A vida nos apresenta situações inesperadas e de ternura especial. Fui, na semana passada, depois do inverno gélido de Nova Friburgo, surpreendida ou presenteada por uma dessas situações, quando minha mãe, com 91 anos, veio passar uns dias comigo. Decidi ficar ao lado dela como se estivesse no seu marsúpio. Assim, conversávamos, víamos filmes e ficávamos em silêncio, um silêncio carregado de lembranças, afeto e vontade de aproveitar aqueles momentos que, para nós, tinham preciosidades. Foram dez dias de mãe e filha, cheios de confidências e afagos.
Notícias de Nova Friburgo e Região Serrana

Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
Lendo o jornal A Relíquia, um informativo dos antiquários, leiloeiros, galeristas e colecionadores, em que são publicadas interessantes matérias sobre artes, eu me senti motivada a escrever sobre o papel da crueldade nos romances e contos de ficção. A edição de número 305 traz um breve ensaio sobre o Castelo de Poenari, onde o príncipe Vlad Tepes viveu no século XV, brutal governante da Valáquia, que inspirou o irlandês Bram Stoker, a criar o aterrorizante romance “O Conde Drácula” no século XIX.
Escrevo esta coluna no dia de finados com o livro “Meu Amigo Partiu” nas mãos, de Andrea Viviana Taubman, delicadamente ilustrado por Sandra Ronca, ambas amigas que guardo com carinho no coração. Cada palavra minha retrata a saudade que sinto por aqueles que partiram, pessoas que amei e por quem fui amada. Cada palavra minha é uma rosa que lhes ofereço com o melhor do meu afeto, principalmente a meu filho amado a quem gostaria de dar uma rosa amarela, cor de sua preferência, e ao filho da Sandra Ronca.
As colunas passadas, em que abordei a literatura construída por escritores cegos, me sensibilizaram. Não tenho privação de sentidos, mas eu me identifiquei com eles através da admiração que senti ao conhecer os processos de superação pelos quais passaram. Foram além dos limites extremos impostos pela ausência de visão e tornaram-se escritores valorizados no universo literário. Todavia não fosse a vontade implacável de ir além, teriam permanecido nas fronteiras impostas pelos limites físicos.
Durante o relaxamento no final das sessões de Yoga, escutando os passarinhos e os ruídos do vento nas matas de Nova Friburgo, com os olhos fechados, mergulho na ausência de visão, que não me é escuro ou vazio, que não é excludente. Adentro um universo quase desconhecido. Ao mergulhar dentro de mim, invado meus pensamentos e sensações, em que o ambiente e eu ganham outra dimensão quando passo a me perceber e o que está em meu entorno através da audição e das impressões que meu corpo capta. Sinto com mais nitidez a respiração, os batimentos cardíacos, cada parte do corpo.
“Para a tarefa do artista, a cegueira não é totalmente negativa, já pode ser um instrumento.”
Jorge Luis Borges
Ao escrever a coluna da semana passada, fiz um breve relato histórico sobre a máquina de escrever e fiquei surpresa ao saber que sua invenção foi motivada para atender às necessidades de pessoas cegas. Resolvi dar continuidade às pesquisas e tive a oportunidade de conhecer fatos interessantes a respeito das relações entre a literatura e os escritores com deficiência visual.
Noutro dia, num bate-papo de botar a conversa no centro da roda, uma amiga da família, Bia, falou a respeito da máquina de escrever. A minha geração e as subsequentes, as que nasceram entre as décadas de cinquenta e oitenta do século passado, tiveram os ouvidos acostumados com o bater das teclas, “tic-toc-tac-tic”, um barulhinho gostoso e discreto, que tomava conta do ambiente. Como minha avó era tradutora de livros literários, passei bom tempo da minha infância escutando o teclar da máquina.
Hoje vou sobrevoar este meu dia porque estou me sentindo solta das ideias mais formais. Esta descontração me permite encontrar o meu melhor espontâneo, que faz vir à pele a sensibilidade com que toco a vida.
Aquele que pensa e escreve precisa se distanciar da seriedade e brincar com os momentos que, se percebermos, nos convidam ao flanar sobre a realidade. Constato que nosso estado de espírito tem algo de muito irreverente e grita por liberdade.
O ato de começar guarda o princípio de propósitos, constitui-se em uma experiência diferente de todas que tivemos; nunca começamos exatamente de modo semelhante. Tem ineditismo. Ora pois, será que alguma vez acordamos para o mesmo dia?
Quando me preparei para escrever esta coluna, fui aos meus guardados e andei perambulando por minhas ideias que volta e meia registro em pedaços de papel. Escritor é assim. Não sei em que situação, assistindo a uma palestra, divagando ou saindo da cadeira do dentista, o fato é que anotei a sugestão de um livro ser um autor. Será coisa de louco? Ou da criatividade que liberta ideias e ultrapassa os limites da lógica? Um livro mostra o pensamento do autor em suas páginas. Mas quando se transforma, ganha vida e vira o próprio escritor? Não sei.