Blog de paulafarsoun_25873

A vida tem dessas coisas

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Era um dia comum. Tardezinha. A moça, sobrevivente, pôs-se a pensar. A premissa: cada dia em que estamos vivos é mais um dia de sobrevivência. Naquela ocasião, teve a oportunidade de tomar com calma a xícara de chá e por incrível que pareça ficou até o amanhecer sem fazer nada que não fosse pensar. Um privilégio, é verdade. A vida tem dessas coisas. Às vezes, se tem a oportunidade de parar ... e pensar.

Era um dia comum. Tardezinha. A moça, sobrevivente, pôs-se a pensar. A premissa: cada dia em que estamos vivos é mais um dia de sobrevivência. Naquela ocasião, teve a oportunidade de tomar com calma a xícara de chá e por incrível que pareça ficou até o amanhecer sem fazer nada que não fosse pensar. Um privilégio, é verdade. A vida tem dessas coisas. Às vezes, se tem a oportunidade de parar ... e pensar.

Dois pontos de partida tomaram seu tempo e suas reflexões. Primeiro, refletiu sobre as encruzilhadas da vida. Com o dedo da mão direita, desenhou na toalha de mesa e em seu imaginário, aquele ponto central entre dois caminhos, a plaquinha indicando para a esquerda um rumo, para a direita, outro e ela bem ali, no meio. Sem saber para onde ir. Sem saber para qual direção caminhar. É uma situação poética.

A vida tem dessas coisas. A encruzilhada, pelo olhar da moça naquele momento de descontração era uma metáfora. Mas na verdade, sentido na pele o desafio da escolha pelo caminho a perseguir, só conseguia perceber um nó. E a moça, naquele meio distante de um real ponto de equilíbrio, sentia que precisava tomar uma decisão. Só não sabia qual.

A vida tem dessas coisas. E nossa, como é difícil! Aquela velha frase de que cada escolha implica em renúncias é uma verdade sentida no âmago do ser. Há quem viva de olhar pra trás e se arrepender de ter ido pela direita ao invés da esquerda. Há quem olhe para frente e vislumbre um horizonte único que será perseguido em qualquer caminho, desde que se continue a andar adiante.

Às vezes, até mesmo o ponto nevrálgico da dúvida e da decisão pode merecer uma desconstrução. Pode ser que o tamanho do nó, o embaçamento da visão, o peso  preso aos pés e a necessidade de opinião do outro tenham muito a ver com nossas expectativas. Desconstruir barreiras também é um processo. E seguir em frente sem medo de se arrepender pelo que deveria ter sido e não foi é uma baita evolução. Essa foi a segunda reflexão.

A moça percebeu que deveria desconstruir de alguma maneira esse medo de dar errado e o temor de escolher o pior caminho e entender que o processo é assim mesmo e que quanto maior for seu autoconhecimento, maior a probabilidade de celebrar opções que tenham nexo com seus valores e sua trajetória. Percebeu que as questões da vida não vêm com gabarito. E que a encruzilhada não é um enunciado com resposta pronta. Percebeu que mesmo que depois venha a se reconhecer em outro direcionamento na trajetória da vida, aquilo tudo que um dia foi construído, de alguma maneira se permanecerá de pé.

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Quarentena

sexta-feira, 03 de abril de 2020

Este não é um “texto cabeça”. Definitivamente não é. Mas poderia ser. Está difícil dissociarmos nossa existência nesses dias da crise abissal enfrentada pela humanidade. Quem está tendo oportunidade de aprofundar suas reflexões com o coração aberto para o aprendizado, quem está fortalecido o bastante para encarar os perigos reais de frente e quem tem amor pelo próximo suficiente para pensar em ser útil uma hora dessas, provavelmente está crescendo e muito.

Este não é um “texto cabeça”. Definitivamente não é. Mas poderia ser. Está difícil dissociarmos nossa existência nesses dias da crise abissal enfrentada pela humanidade. Quem está tendo oportunidade de aprofundar suas reflexões com o coração aberto para o aprendizado, quem está fortalecido o bastante para encarar os perigos reais de frente e quem tem amor pelo próximo suficiente para pensar em ser útil uma hora dessas, provavelmente está crescendo e muito.

Tenho lido muitos comentários nas redes sociais finalizados pela hastag “vai planeta”. E essa expressão tem me remetido a uma sensação de esperança. Será que todas essas pessoas que fazem uso dela estão deveras apostando suas fichas na pandemia provocada pelo novo coronavírus como instrumento para nossa melhora enquanto humanidade? Será que elas têm razão? Seria possível sairmos melhores do caos? Todas as crises advindas serão mesmo presságios de bons acontecimentos?

Há momentos em que nos vemos em um beco em saída. Olhamos para um horizonte escuro e procuramos pelo sinal de luz. E por vezes, não o encontramos. Desesperamo-nos, pois estamos acostumados a esbanjar feixes de claridade por aí. Mas a realidade nua e crua nos mostra a escassez, nos revela que da noite para o dia, muitas coisas podem mudar drasticamente. Estamos preparados para encarar essa verdade?

Sinto estarmos vivendo um estado de profundas transformações e esforço-me para resgatar em meu arcabouço sentimental, as melhores ferramentas para verdadeiramente crer que serão para melhor, de alguma maneira. Fácil não está sendo. A “quarentena” mundial está fazendo doer a saúde, o coração, a saudade, o bolso, a paz, a fraternidade, a família, a fé.

O que estamos enfrentando, todos juntos, provoca as mais sensíveis dores e ouso dizer que de alguma delas, ninguém escapa. Não sei vocês, mas eu ando confusa até mesmo em relação aos métodos criados por nós para “tentarmos fazer o tempo passar”, para “aproveitarmos melhor o tempo em casa”, “para descansar nesses dias de isolamento”. Parece difícil de engolir. Não estamos todos imbuídos em simplesmente fazer o tempo passar. Não temos o que aproveitar. Ou temos?

Enquanto estamos confabulando sobre essas, hoje, superficialidades, tem gente morrendo, tem gente sofrendo, tem uma infinidade de pessoas preocupadas, angustiadas, apavoradas. Gente sem trabalho, gente passando fome. Há solidão, pobreza e falta de ar. O mundo não é o umbigo de quem está malhando em casa e escolhendo qual o cômodo de sua mansão confortável irá ostentar no próximo post.

Quando bravateamos a receita do prato maravilhoso, o ar puro respirado no quintal frondoso, os passeios ao ar livre sem ninguém no meio do caminho ou o trabalho em home office, podemos de alguma maneira estar afrontando aos que continuam dependendo dos transportes coletivos aglomerados para trabalhar, aos que estão na linha de frente nos serviços essenciais, aos que estão desesperados nos hospitais, aos familiares que estão rezando incessantemente pela cura de um ente querido contaminado.

Enquanto uns e outros investem todo seu tempo discutindo política de forma leviana e cega, que se recusam a pensar fora da caixa e a enxergar o mundo para além de si próprios, há outros milhares morrendo pela omissão e pelos erros de alguns outros que estão no poder. Tudo isso é muito duro de encarar. Acabamos por perceber, na doença e na tristeza, quem são as pessoas com quem não queremos manter relação depois, simplesmente porque não conseguem se conectar senão com suas próprias mazelas. Que ignoram as dores dos outros. Que desconhecem da empatia ou a usam em proveito próprio. Que jogam com interesses, esperanças, necessidades dos outros.

Está difícil crer em dias melhores. Mas eles chegarão. O tempo passará de qualquer maneira e quem sobreviver, poderá tentar retomar a vida e tomara que em outro patamar.

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Campanha da vez

sexta-feira, 27 de março de 2020

Tempos complexos. Crise sanitária, social, econômica, política. Vidas de pessoas em risco, o invisível nos assolando de forma assustadora, relações de trabalho por um fio, empresas pedindo socorro, equipe da área de saúde na linha de frente, e a descrição do cenário que beira o caos poderia não terminar nessas páginas. Temos um longo e árduo caminho pela frente.

Tempos complexos. Crise sanitária, social, econômica, política. Vidas de pessoas em risco, o invisível nos assolando de forma assustadora, relações de trabalho por um fio, empresas pedindo socorro, equipe da área de saúde na linha de frente, e a descrição do cenário que beira o caos poderia não terminar nessas páginas. Temos um longo e árduo caminho pela frente.

Vimo-nos imbuídos nesses assuntos e os cuidados são tantos que sentimo-nos sobrecarregados de tanto nos precavermos. Pois é. Nesses dias em que somos convocados à introspecção, que os incrementos tecnológicos batem às nossas portas para que finalmente aprendamos a lidar com todos os mecanismos, que o temos pela escassez e o medo de perder alguém é tão mais forte do que podemos suportar, acabamos por levantar bandeiras de várias campanhas.

Eu mesma já me engajei em várias. Campanha para conscientização de que devemos ficar em casa, campanha de incentivo para não deixarmos os trabalhadores autônomos sem receber pagamentos pelos serviços, campanha para darmos suportes às diaristas, campanha para nos conectarmos com a arte nesses dias sombrios, campanhas em favor do autoconhecimento, em prol dos profissionais de saúde, para segurarmos os idosos em casa, campanha pelo isolamento, pelo trabalho em home office, campanha para lavarmos as mãos, para darmos abraços virtuais, e até mesmo para deixarmos de ser tolos. Campanha de tudo. As bandeiras? Redes sociais.

E os efeitos? São reais. Não tenho estatísticas, mas sinto que os silêncios eloquentes e os gritos coletivos têm provocado consequências a todo instante. Só queremos a vida de volta. Continuemos, pois.

 

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Déjà vu

sexta-feira, 20 de março de 2020

Quem imaginaria que estaríamos vivendo esses dias... Creio que nem o maior dos profetas imaginaria um planeta em quarentena para combater seres microscópicos que se multiplicam no invisível. Nem os principais roteiristas de Hollywood ousaram tanto em suas imaginações. Hoje, falaríamos sobre várias coisas, mas infelizmente não consigo projetar nada diferente que não seja a crise pela qual estamos passando em razão da endemia provocada pelo novo coronavírus, o Covid-19.

Quem imaginaria que estaríamos vivendo esses dias... Creio que nem o maior dos profetas imaginaria um planeta em quarentena para combater seres microscópicos que se multiplicam no invisível. Nem os principais roteiristas de Hollywood ousaram tanto em suas imaginações. Hoje, falaríamos sobre várias coisas, mas infelizmente não consigo projetar nada diferente que não seja a crise pela qual estamos passando em razão da endemia provocada pelo novo coronavírus, o Covid-19.

Parece que de repente ficamos sem assunto, ou cheios do mesmo. Noite dessas, inclusive, sonhei com isso. Sinal claro de que precisaria dar um jeito de me desconectar ainda que durante o sono, dessa loucura da vida real que estamos todos, o mundo inteiro, experienciando juntos. Sinto-me em uma guerra. Uma sensação estranha de quem nunca passou por isso, mas que sente como se estivesse revivendo momentos. Déjà vu. Essa sensação.

Parecemos perdidos, mas ao mesmo tempo sabemos que precisamos de um “kit sobrevivência”, tememos pelas perdas, sentimo-nos impotentes, quando não aprisionados dentro de uma situação. Pensamos no quanto de alimento temos, se a água será abundante, se os médicos e profissionais da saúde estão bem, se terá emprego para todos, como os entes queridos estão se virando. Se temos empatia, sofremos por aqueles que não tem nada e também por aqueles que nunca “quiseram nada com a hora do Brasil”, mas que agora sofrem.

Tudo é sofrimento quando estamos em guerra. Mas nessa, o inimigo declarado não fala, não ameaça com bombas, não persegue com armadilhas, não cria estratégias racionais e os soldados somos todos nós. Agora, o adversário é invisível, microscópico e do tamanho do mundo inteiro, afeta jovens, idosos, ricos, pobres, qualquer etnia, qualquer nacionalidade, qualquer conta bancária. Basta ser pessoa. Ser humano é o requisito principal para poder ser vítima. Não tem objetivo final e quando um perde, todos perdem. E quando um ganha, um sobrevive, um cura, os demais sete bilhões e setecentos milhões de pessoas comemoram.

O que estamos vivendo é tão surreal e complexo que sinceramente, faltam-me até palavras para descrever. Do pouco que sabemos, estamos certos de que aqueles que podem, devem se isolar, que devemos respeitar uns aos outros, sermos mais altruístas e responsáveis e utilizarmos das fórmulas conhecidas e recomendadas pelas autoridades competentes para minimizarmos os efeitos causados pelo inimigo potente da vez.

Enquanto isso, emano toda a energia boa que meu coração é capaz de produzir por toda a humanidade, pelos profissionais da saúde, pelas autoridades que tomam decisões, por todos nós. Não sejamos omissos, cegos, irresponsáveis. O isolamento social é necessário. Sei que não estamos acostumados. Somos um povo caloroso, que ama abraços, que fala com rosto colado, que encosta um no outro, que se beija e se ama intensamente. Queremos continuar vivos. É hora de nos voltarmos para o mundo e para dentro ao mesmo tempo. Vamos trabalhar pela cura, pelo pensamento do bem, pela paz de espírito, a força interior, porque precisaremos de força para ajudarmos uns aos outros. Está só começando. Essa “guerra” demanda esforço, disciplina, coragem, amor, renúncias. Sejamos responsáveis. Vamos passar dessa.

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Acabaram com o verão?

sexta-feira, 13 de março de 2020

Ano 2020. Acabaram com o horário de verão, é fato, mas será que não erraram e cancelaram o verão junto? É uma piada. Aviso logo. Sem graça, eu sei. Os ânimos tensos às vezes não admitem sequer uma brincadeira para descontrair. Mas estamos no verão ainda, eu acho, apesar de não ter até hoje guardado os casacos. Coisa estranha essa de sentir frio de outono em pleno verão.

Ano 2020. Acabaram com o horário de verão, é fato, mas será que não erraram e cancelaram o verão junto? É uma piada. Aviso logo. Sem graça, eu sei. Os ânimos tensos às vezes não admitem sequer uma brincadeira para descontrair. Mas estamos no verão ainda, eu acho, apesar de não ter até hoje guardado os casacos. Coisa estranha essa de sentir frio de outono em pleno verão.

 Confesso, eu adoro frio. As temperaturas começam a cair e meu nível de alegria tende a subir. Mas dormir envolta em edredons no início do ano, com temperatura ambiente – sensação aprazível, inclusive -  causa um pouco de estranheza. Não fossem as chuvas recorrentes, desconfiaria de que estamos realmente vivendo a estação errada.

 As flores de maio já começaram a florescer por aqui. Pergunto: alguém sabe me dizer se eram para desabrocharem apenas em maio mesmo ou não há correlação com o nome da planta? Só sei que está estranho.

Algumas coisas estão bem mudadas. Lembro-me que quando mencionávamos por exemplo a disponibilidade de um profissional “em horário comercial”, havia uma presunção de que ele poderia atender das 8h às 18h, ou das 9h às 18h, de segunda à sexta-feira como regra. Era algo assim, com algumas variações. Parece-me que tínhamos um combinado tácito mais claro de que assuntos de caráter profissional, digamos assim, deveriam ser provocados dentro daquele “horário comercial”. Como se houvesse um bom senso quanto ao respeito ao sono e dias de descanso alheios.

Hoje, com o incremento das tecnologias de informação, creio que cancelaram juntamente com o falecido horário de verão, o horário comercial também. Sábado é dia, domingos e feriados também são. Toda hora é hora. Recebemos demandas de clientes às 23h de uma sexta-feira, sem nenhuma urgência, como se “horário comercial” fosse. E se respondemos na segunda-feira subsequente em horário comercial de verdade, talvez demoramos muito a fazê-lo. Que coisa, não?

Com o horário de verão, a mesma coisa. Adiantaríamos uma hora em nossos relógios. Escurecia mais tarde. Acabaram com isso. Mas só de teimosia, a natureza está mandando seu recado de rebeldia. Ontem mesmo, escureceu mais tarde. Reparei. A noite ainda era dia.

Coisa estranha. Estamos assim. Em seus dois significados, tempo não é mais o mesmo...

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Grita, menina!

sexta-feira, 06 de março de 2020

Grita. Não aceite isso não. Exponha ainda que silenciosamente a parte que não mais te cabe desse latifúndio histórico de opressão. Abra mão dessa “terra” besta. Reconheça teu valor e não temas pelo leite que jaz derramado. Até as vacas hão de doar mais leite para recompor sua liteira avariada.

Grita. Não aceite isso não. Exponha ainda que silenciosamente a parte que não mais te cabe desse latifúndio histórico de opressão. Abra mão dessa “terra” besta. Reconheça teu valor e não temas pelo leite que jaz derramado. Até as vacas hão de doar mais leite para recompor sua liteira avariada.

Grita, menina. Não sente nesse colo opressor. Não lave mais essa louça de um tostão, nem queime as pontas dos dedos nesse fogo mais quente que o queimador do fogão. Saia por essa porta de cabeça erguida, peito inflado do orgulho acumulado que teimaram em limitar. Grita com essa voz grossa ou fina, rouca, esganiçada. Voz de doida que é muito sã. Essa voz que sai de ti e que é a mais linda que se pode ouvir. Não creia que sua potência é louca e que sua voz é pouca.

Grita, moça. Até que os surdos possam ouvir. Grita com tua alma brilhante cuja luz tentam apagar. Se lança por aí com esse andar desengonçado, aquele lerdo que sempre fica para trás, com esses passos desencontrados, arrastados pelo caminho cujas armadilhas teimam em colocar. Corre por aí com esse preparo físico inato e vigoroso que tentam suprimir.

Grita até doer essa garganta que de frágil não tem nada, até arrepiar os fios desse cabelo que de feio não tem nada, até sacodir sua carne. Vai, menina, use seu corpo, sua força interior. Pode ir. Seja a lúdica sonhadora que sempre foi, mas sonhe por aí. Seja a emotiva chorona, mas chore em outro lugar. Seja a mãe babona, a mulher brigona, mas seja. Seja o que quiser. Cante esse canto embargado, fora do tom, sem ritmo, mas cante fora daí.

Seja, menina. Tudo ou nada, a desequilibrada, mas seja. Conduza seu oito ou 80 nesse caminho vão. Ou vil. Corra com sua “TPM insuportável”, com seu “temperamento indomável”. Fuja desse lugar de oprimida. Busque sua lucidez, resgate sua coragem.

Vá com a roupa feia, com a unha sem estar feita, com o peso sem medida. Não liga, menina. Grite que está cansada desse estereótipo fictício, dessa capa de revista de mentira, dessa pressão descabida,  dessa forma que não consegue ser. Fuja desse estigma de louca. De mal amada. De pouco cuidada.

Espalhe essa energia reprimida, de tempos em tempos suprimida. Dê o primeiro passo e perceba que não desaprendeu a andar. Nem a lavar e passar. Não lave mais nada não. Enquanto não aprenderem a lavarem suas bocas, a secarem seus ranços, a perceberem o quão tolos são seus comandos. Ria de tudo isso. Use seu riso para gargalhar contra quem te reprime e desentale esse rojão de vida agarrado sob o nó da sua garganta.

Sopre a vida. Mude de postura. Aprenda a não silenciar. Salvo se quiser. Berre esse canto entalado, enlutado de quem quase morreu e sabe que só se vive uma vez. Vá, menina. Viva. V-i-v-a! Saia daí. Seu lugar não é a cozinha, salvo se quiser. Nem atrás do homem. É em todo lugar.

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Dar conta de tudo

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Volta e meia perguntam-me como dou conta de tudo. De tanto tentar responder a essa indagação, reparei que eu também de tempos em tempos confabulo como fulano é capaz de fazer tudo o que faz e seguir sorrindo; como beltrano tem energia para desempenhar tudo o que desempenha e ainda conseguir cozinhar pratos maravilhosos aos fins de semana; como ciclana multitarefas ainda é capaz de praticar atividades físicas diariamente e cumprir uma dieta vegana.

Volta e meia perguntam-me como dou conta de tudo. De tanto tentar responder a essa indagação, reparei que eu também de tempos em tempos confabulo como fulano é capaz de fazer tudo o que faz e seguir sorrindo; como beltrano tem energia para desempenhar tudo o que desempenha e ainda conseguir cozinhar pratos maravilhosos aos fins de semana; como ciclana multitarefas ainda é capaz de praticar atividades físicas diariamente e cumprir uma dieta vegana.

 Andamos assim. Muitos de nós no auge de nossas agendas lotadas ainda nos impressionamos como eles conseguem fazerem tanto, serem tanto e ainda prepararem um bom café da manhã. Talvez não nos damos conta de que eles somos nós e vice e versa. Para muitos de nós pouco importa se a grama do vizinho é mais verde, afinal, nem tempo temos de olhar para a cor da grama dele. Mas ainda assim, admiraremos o vizinho se percebermos no ar, assim, como quem não quer nada, que ele consegue dar conta de tudo e ainda meditar.

Em outras palavras, hoje em dia é praticamente um elogio inalcançável, um lugar no pódio, a garantia de um pedestal. Pode reparar em quando alguém infla o peito para dizer que outro alguém consegue dar conta de tudo. Tem um quê de surpresa e admiração por um feito tão impressionante, ainda mais se o interlocutor for um clássico procrastinador. Agora, definir “tudo” é que são elas. Tudo é deveras vago. Tudo pode ser t-u-d-o. E isso é muito. Tudo por si só é um conceito inalcançável. É o impossível. Ninguém consegue. Mas ainda assim, dar conta de tudo é tudo.

Temos vivido uma época em que as demandas são tantas e de todos os lados, que realmente, fazer o bastante é tarefa para poucos. Parece faltar alguma coisa, como se o copo estivesse cheio o tempo todo, mas com um furo em algum lugar, por onde gotículas escorrem de modo a caber sempre mais um pouco d´água. Um refratário insaciável. Não que isso seja ruim. Pelo contrário. Há até um certo propósito em viver pelo preenchimento, em busca da completude. É privilégio ter gana, força e condições de se fazer tanto todos os dias. Não é para qualquer um.

Da próxima vez que me perguntarem o que faço para dar conta de tanto, responderei: fazendo. E agradecerei pelo elogio. E depois, meditarei.

 

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Alegria, alegria

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Pesquisa de campo: Quem gosta de carnaval? Levante a mão aquele que consegue não se contagiar com a energia que paira sobre nós nessa época do ano. Não há como negar, fica uma euforia no ar. Se pararmos para observar atentamente até mesmo o tal “pré carnaval”, perceberemos que mesmo esses dias que antecedem a folia são mais agitados, mais coloridos. Parece que as pessoas estão mais afobadas, o trânsito um tanto mais confuso e há até aqueles que emendam o feriadão, quando não resolvem ainda começar efetivamente o ano tão-somente após a folia.

Pesquisa de campo: Quem gosta de carnaval? Levante a mão aquele que consegue não se contagiar com a energia que paira sobre nós nessa época do ano. Não há como negar, fica uma euforia no ar. Se pararmos para observar atentamente até mesmo o tal “pré carnaval”, perceberemos que mesmo esses dias que antecedem a folia são mais agitados, mais coloridos. Parece que as pessoas estão mais afobadas, o trânsito um tanto mais confuso e há até aqueles que emendam o feriadão, quando não resolvem ainda começar efetivamente o ano tão-somente após a folia.

A arte contagia. É lindo de viver! Há pessoas que trabalham todos os seus dias em nome dela. Mas não consigo conceber que a manifestação cultural brasileira tenha vindo com o propósito de resetar o ano, como tanta gente insiste em fazer. Carnaval não é réveillon, mas ainda assim só depois dele é que muitas coisas voltam a acontecer. Ou começam. Divisor de águas, ou melhor, de ano. É isso que ele é? Contamos dias para a sua chegada, acumulamos projetos, planos, roteiros e mesmo horas de sono para quitarmos no “feriadão”. Eu mesma ando sonhando e somando quantas horas conseguirei quitar na cota do descanso por ocasião do carnaval.

Fato é que o povo se diverte, espairece, esquece por algum tempo de suas mazelas e de alguma maneira vive sua catarse existencial. É tempo em que todo mundo pode ser amigo de todo mundo, que há mais braços envolvidos em abraços, mais sorrisos largos e brilhos no olhar, músicas por toda parte, uma alergia genuína teima em brotar, quem quer se veste de palhaço ou qualquer fantasia, há oportunidade para extravasar e alguns ainda ganham seus dias de desocupação. Ô, que alegria!

Nem tudo são flores, entretanto. Nesses dias de folia, há muita gente frustrada, assistindo de posições não privilegiadas a folia alheia. Há gente sobrecarregada de trabalho. Os limites do respeito por vezes são esquecidos e infelizmente os casos de assédio contra mulheres são ainda mais frequentes. Da mesma forma, posso presumir pelo empirismo que muitos condutores dirigem dominados pelo efeito do álcool, pondo em risco suas vidas e submetendo o risco real aos outros. Sem contar a sujeira nas ruas. As brigas. A violência. O consumo de drogas. Acontece, infelizmente.

No carnaval, por vezes, refletimos também a educação que não temos. A infraestrutura que não temos. O espírito coletivo que não temos. O respeito pelo próximo que obviamente deveríamos ter, que não temos enquanto sociedade. Infelizmente. Não há como escapar. Não habitamos um planeta diferente esses dias. Continuamos sendo parte do que somos todo santo dia, ainda que inebriados pelos dons da folia.

Mas para quê pensar sobre isso? Afinal, é carnaval. Alegria, alegria...

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Não faça aos outros...

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

... Aquilo que não gostaria que fizessem com você. É tão simples assim como parece? Deveria ser. Comumente vivemos situações embaraçosas, desconfortáveis, angustiantes e sentimo-nos tristes e sobrecarregados. Situações essas que não raras vezes poderiam ter sido evitadas se nossos interlocutores da vida pensassem em evitar fazer às pessoas aquilo que abominariam que impusessem a elas. Seria bem mais fácil.

... Aquilo que não gostaria que fizessem com você. É tão simples assim como parece? Deveria ser. Comumente vivemos situações embaraçosas, desconfortáveis, angustiantes e sentimo-nos tristes e sobrecarregados. Situações essas que não raras vezes poderiam ter sido evitadas se nossos interlocutores da vida pensassem em evitar fazer às pessoas aquilo que abominariam que impusessem a elas. Seria bem mais fácil.

Mas, se coabitamos o mesmo planeta, talvez todos já tenhamos entendido ou estejamos próximos de compreender, que essa interação de mentes, de gente, de egos e valores, não é tão simples assim. Não é premissa básica uníssona que evitar impor aos outros coisas que detestaríamos que nos impusessem pode minimizar o sofrimento e o estresse do próximo. É importante até mesmo considerar que múltiplos que somos, não necessariamente partilhamos de dores semelhantes, de modo que às vezes o agir inconsciente atropela qualquer raciocínio sobre o estado de espírito dos receptores de nossas condutas por eles recepcionadas como negativas.  E por aí vai.

Carecemos de uma percepção mais inteligente. Emocionalmente mais inteligente, que considere também os outros, a sociedade como um todo e mesmo o planeta. Talvez devêssemos perceber que há questões que de maneira geral ferem, causam transtorno, prejudicam e geram sofrimento. Não é tão difícil supor que determinadas ações magoam, desestabilizam, deixam as pessoas em apuros de várias ordens.

Gostaria muito que fosse tão simples quanto parece. Que escolher ser pessoa leve fosse tudo de que precisássemos para efetivamente estarmos envoltos pela leveza todo o tempo. Às vezes, o é. Mas como não vivemos em uma bolha e nossas energias se entrelaçam com as dos outros o tempo todo, passa a ser uma arte e uma habilidade diferenciada sabermos nos defender da negatividade, da injustiça, da grosseria, da sobrecarga que nos impõem e ainda assim, seguirmos gratos e sem disseminar o mesmo nível de pensamentos, sentimentos e condutas por aí.

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Sobre ser uma pessoa entregue

sexta-feira, 07 de fevereiro de 2020

Pois é. Comprometimento é virtude em falta, como se diz. Nem todas as pessoas conseguem, querem, gostam ou necessitam se entregar ao que se propõem a fazer. É bastante comum a meia entrega, aquela barrada pelo clássico “pé atrás” para tudo, por vezes somado àquela preguiça, prima daquela falta de motivação que mais funciona como travas do que qualquer outra coisa.

Pois é. Comprometimento é virtude em falta, como se diz. Nem todas as pessoas conseguem, querem, gostam ou necessitam se entregar ao que se propõem a fazer. É bastante comum a meia entrega, aquela barrada pelo clássico “pé atrás” para tudo, por vezes somado àquela preguiça, prima daquela falta de motivação que mais funciona como travas do que qualquer outra coisa.

Muito se exige de todos nós. As cobranças são reais e comumente têm repercussões para além de seus contextos. Há pessoas que sentem o peso de tudo nas costas e mal conseguem deixar de curvarem seus corpos, tamanha sobrecarga que parecem suportar. Consequências físicas são sentidas. De fato, vivemos em uma sociedade bastante exigente sobre mil aspectos. Alguns insistem em abraçar todas as causas, tentar segurar o mundo na palma das próprias mãos e entregar-se completamente. Resta saber se as contrapartidas para tamanho esforço compensam incondicional empenho.

Somos como efeito dominó, em que a entrega de um pode refletir na entrega do outro, da mesma forma que a cobrança de quem está ao nosso lado, impacta em nossa vida gregária muito diretamente e assim vai. E quando o “gato sobe no telhado”? Já ouviram essa frase antes? É popular, mas o significado não é de conhecimento de todos. Parece significar o presságio de que algo vai dar errado. E muitas vezes, inegavelmente, a falta de comprometimento é justamente a mola que impulsiona o “gato” lá para cima.

A bem da verdade, a falta de entrega parece ser um traço existente em muitas das relações, sejam afetivas, laborais ou das mais diversas ordens. O efeito cascata parece também fazer morada nesse descompromisso que beira à aflição social.

Seja como for, entregar-se a um propósito, às missões assumidas, à vida do outro e ao bem social demandam um empenho que beira à resistência.

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