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A fuga do sofrimento

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Diante do sofrimento, a primeira atitude do homem é a fuga, o querer se livrar dele, haja visto que o sofrimento se apresenta como uma ameaça para sua felicidade. É difícil ao homem relacionar a beleza de toda a criação de Deus com as contrariedades que o afligem.

O papa emérito Bento XVI afirma não servir para nada uma visão de mundo que não consegue dar sentido ao sofrimento, e nos instiga a vê-lo como algo precioso. Em seus ensinamentos o pontífice demonstra, com maestria, as deficiências dos pensamentos que combatem o sofrimento.

Diante do sofrimento, a primeira atitude do homem é a fuga, o querer se livrar dele, haja visto que o sofrimento se apresenta como uma ameaça para sua felicidade. É difícil ao homem relacionar a beleza de toda a criação de Deus com as contrariedades que o afligem.

O papa emérito Bento XVI afirma não servir para nada uma visão de mundo que não consegue dar sentido ao sofrimento, e nos instiga a vê-lo como algo precioso. Em seus ensinamentos o pontífice demonstra, com maestria, as deficiências dos pensamentos que combatem o sofrimento.

"Devemos – é verdade – fazer tudo por superar o sofrimento, mas eliminá‐lo completamente do mundo não entra nas nossas possibilidades, simplesmente porque não podemos desfazer‐nos da nossa finitude e porque nenhum de nós é capaz de eliminar o poder do mal, da culpa que – como constatamos – é fonte contínua de sofrimento” (Spe salve, 36).

Algumas correntes filosóficas, e até mesmo religiosas, pregam a possibilidade de uma vida sem sofrimento, desenvolvendo, assim, uma apatia diante do mesmo. Esta intenção de esquivar-se das angústias se dá numa dupla vertente. O estoicismo, que estabelece um conjunto de preceitos racionais, e também a religiosidade asiática, busca atingir um completo esvaziamento interior que dá ao homem um domínio tal sobre si, que o faz capaz de anular qualquer dor ou sofrimento. Já o epicurismo ensina ao homem a técnica de suprimir o sofrimento com o exercício do prazer.

Estas correntes, cada vez mais dissolvidas no modo de pensar contemporâneo, podem até alcançar um certo virtuosismo, mas acabam por desembocar no orgulho que nega o ser do homem, reavivando o desejo que moveu o pecado original (Cf. Ratzinger, J. Escatología: la muerte y la vida eterna. p. 87-88).

A gama de sofrimento existente no mundo parece refutar a existência de Deus, ou mesmo atestar sua pequenez e simplicidade. Levada pelo desespero e pela angústia a humanidade sede à tentação de assumir o lugar de um Deus. Esta postura, fundada numa equivocada compreensão do sofrer, nos estimula a acreditar que a justiça deve ser imposta a qualquer preço, relegando a segundo plano a esperança.

É inegável a urgência em evitar o sofrimento dos inocentes, ou mesmo diminuir suas dores. Neste propósito, instaura-se a justiça e a caridade, exigências fundamentais da existência cristã e de cada vida verdadeiramente humana (cf. Spe Salve,36).

Esta forma de combater o sofrimento difere da ação dos que tentam anulá-lo. A tentativa de eliminar toda adversidade induz o homem a uma vida vazia, na qual impera a solidão e a obscura sensação da falta de sentido. Conclui-se, deste modo, que “não é o evitar o sofrimento, a fuga diante da dor, que cura o homem, mas a capacidade de aceitar a tribulação e nela amadurecer, de encontrar o seu sentido através da união com Cristo, que sofreu com infinito amor” (Idem, 37).

A partir de então, insere-se no conceito de sofrimento a íntima relação com o amor. Considerando, pois, o amor como um sair de si, de sua realização pessoal da cômoda tranquilidade, não há possibilidade de desvinculá-lo do sofrimento. E, diante desta relação, há de se considerar que o sofrimento move o homem ao amor e à compaixão. O amor sem a renúncia de si torna-se verdadeiro egoísmo, e anula-se a si próprio.

Sem este princípio é impossível construir uma sociedade que seja sensível aos que sofrem. Pois, sem o amor, não há abertura ao outro. O sofrer com o outro, pelo outro e por amor da verdade e da justiça são elementos fundamentais da humanidade.

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Padre Aurecir Martins de Melo Júnior é coordenador da Pastoral da Comunicação da Diocese de Nova Friburgo. Esta coluna é publicada às terças-feiras. 

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Desacreditar da verdade

terça-feira, 04 de agosto de 2020

A busca pela verdade sempre motivou a humanidade. Desde a era clássica, pensadores como Sócrates, Platão e Aristóteles divagaram exaustivamente sobre ela no intuito de defini-la e identificá-la no agir humano e social. A mesma questão instigava Pôncio Pilatos. Diante daquele que é a própria verdade, o governador romano releva a angústia do seu coração: “O que é a verdade?” (cf. João 18, 37-38). No seu silêncio, Jesus vai além da conceituação do termo. Ele revela que a verdade é a retidão do agir e da palavra humana, sem duplicidade, simulação e hipocrisia (cf.

A busca pela verdade sempre motivou a humanidade. Desde a era clássica, pensadores como Sócrates, Platão e Aristóteles divagaram exaustivamente sobre ela no intuito de defini-la e identificá-la no agir humano e social. A mesma questão instigava Pôncio Pilatos. Diante daquele que é a própria verdade, o governador romano releva a angústia do seu coração: “O que é a verdade?” (cf. João 18, 37-38). No seu silêncio, Jesus vai além da conceituação do termo. Ele revela que a verdade é a retidão do agir e da palavra humana, sem duplicidade, simulação e hipocrisia (cf. Catecismo da Igreja Católica, 2468).

É certo que a cultura relativista e individualista perpetrada na sociedade hodierna, tem afogado no coração do homem o amor à verdade. Vivemos como se ela não mais importasse ou até mesmo inexistisse. Vivendo fechado na cela do seu egoísmo e alimentado pelo desejo de satisfação pessoal, o homem produz um mundo estéril de relações supérfluas e interesseiras.

O papa emérito Bento XVI, define a verdade como um ‘lógos’ que cria ‘diá-logos’ e, consequentemente, comunicação e comunhão. Santo Tomás de Aquino ressalta sua importância para a sadia relação entre os homens, pois ela é condição sine qua non para a confiança recíproca (cf. Summa theologiae, 2-2, q. 109, a. 3).

O relativismo da verdade, presente no contexto atual e cultural, tende a dificultar a construção de uma boa sociedade e de um verdadeiro desenvolvimento humano integral. A vivência em comunidade sem o valor absoluto da verdade é frágil. Sempre que as opiniões se divergirem, germinará a semente do ódio e da divisão, e se anulará qualquer possibilidade de ajuda mútua.

O escritor e filósofo russo Fiódor Dostoiévski adverte para o risco de uma vida ancorada na mentira. “Quem mente a si mesmo e escuta as próprias mentiras, chega a pontos de já não poder distinguir a verdade dentro de si mesmo nem ao seu redor, e assim começa a deixar de ter estima de si mesmo e dos outros. Depois, dado que já não tem estima de ninguém, cessa também de amar, e então na falta de amor, para se sentir ocupado e distrair, abandona-se às paixões e aos prazeres triviais e, por culpa dos seus vícios, torna-se como uma besta; e tudo isso deriva do mentir contínuo aos outros e a si mesmo” (Os irmãos Karamazov, II, 2).

Assim, a desvalorização da verdade tende a dividir a humanidade em pequenos grupos polarizados que defendem a todo preço suas próprias ‘verdades’, fechados ao diálogo e ao crescimento.

Vivemos um contexto muito polarizado. A facilitação da divulgação das opiniões pelas mídias sociais faz agravar ainda mais diferenças, muitas vezes fundamentadas em inverdades. Com o intuito de defender as ideologias, rompe-se com facilidade a barreira da dignidade e da justiça, promovendo o descrédito do outro, forçando sua representação como inimigo fomentando os conflitos (cf. Mensagem o 52º Dia Mundial das Comunicações Sociais, 13 mai. 2018).

A construção de um mundo melhor e mais justo só será possível se nos comprometermos com a busca da verdade em todas as relações. A busca do homem pela verdade e o questionamento sobre a realidade ganha sentido à luz da eterna verdade, que é Jesus. Por isso, façamos a experiência de propagar com austeridade o Evangelho, lembrando-nos sempre que todo o que é da verdade ouve a voz de Cristo.

Padre Aurecir Martins de Melo Júnior é coordenador da Pastoral da Comunicação da Diocese de Nova Friburgo. Esta coluna é publicada às terças-feiras.

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Civilização do amor

terça-feira, 28 de julho de 2020

Na última semana, refletimos sobre o princípio da corresponsabilidade, própria da vida em sociedade. Cada ação e/ou decisão, por mais íntima e pessoal que seja, sempre repercute em toda a comunidade. O Papa Francisco, insistidas vezes, fala sobre a necessidade que a humanidade tem de cultivar os anticorpos da justiça, da caridade e da solidariedade. “A globalização da indiferença seguirá ameaçando e tentando nosso caminhar.

Na última semana, refletimos sobre o princípio da corresponsabilidade, própria da vida em sociedade. Cada ação e/ou decisão, por mais íntima e pessoal que seja, sempre repercute em toda a comunidade. O Papa Francisco, insistidas vezes, fala sobre a necessidade que a humanidade tem de cultivar os anticorpos da justiça, da caridade e da solidariedade. “A globalização da indiferença seguirá ameaçando e tentando nosso caminhar. Não tenhamos medo de viver a alternativa da civilização do amor, que é uma civilização da esperança: contra a angústia e o medo, a tristeza e o desalento, a passividade e o cansaço” (20 de abril de 2020).

A construção da civilização do amor é uma tarefa cotidiana, ininterrupta, fruto de um esforço comprometido de todos, de uma comprometida comunidade de irmãos. A expressão ‘Civilização do amor’ foi cunhada em 1970, pelo então pontífice, São Paulo VI, na ocasião da Solenidade de Pentecostes. Evocando a superação das divisões e dos conflitos entre as pessoas e povos, fruto da ação do Espírito Santo, o Papa conclamou toda a humanidade ao compromisso de continuidade da realização de um mundo de justiça e paz.

Somos todos responsáveis por zelar pelo bem comum e por uma vida de mais respeito, dedicação, doação e amor. Ninguém pode isentar-se. Todas as instituições devem evoluir para algo melhor, buscando novos pensamentos, novas culturas, em vista de uma convivência fraterna, caritativa e solidária.

“Não será o ódio, nem a contenda, nem a avareza e seu discurso, mas o amor. O amor que gera amor, o amor do homem pelo homem, não por qualquer interesse provisório e equívoco, ou por qualquer condescendência amarga e mal tolerada. Mas amor a Cristo encontrado no sofrimento e na necessidade de cada um de nossos semelhantes” (São Paulo VI, 25 dez 1975).

A meta da civilização do amor prevalece nas lutas sociais pelo bem comum e pela dignidade humana. E ela será alcançada na sonhada transfiguração da humanidade. Precisamos retomar corajosamente com urgência e alegria nosso lugar nesta jornada.

Outro pontífice que defendeu o imperativo da civilização do amor foi São João Paulo II. Na celebração do Dia Mundial da Paz, o papa polonês advertiu que “o amor deverá animar todos os setores da vida humana, estendendo-se também à ordem internacional. Só uma humanidade onde reine a civilização do amor poderá gozar duma paz autêntica e duradoura (1º de janeiro de 2004).

Diante da pandemia de Covid-19, ficamos estarrecidos ao perceber o quanto a humanidade tem deixado de lado o projeto da civilização do amor. Infelizmente, o cuidado para com os outros está submetido ao lucro e aos interesses ideológicos ou pessoais.

É preciso resgatar o respeito entre os iguais. Não podemos mais permitir que vidas humanas sejam subjugadas. A crise na saúde e na educação, a desmoralização da dignidade da pessoa humana pelo uso indevido do dinheiro público ou as injustiças causadas pelo abuso de poder devem cessar.

A civilização do amor, fomentada pelos anticorpos da solidariedade, caridade e justiça, só deixará de ser uma utopia se, no uso de nossos direitos e no cumprimento de nossos deveres, agirmos como indivíduos que fazem a diferença pensando em todos, e não somente em nossos próprios interesses.

Padre Aurecir Martins de Melo Júnior é coordenador da Pastoral da Comunicação da Diocese de Nova Friburgo. Esta coluna é publicada às terças-feiras.

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Onde está teu irmão? (Gn 4,9)

terça-feira, 21 de julho de 2020

*Padre Aurecir Martins de Melo Júnior

A reconstrução de uma realidade pós-pandemia é um dos assuntos mais discutidos nos últimos dias. Contudo, parece que a realização desta expectativa está cada vez mais distante.

Estamos inseridos numa atmosfera de dor e incerteza que abala nossa esperança, enche nosso coração de angústia e alimenta em nós o questionamento: Como faremos para superar esta situação que nos sobreveio de repente e levar em frente nossa vida?

*Padre Aurecir Martins de Melo Júnior

A reconstrução de uma realidade pós-pandemia é um dos assuntos mais discutidos nos últimos dias. Contudo, parece que a realização desta expectativa está cada vez mais distante.

Estamos inseridos numa atmosfera de dor e incerteza que abala nossa esperança, enche nosso coração de angústia e alimenta em nós o questionamento: Como faremos para superar esta situação que nos sobreveio de repente e levar em frente nossa vida?

Na semana passada, refletimos sobre o que podemos aprender com esta situação complexa e dolorosa. Sem dúvida, o impacto de tudo o que está acontecendo, as graves consequências que se descortinam e se vislumbram, a dor e o luto por nossos seres queridos nos desorientam, entristecem e paralisam. Mas, ao mesmo tempo, nos provocam a tomar as rédeas da situação e começar uma nova etapa na história da humanidade.

Não podemos sepultar a esperança, é preciso fortalecê-la pela realização de nossas práticas pessoais e sociais de justiça, caridade e solidariedade. Como uma pequena porção de fermento leveda toda a massa (cf. Mc 8, 14 -21), toda atitude é, na verdade, um passo em direção ao futuro.

Todas as vezes que saímos de nossa comodidade e caminhamos ao encontro das dores e angústias das pessoas vulneráveis e anciãs que atravessam a quarentena na mais absoluta solidão, quando de alguma forma ajudamos as famílias que não sabem como colocarão um prato de comida sobre a mesa, e tantas outras formas que poderíamos enumerar, concretizamos um encontro condolente com nosso semelhante.

A Pontifícia Academia para a Vida em nota reflete: “A pandemia de Covid-19 nos coloca numa situação de dificuldade sem precedentes, dramática e global: a sua força de desestabilização do nosso projeto de vida cresce a cada dia. Estamos vivendo um paradoxo que nunca teríamos imaginado: para sobreviver à doença, devemos nos isolar uns dos outros, e vivendo assim, percebemos que viver com os outros é essencial para a nossa vida” (30 mar. 2020).

Somos todos responsáveis! Mais uma vez se comprova que não há lugar para o egoísmo no futuro da humanidade. Aquele que escreve sua história dando as costas ao sofrimento dos irmãos e excluindo-se da responsabilidade na construção de um futuro melhor, fere a essência da comunidade.

No panorama atual, podemos perceber o quanto isso atinge a nós. O isolamento (afastamento) social é a principal, se não a única, arma que temos no momento para combater a contaminação pelo coronavírus. Sobre este tema, advertiu o Santo Padre: “Cada ação individual não é uma ação isolada, para o bem ou para o mal, ela tem consequências para os demais, porque todo está conectado em nossa casa comum; e se as autoridades sanitárias ordenam o confinamento nos lugares, é o povo que o faz possível, consciente de sua corresponsabilidade para frear a pandemia” (Papa Francisco, Un plan para ressuscitar, 14 abr. 2020).

Assim, se agimos como um só povo podemos pôr fim não só a esta crise que vivemos, mas a tantas outras epidemias que massacram a humanidade. Do simples uso de máscara de proteção ao voto consciente, assumimos que somos corresponsáveis e protagonistas na tarefa de tornar possível um novo mundo.

Padre Aurecir Martins de Melo Júnior é coordenador da Pastoral da Comunicação da Diocese de Nova Friburgo. Esta coluna é publicada às terças-feiras.

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Novo normal

terça-feira, 14 de julho de 2020

*Padre Aurecir Martins de Melo Júnior

Começamos uma fase de readaptação com as retomadas das atividades públicas que foram suspensas, total ou parcialmente, desde o início das medidas restritivas tomadas por motivo da pandemia causada pelo novo coronavírus.

*Padre Aurecir Martins de Melo Júnior

Começamos uma fase de readaptação com as retomadas das atividades públicas que foram suspensas, total ou parcialmente, desde o início das medidas restritivas tomadas por motivo da pandemia causada pelo novo coronavírus.

Sem dúvida, é um momento de alívio e esperança, mas não podemos deixar de atentar para a responsabilidade que todos temos na construção de um mundo melhor. A busca do ser humano pela normalidade, expressa pelo conceito “novo normal”, fundamenta-se pela proposta de um novo padrão que possa garantir nossa sobrevivência.

Esta nova etapa deve ser pautada na responsabilidade de promover a dignidade e a vocação integral da pessoa no seio das instituições e dos modelos econômicos, a qualidade das suas condições de existência, o encontro e a solidariedade dos povos e das nações com especial atenção à chaga dos pobres que são tão frequentemente esquecidos pela sociedade (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 35).

A Doutrina Social da Igreja atenta que a origem da sociedade não se encontra num ‘contrato’ ou ‘pacto’ convencional, mas na própria natureza humana, e que as ideologias do contrato social se apoiam numa antropologia falsa, ou seja, numa visão equivocada da natureza humana (cf. Leão XIII, Libertas praestantissimum, 8).

Seguindo este ensinamento, é inevitável o questionamento sobre o que até o momento é normal para nossa sociedade. Será que é conveniente voltarmos à normalidade vivida pré-pandemia?

Já em 2016, o Papa Francisco adverte sobre a urgente necessidade de renovação da prática social. Esta não deve ser pensada somente a nível econômico, mas regulada pela busca do bem comum da humanidade, do direito de cada pessoa a uma parte dos recursos deste mundo e de ter as mesmas oportunidades para realizar as próprias potencialidades, potencialidades que em última análise se baseiam na dignidade de filhos de Deus, criados à sua imagem e semelhança (cf. Discurso aos empresários participantes no Fortune-time Global Forum, 03 dez. 2020).

Acompanhamos com sentimento de descaso atitudes de governos que buscam formas para sair da crise e retomar a normalidade enquanto bilhões de pessoas estão confinadas. A pandemia descortinou e evidenciou muitos problemas sociais que o país já estava vivendo. Junto com a precariedade da saúde pública e privada estão o descaso com a educação, a falta de saneamento básico em muitas regiões do país e a esmagadora cultura de corrupção.  

Infelizmente, além dos sofrimentos inerentes à atual situação, une-se a equivocada e interessada prática política de nossas lideranças pela busca de poder e influência global em meio a esta crise desafiadora, na qual sofrem agudamente os mais necessitados (cf. Papa Francisco, Via Crucis, 2020)

Pacotes de emendas necessárias para suprir a crise gerada pelo novo coronavírus deparam-se com outros tantos prometidos para solucionar problemas sociais aos quais a população brasileira parece ter se acostumado.

O número excessivo de mortes revelou o que há muito tempo a parcela mais pobre de nossa sociedade já havia sentido na carne: o descaso com a saúde pública, refletido em hospitais sucateados, sem remédio, sem aparelhos, sem humanidade.

É urgente que este vale de lágrimas pelo qual estamos passando nos faça querer um novo normal. Um normal de mais comprometimento com a dor alheia, de mais fraternidade, solidariedade e consciência de nossa responsabilidade na construção de um futuro melhor, de esperança, respeito e dignidade.

Padre Aurecir Martins de Melo Junior é coordenador diocesano da Pastoral da Comunicação.
Esta coluna é publicada neste espaço às terças-feiras, a cada semana com a mensagem
de um membro do clero da Diocese de Nova Friburgo.

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