o luto. Sejamos fortes para enfrentarmos barreiras. Para tratarmos de doenças. As físicas, as psíquicas, as da alma. Sejamos honestos com nossas limitações, com as coisas dos outros, com nossas responsabilidades e com o que podemos fazer. Sejamos justos em nossas ações, generosos em nossas palavras e benevolentes em nossos pensamentos.

Sejamos gentis com todas as dores. Com todas as perdas. Com todas as dificuldades. Com todos os amores. Sejamos educados para lidarmos com os outros, com os problemas deles, com suas dificuldades. Sejamos complacentes com a tragédia e o luto. Sejamos fortes para enfrentarmos barreiras. Para tratarmos de doenças. As físicas, as psíquicas, as da alma. Sejamos honestos com nossas limitações, com as coisas dos outros, com nossas responsabilidades e com o que podemos fazer. Sejamos justos em nossas ações, generosos em nossas palavras e benevolentes em nossos pensamentos.

Estou com muito medo. Além da angústia pelas perdas, o receio da doença, a apreensão pelo desconhecido, a iminente miséria, tenho medo de as pessoas perderem a humanidade, justamente a humanidade, que as fazem humanas.

Tenho a sorte de lidar com pessoas generosas, esforçadas em compreender, otimistas o suficiente para seguirem o percurso e enfrentarem a batalha, esperançosas para enxergarem luz no fim do túnel e compartilharem um pouco esse olhar. Acho que fiz boas escolhas na vida. As pessoas, esses tesouros que são o que mais importam. Escolhi essa gente de bem para caminhar comigo. Gente generosa, que estende mãos, que se coloca no lugar do outro. É o que me mantém sã. Que sustenta a sanidade e a fé nos homens.

Sinto pena verdadeira de quem não compartilha da mesma sorte que eu, que não escolheu suas pessoas com base em critérios e valores bem estabelecidos e afins com sua proposta de vida. Vejo muitas pessoas sambando na tragédia alheia, debochando das mortes, rindo de caixões, fazendo piada do pavor, ignorando os mais pobres, fingindo que nada está acontecendo e que esse problema não é humano. Sinto dó de quem já perdeu completamente a humanidade. De quem se desconectou de sentimentos de amor, de bondade, de empatia. De quem se endureceu a ponto de parecer uma pedra de verdade. Sem alma.

Ando muito triste com nosso cenário caótico. Tenho dificuldade de lidar com estatísticas de dor e sofrimento, por mais protegida que eu esteja. Ou que aparentemente esteja. Lidar com o invisível perigoso é um grande laboratório de vida que mudará nossas perspectivas e tudo o que conhecemos sobre existir até hoje. Não estou só. Sou parte integrante de um todo que está doído. Sou os enfermeiros que arriscam suas vidas e são atacados. Infelizmente, sou parte dessa sociedade com tanta ignorância e maldade. Compadeço-me com o sofrimento alheio e com o meu próprio sofrimento.

Enxergo bem a sociedade em que vivemos, absolutamente desigual. Sinto o vazio de não me sentir bem representada, desamparada, quando não achacada por quem deveria nos defender. Estamos cada vez mais sós nessa batalha e ao mesmo tempo, mais unidos do que nunca. Nós, a humanidade, com “h” maiúsculo, o planeta inteiro. O mínimo que devemos ser é humanos. Sejamos!

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Lives

sexta-feira, 08 de maio de 2020

Nesses tempos difíceis, eis que uma figura nova chegou com o ar da graça e veio com força total: as lives, transmitidas pelas redes sociais. Já tem gente com implicância contra elas. De tantas que são, todo santo dia. Uma, duas, três, 100 lives em um dia dentro da rede de contatos sociais. O isolamento repentino aliado à angústia de viver uma pandemia sem precedentes tem sido um terreno fértil e absolutamente propício a essas formas de interação e transmissão de informações.

Nesses tempos difíceis, eis que uma figura nova chegou com o ar da graça e veio com força total: as lives, transmitidas pelas redes sociais. Já tem gente com implicância contra elas. De tantas que são, todo santo dia. Uma, duas, três, 100 lives em um dia dentro da rede de contatos sociais. O isolamento repentino aliado à angústia de viver uma pandemia sem precedentes tem sido um terreno fértil e absolutamente propício a essas formas de interação e transmissão de informações.

Eu mesma já me rendi aos encantos. Já fiz algumas e assisti a tantas outras. Não houve escapatória. Há muitas coisas acontecendo e a partilha é inerente aos seres humanos do século 21. Já me rendi a toda forma de comunicação remota. Trabalho pelas telas e interajo com centenas de pessoas semanalmente por conta do meu ofício. Já me habituei, inclusive, a falar para uma tela cinza enquanto dezenas de pessoas me veem. É uma questão de costume. E de necessidade. Necessidade jamais vivida e imaginada. A gente aprende. Essa é a parte mais fácil de tudo que estamos vivendo. Não há razão para reclamar.

Devo confessar que a tecnologia tem sido “mocinha e bandida” na minha existência durante a pandemia. Pude participar do almoço de Páscoa virtual com a família, bati papo com meus primos ao redor do mundo, descobri o sexo do novo bebê da família em tempo real, tomei decisões importantes, reuni-me com meus chefes e colegas, com meus clientes e até mesmo com gente que nunca vi na vida, mas com quem troquei informações seletas pelos canais de comunicação.

Por aqui também vivi momento difíceis. Informei-me sobre a tragédia, decorei os sintomas da doença Covid-19 e os traços diferenciadores em relação à gripe comum, resfriado e alergia respiratória. Vi cenas chocantes, acontecimentos vergonhosos na política, estatísticas de doer a alma, números de mortes crescendo. Adoeci, chorei, sufoquei e consumi todo tipo de notícia ruim e triste até que um dia mudei a busca para sobreviver. O oposto de doença é cura? Ok. Vamos tentar focar nela. Esforço tremendo.

Já descobri também formas diferentes de meditar, conheci as funções dos aromas, participei das cerimônias religiosas da minha igreja, a última delas, transmitida ao vivo do Japão. Da janela de casa, por entre as nuvens todas, o esforço para perceber que o sol continua a brilhar.

Incrível o que a tecnologia tem feito conosco. Tem sido nosso elo, nosso canal com o mundo, com os médicos, com os amigos, com a família e com nosso trabalho. Alerta até que hoje é noite de lua cheia. Boa lembrança. Corro para ver. Existe céu e a lua também continua lá. As lives promovidas por artistas têm sido, por vezes, a única forma de entretenimento de tantas pessoas em sofrimento. Podem ser o alento de alguém no hospital. As lives informativas podem ser nossas fontes benéficas diante desse fluxo severo, veloz e alucinante de informações.

Não, não vou implicar com elas que têm sido portais de conexão com a vida real de tanta gente. Aliás, o Dia das Mães está aí, não perco esse encontro virtual com a família por nada. Salve a tecnologia.

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Mudança

sexta-feira, 24 de abril de 2020

De repente tudo muda. Às vezes, por nosso querer. Outras, por obra do acaso – se é que ele existe. Só sei que há mudanças planejadas, projetadas na ponta do lápis, perseguidas com empenho e comemoradas. Há outras que nos surpreendem; e nem sempre a surpresa é boa. Só sei que mudar por vezes dói.

De repente tudo muda. Às vezes, por nosso querer. Outras, por obra do acaso – se é que ele existe. Só sei que há mudanças planejadas, projetadas na ponta do lápis, perseguidas com empenho e comemoradas. Há outras que nos surpreendem; e nem sempre a surpresa é boa. Só sei que mudar por vezes dói.

Nós somos seres naturalmente adaptáveis. A maquininha humana é eficaz a ponto de nos preparar para as intercorrências. Até certa medida. Por melhor que seja o funcionamento de nossas engrenagens, é bom ter em mente que a máquina não é infalível, nem dispensa cuidados. Dessa realidade não podemos nos dissociar completamente, pois não somos os super heróis que supomos ser.

Nossas fotos de hoje já não são retratos de quem fomos um dia. Já somos outros. Dia após dia, experiência após experiência, tornamo-nos um tanto diferente do que éramos. Eu não sou hoje a mesma de dez anos atrás. Ninguém pode ser. As coisas mudam, nós mudamos. Mas o grande barato dessa dinâmica me parece ser a conservação da essência. Acho incrível perceber que a forma da caixinha está diferente, mas o conteúdo, aquele mais importante que fica lá no fundinho do recipiente, permanece intacto.

Tudo pode mudar. Pensamentos evoluem (ou involuem), o corpo muda, os valores vão sendo polidos conforme a vivência, dons vão sendo descobertos, ao redor temos novas companhias, um trabalho novo, um lar diferente, perdemos, ganhamos, sofremos, nos alegramos, conhecemos novas culturas, novas dores, novos prazeres. Mas acho lindo quando essência, quem somos de verdade, aquela construção magnífica do nosso ser, apesar de todas as intercorrências, segue intacta.

Sinto-me mais à vontade para mudar tudo sabendo que posso conservar quem eu sou de verdade. Quando creio que os afetos, desafios, perdas, ganhos, vivências vão sendo na verdade incrementados, escolho mudar para melhor, apesar das circunstâncias, zelando pela chave de quem sou de verdade.

Mudar dói, crescer dói, o inesperado dói. Nem sempre, é claro. Vivemos mudanças diárias indolores. Mas algumas não têm como passarem despercebidas. Abalam nossas estruturas, nos apresentam um cenário novo, impõem dedos nas feridas, demandam mais esforço pessoal, mais contar com a sorte, mais integração com o indivíduo, mais malabarismo com o inesperado.

Quem conhecer a fórmula mágica para viver os processos profundos de transformação de forma milagrosamente indiferente, desperdiçará uma bela chance de ser a borboleta que vem da lagarta. De perceber a metamorfose. Saber lidar com a dor também é uma forma de crescer. Impregnar o processo de amor, é um alicerce nesse caminho. Mudar com dignidade é uma forma elegante de viver.

Há uma frase escrita por Érico Veríssimo que eu acho simples e fantástica que diz mais ou menos o seguinte: “ Quando os ventos da mudança sopram, umas pessoas levantam barreiras, outras constroem moinhos de vento.” É sobre isso que estou falando. Quero ser ventania, não sopro; quero lidar com moinhos de vento, não com barreiras.

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Velho amigo

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Velho amigo. Todo mundo tem um. Ou deveria ter. Pelo menos um para fazer valer a pena. Seria desperdício muito grande existir sem ter ao menos um grande amigo na vida. Daquele para quem basta um olhar para dizer que está tudo bem. Aliás, aquele para quem não precisa dizer nada . Não há necessidade de desculpas sobre a razão do sumiço. Não há cobrança sobre o motivo de não ter ligado nos últimos dias. Nos últimos anos. Simplesmente ele existe e isso muitas vezes, basta.

Velho amigo. Todo mundo tem um. Ou deveria ter. Pelo menos um para fazer valer a pena. Seria desperdício muito grande existir sem ter ao menos um grande amigo na vida. Daquele para quem basta um olhar para dizer que está tudo bem. Aliás, aquele para quem não precisa dizer nada . Não há necessidade de desculpas sobre a razão do sumiço. Não há cobrança sobre o motivo de não ter ligado nos últimos dias. Nos últimos anos. Simplesmente ele existe e isso muitas vezes, basta.

Aquele amigo que guarda teus segredos pueris, que conhece sua essência, que brincou, brigou, sorriu e chorou ao seu lado. Que sabe quem você é. E continua te amando. Que te vê diferente, mas tem a certeza de que nada mudou. Ah! Um velho amigo jovem, pouco importa a idade. Refiro-me àquela pessoa, com “p” maiúsculo, que enche seu rosto com um sorriso genuíno quando aparece, que decifra seu estado de espírito com o olhar, que acha graça das suas piadas sem graça. Que não se importa com o que você tem e sim com quem você é. Que se importa com sua felicidade. Que ama sua família. Que torce por você. Que comemora à distância pelas suas conquistas ou que está ao seu lado para o melhor abraço. Vibra ao falar com você, sobre você. Sabe do que estou falando?

Se você tem alguém assim na vida, amigo, que sorte a sua. A construção dessa relação leva tempo. Ela passa por fases, amadurece, se reinventa, afrouxa, aperta, some, aparece, mas continua intacta. Basta levantar a mão por socorro na multidão das outras companhias para você ver a presença de quem que irá fazer toda a diferença. O alento de ver o rosto conhecido quando estamos perdidos, de sentir a presença quando estamos sós. É ele. Esse amigo que pode ser qualquer pessoa no mundo, com ou sem laços sanguíneos, mas que foi escolhido por você para ser aquela pessoa: a-que-la pes-so-a ! Jamais uma qualquer.

Porque amizade é amor. Amor para poucos. Porque amar na alegria, na prosperidade, na diversão e na saúde, é moleza. Amor de fotografia é lindo, basta um abraço e um sorriso e pronto: fez-se o melhor amigo superficial. Difícil é amar na dureza, na doença, na escassez, no sofrimento. Nessa hora, infelizmente comumente vão-se os dedos e os anéis. Sobra pouco perto de nós. Poucos. E normalmente, quem ali permanecerá será o amor incondicional. O verdadeiro. O diamante em meio ao cascalho. O tesouro imaterial que faz a vida valer a pena.

Feliz de quem possui um velho amigo. Um! Seu referencial e a certeza de que os momentos partilhados fincaram bases sólidas e inquebrantáveis pelo tempo, pelas circunstâncias, pelas novas ou velhas outras presenças. Amor que soma. Amizade que multiplica. Que edifica. Feliz de quem sabe do que estou falando, o que estou sentindo.

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A vida tem dessas coisas

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Era um dia comum. Tardezinha. A moça, sobrevivente, pôs-se a pensar. A premissa: cada dia em que estamos vivos é mais um dia de sobrevivência. Naquela ocasião, teve a oportunidade de tomar com calma a xícara de chá e por incrível que pareça ficou até o amanhecer sem fazer nada que não fosse pensar. Um privilégio, é verdade. A vida tem dessas coisas. Às vezes, se tem a oportunidade de parar ... e pensar.

Era um dia comum. Tardezinha. A moça, sobrevivente, pôs-se a pensar. A premissa: cada dia em que estamos vivos é mais um dia de sobrevivência. Naquela ocasião, teve a oportunidade de tomar com calma a xícara de chá e por incrível que pareça ficou até o amanhecer sem fazer nada que não fosse pensar. Um privilégio, é verdade. A vida tem dessas coisas. Às vezes, se tem a oportunidade de parar ... e pensar.

Dois pontos de partida tomaram seu tempo e suas reflexões. Primeiro, refletiu sobre as encruzilhadas da vida. Com o dedo da mão direita, desenhou na toalha de mesa e em seu imaginário, aquele ponto central entre dois caminhos, a plaquinha indicando para a esquerda um rumo, para a direita, outro e ela bem ali, no meio. Sem saber para onde ir. Sem saber para qual direção caminhar. É uma situação poética.

A vida tem dessas coisas. A encruzilhada, pelo olhar da moça naquele momento de descontração era uma metáfora. Mas na verdade, sentido na pele o desafio da escolha pelo caminho a perseguir, só conseguia perceber um nó. E a moça, naquele meio distante de um real ponto de equilíbrio, sentia que precisava tomar uma decisão. Só não sabia qual.

A vida tem dessas coisas. E nossa, como é difícil! Aquela velha frase de que cada escolha implica em renúncias é uma verdade sentida no âmago do ser. Há quem viva de olhar pra trás e se arrepender de ter ido pela direita ao invés da esquerda. Há quem olhe para frente e vislumbre um horizonte único que será perseguido em qualquer caminho, desde que se continue a andar adiante.

Às vezes, até mesmo o ponto nevrálgico da dúvida e da decisão pode merecer uma desconstrução. Pode ser que o tamanho do nó, o embaçamento da visão, o peso  preso aos pés e a necessidade de opinião do outro tenham muito a ver com nossas expectativas. Desconstruir barreiras também é um processo. E seguir em frente sem medo de se arrepender pelo que deveria ter sido e não foi é uma baita evolução. Essa foi a segunda reflexão.

A moça percebeu que deveria desconstruir de alguma maneira esse medo de dar errado e o temor de escolher o pior caminho e entender que o processo é assim mesmo e que quanto maior for seu autoconhecimento, maior a probabilidade de celebrar opções que tenham nexo com seus valores e sua trajetória. Percebeu que as questões da vida não vêm com gabarito. E que a encruzilhada não é um enunciado com resposta pronta. Percebeu que mesmo que depois venha a se reconhecer em outro direcionamento na trajetória da vida, aquilo tudo que um dia foi construído, de alguma maneira se permanecerá de pé.

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Quarentena

sexta-feira, 03 de abril de 2020

Este não é um “texto cabeça”. Definitivamente não é. Mas poderia ser. Está difícil dissociarmos nossa existência nesses dias da crise abissal enfrentada pela humanidade. Quem está tendo oportunidade de aprofundar suas reflexões com o coração aberto para o aprendizado, quem está fortalecido o bastante para encarar os perigos reais de frente e quem tem amor pelo próximo suficiente para pensar em ser útil uma hora dessas, provavelmente está crescendo e muito.

Este não é um “texto cabeça”. Definitivamente não é. Mas poderia ser. Está difícil dissociarmos nossa existência nesses dias da crise abissal enfrentada pela humanidade. Quem está tendo oportunidade de aprofundar suas reflexões com o coração aberto para o aprendizado, quem está fortalecido o bastante para encarar os perigos reais de frente e quem tem amor pelo próximo suficiente para pensar em ser útil uma hora dessas, provavelmente está crescendo e muito.

Tenho lido muitos comentários nas redes sociais finalizados pela hastag “vai planeta”. E essa expressão tem me remetido a uma sensação de esperança. Será que todas essas pessoas que fazem uso dela estão deveras apostando suas fichas na pandemia provocada pelo novo coronavírus como instrumento para nossa melhora enquanto humanidade? Será que elas têm razão? Seria possível sairmos melhores do caos? Todas as crises advindas serão mesmo presságios de bons acontecimentos?

Há momentos em que nos vemos em um beco em saída. Olhamos para um horizonte escuro e procuramos pelo sinal de luz. E por vezes, não o encontramos. Desesperamo-nos, pois estamos acostumados a esbanjar feixes de claridade por aí. Mas a realidade nua e crua nos mostra a escassez, nos revela que da noite para o dia, muitas coisas podem mudar drasticamente. Estamos preparados para encarar essa verdade?

Sinto estarmos vivendo um estado de profundas transformações e esforço-me para resgatar em meu arcabouço sentimental, as melhores ferramentas para verdadeiramente crer que serão para melhor, de alguma maneira. Fácil não está sendo. A “quarentena” mundial está fazendo doer a saúde, o coração, a saudade, o bolso, a paz, a fraternidade, a família, a fé.

O que estamos enfrentando, todos juntos, provoca as mais sensíveis dores e ouso dizer que de alguma delas, ninguém escapa. Não sei vocês, mas eu ando confusa até mesmo em relação aos métodos criados por nós para “tentarmos fazer o tempo passar”, para “aproveitarmos melhor o tempo em casa”, “para descansar nesses dias de isolamento”. Parece difícil de engolir. Não estamos todos imbuídos em simplesmente fazer o tempo passar. Não temos o que aproveitar. Ou temos?

Enquanto estamos confabulando sobre essas, hoje, superficialidades, tem gente morrendo, tem gente sofrendo, tem uma infinidade de pessoas preocupadas, angustiadas, apavoradas. Gente sem trabalho, gente passando fome. Há solidão, pobreza e falta de ar. O mundo não é o umbigo de quem está malhando em casa e escolhendo qual o cômodo de sua mansão confortável irá ostentar no próximo post.

Quando bravateamos a receita do prato maravilhoso, o ar puro respirado no quintal frondoso, os passeios ao ar livre sem ninguém no meio do caminho ou o trabalho em home office, podemos de alguma maneira estar afrontando aos que continuam dependendo dos transportes coletivos aglomerados para trabalhar, aos que estão na linha de frente nos serviços essenciais, aos que estão desesperados nos hospitais, aos familiares que estão rezando incessantemente pela cura de um ente querido contaminado.

Enquanto uns e outros investem todo seu tempo discutindo política de forma leviana e cega, que se recusam a pensar fora da caixa e a enxergar o mundo para além de si próprios, há outros milhares morrendo pela omissão e pelos erros de alguns outros que estão no poder. Tudo isso é muito duro de encarar. Acabamos por perceber, na doença e na tristeza, quem são as pessoas com quem não queremos manter relação depois, simplesmente porque não conseguem se conectar senão com suas próprias mazelas. Que ignoram as dores dos outros. Que desconhecem da empatia ou a usam em proveito próprio. Que jogam com interesses, esperanças, necessidades dos outros.

Está difícil crer em dias melhores. Mas eles chegarão. O tempo passará de qualquer maneira e quem sobreviver, poderá tentar retomar a vida e tomara que em outro patamar.

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Campanha da vez

sexta-feira, 27 de março de 2020

Tempos complexos. Crise sanitária, social, econômica, política. Vidas de pessoas em risco, o invisível nos assolando de forma assustadora, relações de trabalho por um fio, empresas pedindo socorro, equipe da área de saúde na linha de frente, e a descrição do cenário que beira o caos poderia não terminar nessas páginas. Temos um longo e árduo caminho pela frente.

Tempos complexos. Crise sanitária, social, econômica, política. Vidas de pessoas em risco, o invisível nos assolando de forma assustadora, relações de trabalho por um fio, empresas pedindo socorro, equipe da área de saúde na linha de frente, e a descrição do cenário que beira o caos poderia não terminar nessas páginas. Temos um longo e árduo caminho pela frente.

Vimo-nos imbuídos nesses assuntos e os cuidados são tantos que sentimo-nos sobrecarregados de tanto nos precavermos. Pois é. Nesses dias em que somos convocados à introspecção, que os incrementos tecnológicos batem às nossas portas para que finalmente aprendamos a lidar com todos os mecanismos, que o temos pela escassez e o medo de perder alguém é tão mais forte do que podemos suportar, acabamos por levantar bandeiras de várias campanhas.

Eu mesma já me engajei em várias. Campanha para conscientização de que devemos ficar em casa, campanha de incentivo para não deixarmos os trabalhadores autônomos sem receber pagamentos pelos serviços, campanha para darmos suportes às diaristas, campanha para nos conectarmos com a arte nesses dias sombrios, campanhas em favor do autoconhecimento, em prol dos profissionais de saúde, para segurarmos os idosos em casa, campanha pelo isolamento, pelo trabalho em home office, campanha para lavarmos as mãos, para darmos abraços virtuais, e até mesmo para deixarmos de ser tolos. Campanha de tudo. As bandeiras? Redes sociais.

E os efeitos? São reais. Não tenho estatísticas, mas sinto que os silêncios eloquentes e os gritos coletivos têm provocado consequências a todo instante. Só queremos a vida de volta. Continuemos, pois.

 

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Déjà vu

sexta-feira, 20 de março de 2020

Quem imaginaria que estaríamos vivendo esses dias... Creio que nem o maior dos profetas imaginaria um planeta em quarentena para combater seres microscópicos que se multiplicam no invisível. Nem os principais roteiristas de Hollywood ousaram tanto em suas imaginações. Hoje, falaríamos sobre várias coisas, mas infelizmente não consigo projetar nada diferente que não seja a crise pela qual estamos passando em razão da endemia provocada pelo novo coronavírus, o Covid-19.

Quem imaginaria que estaríamos vivendo esses dias... Creio que nem o maior dos profetas imaginaria um planeta em quarentena para combater seres microscópicos que se multiplicam no invisível. Nem os principais roteiristas de Hollywood ousaram tanto em suas imaginações. Hoje, falaríamos sobre várias coisas, mas infelizmente não consigo projetar nada diferente que não seja a crise pela qual estamos passando em razão da endemia provocada pelo novo coronavírus, o Covid-19.

Parece que de repente ficamos sem assunto, ou cheios do mesmo. Noite dessas, inclusive, sonhei com isso. Sinal claro de que precisaria dar um jeito de me desconectar ainda que durante o sono, dessa loucura da vida real que estamos todos, o mundo inteiro, experienciando juntos. Sinto-me em uma guerra. Uma sensação estranha de quem nunca passou por isso, mas que sente como se estivesse revivendo momentos. Déjà vu. Essa sensação.

Parecemos perdidos, mas ao mesmo tempo sabemos que precisamos de um “kit sobrevivência”, tememos pelas perdas, sentimo-nos impotentes, quando não aprisionados dentro de uma situação. Pensamos no quanto de alimento temos, se a água será abundante, se os médicos e profissionais da saúde estão bem, se terá emprego para todos, como os entes queridos estão se virando. Se temos empatia, sofremos por aqueles que não tem nada e também por aqueles que nunca “quiseram nada com a hora do Brasil”, mas que agora sofrem.

Tudo é sofrimento quando estamos em guerra. Mas nessa, o inimigo declarado não fala, não ameaça com bombas, não persegue com armadilhas, não cria estratégias racionais e os soldados somos todos nós. Agora, o adversário é invisível, microscópico e do tamanho do mundo inteiro, afeta jovens, idosos, ricos, pobres, qualquer etnia, qualquer nacionalidade, qualquer conta bancária. Basta ser pessoa. Ser humano é o requisito principal para poder ser vítima. Não tem objetivo final e quando um perde, todos perdem. E quando um ganha, um sobrevive, um cura, os demais sete bilhões e setecentos milhões de pessoas comemoram.

O que estamos vivendo é tão surreal e complexo que sinceramente, faltam-me até palavras para descrever. Do pouco que sabemos, estamos certos de que aqueles que podem, devem se isolar, que devemos respeitar uns aos outros, sermos mais altruístas e responsáveis e utilizarmos das fórmulas conhecidas e recomendadas pelas autoridades competentes para minimizarmos os efeitos causados pelo inimigo potente da vez.

Enquanto isso, emano toda a energia boa que meu coração é capaz de produzir por toda a humanidade, pelos profissionais da saúde, pelas autoridades que tomam decisões, por todos nós. Não sejamos omissos, cegos, irresponsáveis. O isolamento social é necessário. Sei que não estamos acostumados. Somos um povo caloroso, que ama abraços, que fala com rosto colado, que encosta um no outro, que se beija e se ama intensamente. Queremos continuar vivos. É hora de nos voltarmos para o mundo e para dentro ao mesmo tempo. Vamos trabalhar pela cura, pelo pensamento do bem, pela paz de espírito, a força interior, porque precisaremos de força para ajudarmos uns aos outros. Está só começando. Essa “guerra” demanda esforço, disciplina, coragem, amor, renúncias. Sejamos responsáveis. Vamos passar dessa.

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Acabaram com o verão?

sexta-feira, 13 de março de 2020

Ano 2020. Acabaram com o horário de verão, é fato, mas será que não erraram e cancelaram o verão junto? É uma piada. Aviso logo. Sem graça, eu sei. Os ânimos tensos às vezes não admitem sequer uma brincadeira para descontrair. Mas estamos no verão ainda, eu acho, apesar de não ter até hoje guardado os casacos. Coisa estranha essa de sentir frio de outono em pleno verão.

Ano 2020. Acabaram com o horário de verão, é fato, mas será que não erraram e cancelaram o verão junto? É uma piada. Aviso logo. Sem graça, eu sei. Os ânimos tensos às vezes não admitem sequer uma brincadeira para descontrair. Mas estamos no verão ainda, eu acho, apesar de não ter até hoje guardado os casacos. Coisa estranha essa de sentir frio de outono em pleno verão.

 Confesso, eu adoro frio. As temperaturas começam a cair e meu nível de alegria tende a subir. Mas dormir envolta em edredons no início do ano, com temperatura ambiente – sensação aprazível, inclusive -  causa um pouco de estranheza. Não fossem as chuvas recorrentes, desconfiaria de que estamos realmente vivendo a estação errada.

 As flores de maio já começaram a florescer por aqui. Pergunto: alguém sabe me dizer se eram para desabrocharem apenas em maio mesmo ou não há correlação com o nome da planta? Só sei que está estranho.

Algumas coisas estão bem mudadas. Lembro-me que quando mencionávamos por exemplo a disponibilidade de um profissional “em horário comercial”, havia uma presunção de que ele poderia atender das 8h às 18h, ou das 9h às 18h, de segunda à sexta-feira como regra. Era algo assim, com algumas variações. Parece-me que tínhamos um combinado tácito mais claro de que assuntos de caráter profissional, digamos assim, deveriam ser provocados dentro daquele “horário comercial”. Como se houvesse um bom senso quanto ao respeito ao sono e dias de descanso alheios.

Hoje, com o incremento das tecnologias de informação, creio que cancelaram juntamente com o falecido horário de verão, o horário comercial também. Sábado é dia, domingos e feriados também são. Toda hora é hora. Recebemos demandas de clientes às 23h de uma sexta-feira, sem nenhuma urgência, como se “horário comercial” fosse. E se respondemos na segunda-feira subsequente em horário comercial de verdade, talvez demoramos muito a fazê-lo. Que coisa, não?

Com o horário de verão, a mesma coisa. Adiantaríamos uma hora em nossos relógios. Escurecia mais tarde. Acabaram com isso. Mas só de teimosia, a natureza está mandando seu recado de rebeldia. Ontem mesmo, escureceu mais tarde. Reparei. A noite ainda era dia.

Coisa estranha. Estamos assim. Em seus dois significados, tempo não é mais o mesmo...

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