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Friburgo perde o seu último pracinha da Segunda Guerra

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Faleceu no último dia 15 o senhor Célio Mangia. Nascido em 1924, era descendente de imigrantes italianos das famílias Mangia por parte de pai e Rastreli de mãe. Como muitos italianos era morador no bairro das Duas Pedras.  Trabalhou na metalúrgica Ferragens Haga na seção de montagem de fechaduras. Nos fins de semana participava dos campeonatos de futebol jogando pelo time do Vila Nova.

Faleceu no último dia 15 o senhor Célio Mangia. Nascido em 1924, era descendente de imigrantes italianos das famílias Mangia por parte de pai e Rastreli de mãe. Como muitos italianos era morador no bairro das Duas Pedras.  Trabalhou na metalúrgica Ferragens Haga na seção de montagem de fechaduras. Nos fins de semana participava dos campeonatos de futebol jogando pelo time do Vila Nova.

Parecia ser um fim de semana como outro qualquer para Célio Mangia, mais um jogo de futebol no domingo no campeonato entre os bairros, uma forma de sociabilidade dos funcionários das fábricas. Seu time perdera de 1 a 0. Mas o pior ainda estava por vir. Após finalizar a partida, o técnico de seu time, Osvaldo, o chama, bate nas suas costas e mostrando um jornal lhe diz: “Você está na lista dos convocados para lutar na guerra”. Célio Mangia nos seus 19 anos teria que pegar o trem no dia seguinte, às 6h30 e se apresentar em Niterói, em um estabelecimento militar em frente as barcas.

O ano era 1944, quando o Brasil entrou na guerra enviando aproximadamente 25 mil homens, para ficar sob o comando dos norte-americanos. Célio Mangia embarcou no trem pagando sua passagem e chegou em Niterói juntamente com rapazes de Cantagalo, Cordeiro, Sumidouro, entre outros municípios vizinhos. Dali os recrutas foram encaminhados para o município de São Gonçalo. Tudo transcorreu muito rápido. Passou por um treinamento com armamento e instrução mecânica na Quinta da Boa Vista, depois foi para Benfica, Tijuca e finalmente foi encaminhado para a vila militar.

Nesses três meses, os recrutas não tiveram informação sobre nada. Certo dia, às 20h, quando já se preparavam para dormir receberam ordem para ficar em forma. Ficaram assustados. Entraram no trem em um vagão totalmente às escuras e partiram rumo ao porto. Saindo do vagão toparam com um imenso navio de guerra que parecia um edifício. Ficou alguns dias dentro desse navio e a cada dia chegavam mais soldados. Desde o momento do embarque e durante toda a viagem não sabiam para onde iriam. Não tinham informação alguma sobre o seu destino.

“Não adianta ter medo. Se está embarcado, só resta pedir a Deus para te ajudar e mais nada. Você não sabe nada, só recebe ordens, ordens, só ordens”, declarou Célio Mangia à época. Apesar de terem embarcado outros friburguenses, não interagiam muito entre si. Desembarcaram no Porto de Nápolis. Antes de entrarem no campo de batalha tiveram um tempo livre. Célio Mangia foi até Pompéia conhecer a cidade. Comprou uma lembrança, mas não pode levar para o Brasil, pois os norte-americanos impediram que trouxessem qualquer objeto.

Os recrutas recebiam um salário e Mangia optou que a maior parte fosse entregue na residência de seus pais. Nunca perguntou ao seu pai quanto recebeu no período em que serviu como soldado. Sob o comando norte-americano, Célio Mangia informou, na ocasião, que os militares eram muito rigorosos, mas extremamente organizados. Podiam de vez em quando tomar banho, tinham sabonete, roupa limpa, comida enlatada, chiclete e cigarro à vontade. “A gente só recebe ordens, a gente só é mandado, você não sabe de nada, você só sabe a ordem do dia... Na guerra, você não faz o que quer, tudo é esquematizado... você não pode dar um tiro sem autorização, você não pode fazer nada sem o comando... dá os seus contratempos, mas você sabe o que está fazendo”, relatou aos amigos.

Mangia ficava na companhia de manutenção de automóveis. Tinha a infantaria conhecida como os “pés de poeira” que ficam dentro de um “buraco”. Era onde morriam mais soldados, pois ficavam no front da guerra. “Eu fui fazer uma inspeção... entrei lá onde eles estavam presos, um alemão, um garoto como eu e ele disse assim, que ideal é esse que nós estamos defendendo aqui, o ideal dos maiores, nós largamos o nosso pai, a nossa mãe lá na nossa terra. O alemão falou comigo em castelhano: Ô rapazinho, nós estamos defendendo o que?” Os inimigos usavam muito as mulheres e os padres como espiões para pegarem informações com a tropa. Aproximavam-se fazendo perguntas, mas eles já estavam alertados sobre isso. As tropas aliadas faziam o mesmo, se disfarçando de mendigos para obter informações. Os brasileiros foram muito bem recebidos pelos italianos, “faziam camaradagem muito rápido.” Os norte-americanos tinham tropas separadas formadas por homens brancos e negros, que não interagiam. Estranharam que os brasileiros misturavam homens brancos e negros no batalhão. Os italianos nunca tinham visto pessoas negras e tiveram medo”, informou Mangia.

A Segunda Guerra Mundial foi um conflito que durou de 1939 a 1945, com mais de 100 milhões de militares mobilizados. Após a guerra, o povo friburguense fez uma subscrição para edificar um obelisco com os nomes de todos os ex-combatentes do município. Nova Friburgo enviou 67 soldados para a guerra. Apenas um deles faleceu, Antônio Moraes, e uma homenagem à ele se destaca no obelisco.

Aproveito a oportunidade para fazer um apelo às autoridades para que esse obelisco retorne ao Largo dos Expedicionários, na Praça do Suspiro, saindo das instalações do Tiro de Guerra para que a população tenha acesso a esse monumento. Sem a visibilidade do obelisco, nossos pracinhas ficarão no esquecimento.

Célio Mangia foi o último pracinha friburguense a falecer, aos 96 anos de idade. Tive o privilégio de em duas entrevistas deixar registrado em áudio visual nossa conversa sobre o cotidiano de um soldado durante a guerra. Paz a sua alma.  

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    Célio Mangia aos 19 anos de idade. (Acervo da família)

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    Inauguração do obelisco no Largo dos Expedicionários (Acervo pessoal)

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    Nova Friburgo enviou 67 soldados para a guerra, entre eles Celio Mangia (Acervo pessoal)

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    O obelisco fica nas instalações do Tiro de Guerra (Acervo pessoal)

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Presença libanesa na região

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Os libaneses vislumbraram na emigração uma alternativa para sair do jugo dos turco-otomanos. O seu destino principal foi a América. Tudo indica que o Brasil possui o maior número de imigrantes libaneses tendo chegado ao país no último quartel do século 19. Como viviam sob o domínio turco-otomano e seus passaportes expedidos por esse governo, a população os chamava de turcos, o “turco da lojinha”. Em Nova Friburgo libaneses e sírios se estabelecem no município no final daquele século.

Os libaneses vislumbraram na emigração uma alternativa para sair do jugo dos turco-otomanos. O seu destino principal foi a América. Tudo indica que o Brasil possui o maior número de imigrantes libaneses tendo chegado ao país no último quartel do século 19. Como viviam sob o domínio turco-otomano e seus passaportes expedidos por esse governo, a população os chamava de turcos, o “turco da lojinha”. Em Nova Friburgo libaneses e sírios se estabelecem no município no final daquele século. Depois de mascatearem se sedentarizaram. Eram quase a maioria dos lojistas na Rua Alberto Braune, a principal via de comércio da cidade.

De início, não havia especialização dos artigos e vendia-se de tudo em suas lojas, como foi o caso da Casa Libanesa. Os “turcos” de início tiveram problemas de adaptação em Nova Friburgo. O periódico O Friburguense, na matéria “Abuso”, de 21 de junho de 1903, fez críticas a estes imigrantes. Estabelecendo-se muitos deles na estação de trem do Rio Grande, hoje o distrito de Riograndina, os que ali mascateavam recusavam-se a pagar o imposto de profissão à Câmara Municipal.

Além do comércio ambulante, um deles possuiu um salão de bilhar. Morigerados, há referência de que emprestavam dinheiro a juros. A primeira forma de organização dos libaneses teve início em 19 de julho de 1919, quando foi criado o Centro Líbano-Friburguense com o intuito de irmanar os conterrâneos, prestar auxílio mútuo e promover a sociabilidade entre os seus pares. O cronista e articulista Arthur Guimarães que visitou Nova Friburgo no início do século 20 escreveu o livro intitulado “Um Inquérito Social em Nova Friburgo”.

Guimarães, referindo-se aos sírios e libaneses, nos informa que dominaram o comércio de fazendas, armarinhos e modas. “Eram muitas e todas afreguesadas às casas sírias na cidade. Devem expansão aos segredos de viver gastando o mínimo possível e suportando o máximo desconforto...” Em 1925, foi criado o Clube Sírio e Libanês substituindo o Centro Líbano-Friburguense. Era localizado na Praça Getúlio Vargas, promovia a sociabilidade entre os seus associados e notadamente atividades esportivas criando um time de futebol. A famosa vinheta "Brasil-sil-sil!" foi criada pelo libanês Edmo Zarife, nascido em Nova Friburgo, em 15 de dezembro de 1940. Zarife trabalhou por um período na Rádio Friburgo AM, sendo posteriormente contratado pela Rádio Globo. O radialista e locutor se tornou a voz-padrão de chamadas e vinhetas da empresa. 

O surgimento da vinheta "Brasil-sil-sil” interpretada por Edmo Zarife marcou as transmissões esportivas do Sistema Globo de Rádio e da Rede Globo de Televisão. Surgiu na época das eliminatórias da Copa do Mundo de 1970. Na ocasião, foi solicitado a Edmo Zarife elaborar um grito de guerra para incentivar a seleção brasileira. A direção da rádio ao ouvir "Brasil-sil-sil!" imediatamente selecionou essa frase. E assim nasceu a vinheta que atravessa vários jogos da Copa do Mundo e ouvida por muitas gerações até os dias de hoje.

Outro libanês que se destacou como comentarista esportivo em Nova Friburgo foi Rodolpho Abud. O nome da Rua Monte Líbano, no centro da cidade, foi provavelmente influência de um libanês. Conforme o levantamento realizado por Leyla Lopes são essas as famílias que se estabeleceram em Nova Friburgo. Abib, Abdo, Abicalil, Abdala, Abinasser, Abirachid, Adip, Abi-Râmia, Aboumurad, Abbud, Abrahão, Alcoury, Alexandre (Skandar), Ailmel, Amim, Assad, Assaf, Assef, Assum, Ayd, Auad, Aucar, Ayub, Aziz, Badin, Barucke, Boutros, Baduhy, Bedran, Bechara, Boechen, Boulos, Buaiz, Beyruth, Calil, Cannan, Carim, Chaloub, Cheade, Chible, Chicre, Chini, Chequer, Caled, Coury, Cury, Daher, Deccache, Dagfal, David, Derzi, Dib, Elias, Estefan, El-Jaick, Fadel, Farah, Feres, Ferreira (o nome original é Haddad, aquele que trabalha com o ferro), Francis, Gandur, Gastim, Gazé, Gazel, Gervásio, El-Haber, Harb, Gibran, Helayel, Haddad, Hissi, Ibrahim, Iunes, Jabour, Jamal, Jana, Japor, Jasbicke, Jorge, Kazan, Keidh, Jadah, Khaled, Kharan, Koury, Lopes (ou Lêpus), Mansur, Mattar, Miled, Miguel, Mussalém, Mussi, Marum, Nacif, Nader, Neder, Name, Namen, Nasser, Noé, Osório, Pedro(o mesmo que Boutros), Quinan, Rafidi, Râmia, Saad, Saade, Sada, Sader, Saleme, Salles, Salomão, Salim, Sarruf, Sayech, Suaid, Simão, Estefan, Santos(ou Acoubb), Tanis, Tanusse, Theme, Tupogi, Tanure, Zarife e Ziede.

Os libaneses também se estabeleceram em outros municípios das regiões Serrana e Centro-Norte fluminense. Em Cantagalo, por herança atávica não se dedicaram a agricultura abrindo estabelecimentos comerciais depois de trabalharem como mascates. Imigraram para esse município as famílias Farah, Nacif, Abrahão, Mansur, Richa, Daher, Fadel, Abi Ramia, Habib, Zarif, Elias, Miguel, Nara, Adib e Yunes. Já em Laranjais, distrito de Itaocara, imigraram as famílias libanesas Elias, Sarruf, Nacif e Nagib.

A Vila Elias Jorge representa como os libaneses foram bem-sucedidos na região. A camisaria El Jaick é o comércio mais antigo de Nova Friburgo, seguido da Casa Libanesa. Mas é a Casa Libanesa que mantém a tradição do comércio como os seus ancestrais, a típica “lojinha de turco”, um túnel do tempo. Atualmente a comunidade libanesa de Nova Friburgo se organiza em torno Associação Cultural Líbano-Friburguense que promove em datas comemorativas uma missa maronita, normalmente na capela de Santo Antônio, em português e em árabe. Fica neste artigo um preito em solidariedade as vítimas da tragédia ocorrida semana passada no Líbano, na região portuária da Beirute.

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    A camisaria El Jaick é o comércio mais antigo de Nova Friburgo (Acervo Fundação D. João VI)

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    A Vila Elias Jorge representa como os libaneses foram bem-sucedidos em Laranjais (Acervo pessoal).

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    Famílias sírias e libanesas que se estabeleceram em Nova Friburgo (Acervo Leyla Lopes)

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Breve história das trocas alimentares

quinta-feira, 06 de agosto de 2020

Os portugueses foram importantes agentes de dispersão, trazendo plantas e animais para o Brasil, assim como exportando dessa colônia para suas outras possessões. Neste artigo vamos nos limitar apenas às frutas, hortaliças, legumes, bulbos e especiarias. Eram nativos do Brasil o caju, o mamão, o maracujá e o abacaxi que foram levados para Goa, na Índia, vindo de lá a manga.

Os portugueses foram importantes agentes de dispersão, trazendo plantas e animais para o Brasil, assim como exportando dessa colônia para suas outras possessões. Neste artigo vamos nos limitar apenas às frutas, hortaliças, legumes, bulbos e especiarias. Eram nativos do Brasil o caju, o mamão, o maracujá e o abacaxi que foram levados para Goa, na Índia, vindo de lá a manga.

Algumas espécies africanas e asiáticas aclimatadas em Portugal foram enviadas para o Brasil como a laranja, o limão, o gergelim e o arroz. O cacau da América espanhola seria somente introduzido e cultivado no sul da Bahia em 1780, mas levaria mais de um século e meio até se tornar um produto de exportação.

De todos os produtos coloniais o mais valioso era a cana-de-açúcar plantada para render um excedente para exportação. Vieram diretamente do continente africano o inhame, a banana, o coqueiro, o dendê, o gengibre, o quiabo, o feijão-fradinho, a mamona, o caruru e a bertalha. No século 19, a região de Macaé de Cima era conhecida como terras dos inhames, mas também há referência da localidade de Inhames no primeiro distrito de Nova Friburgo.

Essa iguaria que significa “comer” vem de ñame, iñame, igname, yame, yam, yams até chegar a inhame. Do Brasil, poucas espécies foram encaminhadas para a África a exemplo do amendoim, do abacaxi e da mandioca. Este último produto, como no Brasil, se torna um gênero de primeira necessidade no continente africano. Os portugueses também trouxeram para o Brasil o marmelo, o figo, o damasco, o pêssego, o melão, a pera, a tâmara e a romã. No final do século 19 há o registro de cultivo de pera, maçã, nozes, cereja, marmelo, amora e uva nas terras frias, hoje distrito do Campo do Coelho, dando-lhe uma paisagem que se assemelhava às planícies europeias.

 Nossas florestas, contudo, eram prolíficas. Eram frutos da floresta que deixaram de ser comercializados mocuguê, sapucaia, pitomba, araçá, ibacurupari, ibanemixama, imbu, araticum, guri, caía, iapina, audá, ingá, juá, maçaramduba, murici, ibaraé, guabiraba e guabiroba. Da cabreúva e da copaíba se extraíam bálsamos aromáticos.

Dois terços dos nomes das árvores, plantas, animais, rios e topônimos são de origem tupi-guarani. Sapucaia vem do tupi “fruto que faz saltar o olho”. Esses frutos são cápsulas lenhosas, contendo sementes semelhantes a castanhas e são comestíveis. O africanismo era igualmente aplicado a nomes de lugares e acidentes geográficos como murundu e cafundó e de animais como camundongo e marimbondo.

O luso-brasileiro importou do dialeto quimbundo o nome de um alimento proveniente do milho, o fubá, que faz o prato denominado de angu. O milho era muito cultivado em Nova Friburgo e comercializado para alimentar as tropas de muares. Os colonos suíços contribuíam com a economia local principalmente com a cultura do milho e subsidiariamente com o plantio de batata, feijão e a produção de mantas de toucinho, influência da charcuterie portuguesa.

Por falar em fubá, em São Pedro da Serra fazia-se o “brissi”, uma massa de fubá com torresmo e assada no forno. Na década de 1830, o município de Nova Friburgo cultivava café, milho, cana-de-açúcar, feijão, batata, arroz, tabaco, mamona, realizando-se experiências na produção de chá, trigo, centeio e com criação de gado bovino e mulas. D. João VI trouxe o chá contratando especialistas chineses para ensinar o seu plantio.

Um oficial português, Luiz d’Abreu, capturado pelos franceses e preso nas ilhas Maurício, conseguiu fugir e roubar algumas sementes antes de deixar a ilha. Veio para o Rio de Janeiro em 1809 trazendo em sua bagagem sementes de cravo, canela, noz-moscada, damasco, castanha, fruta-pão, cânfora, toranja, abricó, abacate, sagüeiro e cajá-manga. Presenteou D. João VI com a Roystonea oleracea, uma palmeira nobre de altura imponente que passou a ser plantada nas fazendas dos aristocratas do café.

De origem asiática os portugueses trouxeram o chuchu, a jaca, o jambo-rosa e a soja. O nome local para a soja era “amendoim de Angola” sugerindo uma transferência via África. Igualmente recebemos do colonizador hortaliças como mostarda, chicória, couve, acelga, espinafre, alface, salsa, hortelã, cebolinha, legumes como berinjela, abóbora, nabo, cenoura, repolho, pepino e temperos como cominho, cebola, alho, colza, endro, açafrão, coentro, pimenta do reino, canela e rosas para a água medicinal. Não faltaram as uvas e o trigo.

Crisophyllum imperiale ou guapeba imperial era a fruta preferida de D. Pedro I e D. Pedro II. Nativa da Mata Atlântica entre o Rio de Janeiro de Minas Gerais está ameaçada de extinção. Durante o Segundo Império já era rara pelo fato da madeira ser utilizada na construção de navios. Uma árvore que me encantou quando visitei a histórica Fazenda Canteiro foi a de urucum, utilizado como tempero e que os indígenas faziam uso para pintar o corpo.

Na também histórica Fazenda São Clemente tive a oportunidade de experimentar a ameixa-de-madagascar no pomar-parque que possui árvores frutíferas de países africanos e asiáticos, importados no século 19. Nativa da África tropical e de Madagascar são saborosíssimas, com a polpa muito suculenta. Seus frutos são arredondados de cor inicialmente vermelha, depois purpúreo-escura quando maduros. O arbusto era utilizado pelo paisagista Auguste François Marie Glaziou, que servia a Imperador D. Pedro II e que projetou esse pomar-parque.

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    Flor e fruto da sapucaia na Fazenda São Clemente (Acervo: Marcello Monnerat)

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    Na Fazenda Canteiro me encantei com a árvore de urucum (Acervo pessoal)

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    Na Fazenda São Clemente experimentei a ameixa de madagascar no pomar-parque (Acervo pessoal)

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Broa de milho com legumes crus: um patrimônio imaterial friburguense

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Existe um tipo de guloseima feita pela comunidade rural de Nova Friburgo desde o século 19, a broa de milho com legumes crus. No distrito do Campo do Coelho, essa guloseima é conhecida como broa de planta feita pela Dona Dodoca, sitiante naquela região. Igualmente localizei no Alto do Schuenck, no distrito de Amparo e em Galdinópolis, no distrito de Lumiar, famílias descendentes de colonos suíços e alemães que mantém a tradição de fazer esse tipo de broa.

Existe um tipo de guloseima feita pela comunidade rural de Nova Friburgo desde o século 19, a broa de milho com legumes crus. No distrito do Campo do Coelho, essa guloseima é conhecida como broa de planta feita pela Dona Dodoca, sitiante naquela região. Igualmente localizei no Alto do Schuenck, no distrito de Amparo e em Galdinópolis, no distrito de Lumiar, famílias descendentes de colonos suíços e alemães que mantém a tradição de fazer esse tipo de broa.

No entanto, quem fez da preparação da broa de milho uma festa foram os Mozer. Em Lumiar, 17 membros dessa família residem em um condomínio que denominam de Vila Mozer. Na propriedade passa um generoso riacho que além de ser um local de lazer fornece energia ao moinho de fubá e ao monjolo que a família faz uso mantendo a tradição de seus ancestrais.

Fui conhecer o processo de elaboração dessa tradicional broa. Quem comanda todo o grupo familiar é Maria Bercília Mozer de Moraes. Geralmente são feitas para venda entre três a quatro fornadas de 56 broas na Vila Mozer sempre no último sábado do mês de julho. O objetivo do evento é arrecadar dinheiro para a confecção das fantasias do bloco de carnaval da família, Flor do Luar, que desfila nos dias de folia.

Essa tradição foi iniciada pelo pai de Bercília, o senhor Astrogildo Mozer, nascido em 1919. Era produtor rural, tropeiro e casado com Dorcelina Schuab Mozer. Falecido em 1994, foi fundador da Vila Mozer criada para abrigar os seus 11 filhos. A primeira festa da broa de milho realizada de forma a criar um evento turístico em Lumiar foi em 27 de julho de 1991, quando Astrogildo ainda era vivo.

Os suíços chegaram em Nova Friburgo no século 19, para trabalhar em glebas de terra se dedicando ao cultivo de alimentos. Os Mozer estavam entre esses colonos. De acordo com o historiador Henrique Bon, os Mozer são originários de Vaud, na Suíça. A família era composta pelo patriarca Joseph Moser, que faleceu durante a viagem de navio, a esposa Marianne e quatro filhos, nos quais dois igualmente faleceram na travessia do Atlântico. Os dois filhos menores Henri e Marie-Jeanne chegaram à Nova Friburgo com a mãe, que por uma tragédia morreu em abril de 1820, poucos meses depois de sua chegada.

Henri casou-se com a colona Henriette Julliard e adquiriram terras nas cabeceiras do Rio Macaé, no rio da Boa Esperança, deixando imensa descendência. Marie-Jeanne, irmã de Henri, casou-se com o brasileiro João de Oliveira Ramos, deixando menor prole. Mas havia também outro Joseph Moser, marceneiro, patriarca de numerosa família. Segundo Bon é difícil estabelecer quais dos dois Josephs os atuais Moser têm a sua descendência.

Vamos à receita dessa broa: legumes como batata doce, chuchu, inhame, cabeça de inhame, cará, abóbora e mandioca são ralados crus. O ingrediente básico é a farinha de milho, o fubá, que pode ser branco ou amarelo, ou mesmo ambos. Entra igualmente na composição da broa, açúcar e um pouco de cada um desses ingredientes como banha de porco, óleo, margarina, farinha de trigo, leite, ovos e fermento. Tudo é misturado e batido na batedeira.

A massa da broa de milho pode ser envolvida em folhas de bananeira ou de caeté e assada necessariamente em um forno de barro que fica fora da casa, no quintal. Tudo indica que os legumes crus adicionados era uma maneira de dar mais rendimento a massa da broa, dar sustança, empanturra, faz bucha. A broa de milho com legumes crus é uma tradição passada de geração em geração pela comunidade rural de Nova Friburgo, um precioso saber local.

Além da particularidade de seus ingredientes e modo de fazer, a exemplo da massa ser envolvida em folhas de bananeira e assada em forno de barro, a sociabilidade no momento de sua elaboração é outra importante característica. A lei municipal de 2009 criou instrumentos de proteção do patrimônio cultural do município, com o tombamento dos bens históricos.

Além dos bens materiais, prevê o tombamento do patrimônio imaterial. A lei dispõe que o poder público reconhece e protege como patrimônio cultural bens de natureza imaterial a fim de garantir a continuidade de expressões culturais referentes à memória, à identidade e à formação da sociedade do município, para o conhecimento das gerações presentes e futuras.

No caso da broa de milho feita com legumes crus, caso seja reconhecida pelo poder público como patrimônio cultural, ganha um registro no Livro dos Saberes, em razão do conhecimento e modo de fazer enraizados no cotidiano das comunidades rurais de Nova Friburgo. 

Mas já temos uma boa notícia. O vereador Joelson José de Almeida Martins, conhecido como Joelson do Pote encaminhou o projeto de Lei Municipal para declarar a broa de milho de fabricação artesanal pela comunidade rural de Nova Friburgo Patrimônio Cultural Imaterial do povo friburguense.

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    As broas de milho são assadas em folhas de bananeira (Acervo pessoal)

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    Maria Bercília Mozer de Moraes retira as brasas do forno (Acervo pessoal)

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    O monjolo utilizado na Vila Mozer (Acervo pessoal)

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Fazenda São Clemente (Última parte)

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Centenário de aquisição pelo clã Monnerat

Centenário de aquisição pelo clã Monnerat

No coluna da semana passada vimos que a Fazenda São Clemente, unidade de produção de café, pertencera a Francisco Clemente Pinto. Como não conseguia pagar um empréstimo hipotecário, ele perdeu a fazenda para o banco, arrematada pelo coronel José Affonso Fontainha Sobrinho. Antônio Clemente Pinto, filho homônimo do 1º barão de Nova Friburgo escolheu como título nobiliárquico o nome da fazenda do avô materno, o alferes João Clemente Pinto e onde nascera sua mãe Laura Clementina da Silva Pinto, a futura 1ª baronesa de Nova Friburgo. Por conseguinte, Antônio Clemente Pinto tornou-se o barão de São Clemente em 3 de junho de 1863, visconde de São Clemente em 1882 e conde de São Clemente no ano de 1888. Daí o nome Parque São Clemente, em Nova Friburgo, outrora propriedade dessa família.

Dando continuidade à sucessão da Fazenda São Clemente, a propriedade passou dos Fontainha ao clã dos Monnerat. O patriarca desta família foi o colono suíço François Xavier Monnerat, casado com Elizabeth Koller com quem teve sete filhos. No ano de 1837, apenas 17 anos após a sua chegada à Vila de Nova Friburgo, há o registro dos Monnerat adquirindo terras em Cantagalo, a Fazenda Rancharia do Norte, uma propriedade de 400 alqueires.

Em 6 de julho 1920, o coronel João Henrique Monnerat, casado com Maria da Veiga Monnerat adquiriu a Fazenda São Clemente do coronel José Affonso Fontainha Sobrinho, por meio  de permuta com a Fazenda Paraíso, localizada no município de Sapucaia. Foi para essa mesma região que o colono suíço Anton Ignaz Leimgruber se estabeleceu como lavrador, se dedicando ao cultivo de café na Fazenda Santo Antônio de Sapucaia. Essa localidade foi freguesia de Nova Friburgo até o ano de 1847, quando então foi incorporada ao município de Magé.

Após o falecimento de Maria da Veiga Monnerat, em 1924, a Fazenda São Clemente ficou em condomínio entre o viúvo meeiro e os filhos herdeiros. Com o decorrer dos anos, a São Clemente teve como únicos proprietários Carlos Catulino Monnerat e sua esposa Adelaide da Silva Monnerat. Com o falecimento de ambos, o filho do casal Carlos Lincoln Monnerat e seus irmãos adquiriram, em 1986, por sucessão hereditária, a Fazenda São Clemente. Finalmente, em 4 de abril de 1990, Marcello Cardoso Monnerat, atual proprietário recebeu de seus pais Carlos Lincoln Monnerat e Maria José Cardoso Monnerat, por meio de doação, o respectivo quinhão de sua herança.

Marcello Monnerat, bisneto do coronel João Henrique Monnerat comprou dos demais herdeiros as partes que estavam em condomínio. Posteriormente, foram reincorporadas glebas originárias do complexo cafeeiro da Fazenda São Clemente. Cumpre destacar que essa propriedade não tem a dimensão originária de 700 alqueires, como no século 19.

Outros bisnetos do coronel Monnerat mantêm propriedades desmembradas da Fazenda São Clemente. Marcello Monnerat restaurou a casa palacete da Fazenda São Clemente, em estilo eclético com elementos neoclássicos, assim como a Capela São Clemente, a casa para laticínios, o pombal, o laboratório, a cocheira e o prédio da administração e de serviços. Segundo ele, todo o processo de restauração da casa palacete e das demais benfeitorias foi bastante criterioso. Foi levado em consideração não somente a descrição oral e escrita fornecida pelo seu pai Carlos Lincoln Monnerat, mas também iconografias e notadamente foram observadas as valiosas informações contidas na grande tela à óleo, pintada por Henry Walder, em 1895, ilustrando vários aspectos da sede da Fazenda São Clemente.

O mobiliário com peças de diversos estilos tais como Império, Luís XV, Luís XVI e o barroco mineiro foi igualmente restaurado com técnica e apuro. Tive o privilégio de conhecer a Fazenda São Clemente, localizada em Boa Sorte, 5º distrito do município de Cantagalo. Além das belíssimas instalações me chamou a atenção o pomar-parque. Originalmente foi um imenso jardim eclético, semelhante aos jardins ingleses e que abrigava uma coleção preciosa de orquídeas, uma moda à época entre aristocratas e burgueses ingleses. Possivelmente foi concebido pelo paisagista Auguste François Marie Glaziou, que servia a Imperador D. Pedro II.

Arecas, sagus, mangueiras, dentre outras espécies circundam a propriedade. Algumas palmeiras imperiais remanescentes atravessam o pomar-parque. Marcello Monnerat deu a boa notícia que se ocupa da restauração do pomar-parque tendo como referência a tela à óleo acima citada. A família Monnerat não é o único exemplo de descendentes de colonos suíços que se tornaram proprietários das fazendas dos barões do café falidos do Vale do Paraíba fluminense. No entanto, uma propriedade na mesma família há 100 anos é um caso excepcional e que denota respeito e afetividade à história familiar. (Fonte: Marcello Cardoso Monnerat)

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    Coronel João Henrique Monnerat e família (Acervo Marcello Monnerat)

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    Escritura de permuta da Fazenda São Clemente pela Fazenda Paraiso (Acervo Marcello Monnerat)

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    Fazenda São Clemente. Tela à óleo de Henry Walder, 1895 (Acervo Marcello Monnerat)

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Fazenda São Clemente (Parte 1)

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Centenário de aquisição pelo clã Monnerat

Originária de Portugal, da Freguesia de Ovelha do Marão, Santa Maria de Aboadela, a família Clemente Pinto tem como patriarca João Clemente Pinto (1723-1796). Entre os seus sete filhos, seu homônimo, João Clemente Pinto (1752-1819), emigra para o Brasil em data ainda desconhecida e se estabelece em 1803, na capitania de Minas Gerais. Exerce a função de alferes da Companhia de Ordenança do distrito da Capela de São Roque de Canastra, termo da Vila de São Bento de Tamanduá, hoje município de Itapecerica.

Centenário de aquisição pelo clã Monnerat

Originária de Portugal, da Freguesia de Ovelha do Marão, Santa Maria de Aboadela, a família Clemente Pinto tem como patriarca João Clemente Pinto (1723-1796). Entre os seus sete filhos, seu homônimo, João Clemente Pinto (1752-1819), emigra para o Brasil em data ainda desconhecida e se estabelece em 1803, na capitania de Minas Gerais. Exerce a função de alferes da Companhia de Ordenança do distrito da Capela de São Roque de Canastra, termo da Vila de São Bento de Tamanduá, hoje município de Itapecerica.

A exploração do ouro de aluvião nos córregos dos rios Grande e Negro no Vale do Paraíba fluminense, possivelmente foi o que motivou o alferes a se estabelecer nos sertões do Macacu, na capitania fluminense. João Clemente Pinto, casado com Teresa Joaquina da Silva Pinto obteve no ano de 1809, naqueles sertões, uma concessão de terras denominada de sesmaria doadas pelo vice-rei a homens de cabedais. Essa sesmaria estava localizada nas cabeceiras de um ribeirão no qual João Clemente Pinto batiza de Ribeirão de Nossa Senhora das Areas.

A obtenção da Carta de Ordem de Sesmaria se concretizou em 11 de maio de 1812 e dois anos depois, os sertões do Macacu receberam o predicado de município de São Pedro de Cantagalo. Outros membros da família Clemente Pinto igualmente emigraram para o Brasil. Tudo indica que o sobrinho de João Clemente, Antônio Clemente Pinto, futuro 1º barão com honras de grandeza de Nova Friburgo chegou ao Brasil no ano de 1807, com 12 anos de idade.

Em 1819, no entanto, João Clemente Pinto faleceu, sete anos depois de ter obtido a concessão de sesmaria. O filho do casal, Francisco Clemente Pinto (1803-1872), igualmente alferes, solicitou uma sesmaria nessa região em 1822, ano em que essa modalidade de aquisição de terras foi extinta no país. Os Clemente Pinto, entre 1809 e 1822 já eram proprietários de três sesmarias, pois Dona Teresa Joaquina da Silva Pinto havia igualmente solicitado esse benefício na mesma ocasião que o marido.

Os sesmeiros dessa região, depois de esgotado o ouro de aluvião migraram sua atividade econômica para a produção de alimentos como milho, feijão, cana-de-açúcar, fabricação de toucinho e criação de gado. Exportam os produtos de sua lavoura para o Rio de Janeiro, por meio de tropas de mulas. Paulatinamente, o café migra dos arredores do Rio de Janeiro para o Vale do Paraíba fluminense e as fazendas de Cantagalo se tornaram importantes unidades de produção contribuindo com significativa parcela na exportação para o exterior.

Francisco Clemente Pinto tornou-se um rico cafeicultor e proprietário de dez fazendas. Além da fazenda São Clemente era proprietário de Matta Porcos e Bella Vista, para citar apenas as mais importantes. Francisco Clemente Pinto recebeu o título de comendador da Imperial Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo e oficial da Imperial Ordem da Rosa. Com o falecimento do comendador, a Fazenda São Clemente foi herdada pelo seu sobrinho homônimo.

Francisco Clemente Pinto nasceu em 11 de setembro de 1843 e fez os seus estudos de engenharia na Bélgica. Casou-se com Eulália Amélia de Oliveira Barcelos, que passou a chamar-se Eulália Clemente Pinto, com quem teve nove filhos. A Fazenda São Clemente, localizada em Boa Sorte, 5º distrito do município de Cantagalo tinha em seu apogeu uma área de 700 alqueires. No ano de 1883, há o registro de que possuía 750.000 pés de café e a força de trabalho de 177 escravos. Era uma das mais importantes unidades de produção de café do município de Cantagalo. Foi visitada pelo Barão Johann Jakob Von Tschudi, pelo imperador D. Pedro II, em 26 de fevereiro de 1876 e pelo dr. Luiz Monteiro Caminhoá.

No último quartel do século 19 teve início a decadência da produção de café no Vale do Paraíba fluminense. Alguns fatores concorreram para esse declínio como o esgotamento do solo, o surgimento de pragas nas lavouras, a abolição da escravidão e a crise do Encilhamento na República. Consequentemente alguns barões do café, ou seus descendentes, foram perdendo suas fazendas por dívida, em leilões.

A Fazenda São Clemente superou a crise produzindo café de boa qualidade, participando da Exposição Universal Colombiana de Chicago, realizada em 1893, tendo sido inclusive premiada. A Exposição de Chicago havia sido idealizada para celebrar o quatrocentésimo aniversário da descoberta da América por Cristóvão Colombo. Entretanto, no ano de 1907, o engenheiro Francisco Clemente Pinto se viu obrigado a recorrer a um empréstimo hipotecário, junto ao Banque Belge de Prêts Fonciers, com sucursal na cidade do Rio de Janeiro. Como não conseguisse honrar com o pagamento do financiamento perdeu a fazenda para o banco, arrematada pelo coronel José Affonso Fontainha Sobrinho. Francisco Clemente Pinto faleceu em 1921.

Fonte: Pesquisa de Marcelo Monnerat. Continua na próxima quinta-feira.

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    A Fazenda São Clemente possuía 750.000 pés de café e a força de trabalho de 177 escravos ( Acervo pessoal)

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    A família Clemente Pinto é originária de Santa Maria de Aboadela, em Portugal ( Acervo pessoal)

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    Casa sede da Fazenda São Clemente, em Cantagalo (Acervo pessoal)

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Lumiar e São Pedro da Serra, uma história para contar

quinta-feira, 09 de julho de 2020

Alto do Macaé, região às margens do Rio Macaé. Foi para essa localidade que colonos suíços e alemães se dirigiram abandonando as glebas de terra que lhes haviam sido doadas pelo rei Dom João VI, na fundação da colônia no município de Nova Friburgo. Como as glebas recebidas por esses colonos eram impróprias para a agricultura foram autorizados pelo diretor da colônia a tomarem posse de terras em outras regiões.

Alto do Macaé, região às margens do Rio Macaé. Foi para essa localidade que colonos suíços e alemães se dirigiram abandonando as glebas de terra que lhes haviam sido doadas pelo rei Dom João VI, na fundação da colônia no município de Nova Friburgo. Como as glebas recebidas por esses colonos eram impróprias para a agricultura foram autorizados pelo diretor da colônia a tomarem posse de terras em outras regiões.

Na realidade, a permissão para deixarem o distrito colonial partiu de Dom Pedro I, na tentativa de revitalizar o projeto de seu pai Dom João VI, que autorizou a vinda de colonos suíços para o Brasil. Já estava instalado nessa região do Alto Macaé desde o ano 1823, o francês Felipe de Roure. Adquiriu uma fazenda que denominou de Lumiar, nome de uma vila próxima de Lisboa onde nasceu a sua esposa Michaella d'Abreu. Por ser a principal fazenda da região deu nome ao distrito de Nova Friburgo.

Essa região tem uma importância política de tal ordem que em outubro de 1889, bem próximo a proclamação da República, recebe o predicado de segundo distrito com o nome de Lumiar. Já São Pedro da Serra recebe esse nome em homenagem a Dom Pedro I que havia autorizado à posse de terras devolutas na região.

No final do século 19, o segundo distrito possuía diversas bandas de música como a Sociedade Musical Euterpe Lumiarense, Sociedade Musical Quinze de Novembro e a Banda de Senhoras, formada quase exclusivamente por mulheres descendentes de famílias suíças. Em 28 de novembro de 1893, o coronel Carlos Maria Marchon, chamado pela imprensa de “Mandão de aldeia” doa um terreno de sua propriedade para ser erguida uma capela cujo orago seria São Sebastião. Essa capela era inicialmente de pau-a-pique, um tipo de construção muito comum no Brasil. Uma nova capela foi edificada no mesmo terreno e a obra concluída no ano de 1901, graças ao empenho de toda a comunidade da Paróquia de São Sebastião de Lumiar.

Uma igreja foi construída bem próxima na década de 1980, mas manteve-se a antiga capela em suas instalações. Já na igreja de São Pedro da Serra, existe na fachada a referência de que é o mais antigo templo de Nova Friburgo. A capela era coberta de tabuinhas no estilo suíço tendo sido inaugurada em 22 de janeiro de 1865. Na realidade, a capela mais antiga é a de São João Batista, na sede da vila. Seu templo era inicialmente em um dos cômodos na casa de vivenda da Fazenda do Morro Queimado. Era onde ocorriam os cultos religiosos.

Nas terras do Alto Macaé foi para onde se dirigiram os colonos suíços Ouverney. A família possui uma particularidade. Durante décadas foram realizados casamentos somente entre primos. Era comum essa prática no passado, mas os Ouverney foram os que mantiveram essa tradição de casamentos dentro de seu núcleo familiar até há alguns anos. Além de café que se plantava tanto em Lumiar quanto em São Pedro essa localidade era conhecida como Inhames, em razão das inúmeras plantações desse legume na região.

O Rio Macaé propicia o surgimento de muitas cachoeiras em razão de seus declives. No passado, essa queda favorecia a instalação de moinhos e monjolos auxiliando os produtores rurais em suas roças. Nos dias atuais é explorado para a prática do esporte de canoagem. São Pedro da Serra, que dista apenas cinco quilômetros de Lumiar, se emancipa desse distrito. Além do centro é composto dos povoados de Benfica, Sibéria, Bocaina dos Blaudts, Bocaina dos Mafort, Tapera, Vargem Alta, Colonial 61, Ribeirão do Capitão e Cachoeira. Uma das festas mais tradicionais no mês de julho é a festa da Vila Mozer onde são feitas deliciosas broas de milho com legumes crus, uma tradição muito antiga na localidade. Os Mozer são igualmente descendentes de colonos suíços.

Já o distrito de Lumiar possui as localidades de Rio Bonito, Cabeceiras de Rio Bonito, Galdinópolis, Macaé de Cima, Santiago de Lumiar, Ribeirão das Voltas, Boa Esperança, Toca da Onça e o centro. A atividade agrícola tanto de Lumiar como de São Pedro da Serra nos dias de hoje está bastante reduzida e restrita em razão da região ser Área de Proteção Ambiental de Macaé de Cima. Em contrapartida, muitos de seus moradores usufruem da vocação turística desses dois distritos que possuem uma imensa população flutuante nos fins de semana e durante o verão. A gastronomia, o artesanato e a prestação de serviços são fontes de renda para inúmeros moradores locais.

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    O francês Felipe de Roure adquiriu uma fazenda que denominou de Lumiar

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    O monjolo ainda é utilizado na Vila Mozer (Foto: Acervo pessoal)

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    Para o Alto Macaé se dirigiram os suíços Ouverney (Foto: Acervo pessoal)

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Hanami, a tradicional festa da cerejeira

quinta-feira, 02 de julho de 2020

Na década de 1920, chegou à Nova Friburgo o primeiro imigrante japonês Tohoru Kassuga em busca de terras em clima temperado. Na chácara do Tingly, Kassuga iniciou uma plantação de caqui, fruta muito consumida no Japão. Em Campo do Coelho, terceiro distrito de Nova Friburgo, no passado, a lavoura de tomate e de outros legumes era rasteira, com muita perda em razão do contato direto com o solo que deixa o alimento mais vulnerável às pragas.

Na década de 1920, chegou à Nova Friburgo o primeiro imigrante japonês Tohoru Kassuga em busca de terras em clima temperado. Na chácara do Tingly, Kassuga iniciou uma plantação de caqui, fruta muito consumida no Japão. Em Campo do Coelho, terceiro distrito de Nova Friburgo, no passado, a lavoura de tomate e de outros legumes era rasteira, com muita perda em razão do contato direto com o solo que deixa o alimento mais vulnerável às pragas.

Se instalando nessa região, os japoneses ensinaram os agricultores locais a usarem estacas verticalizando a planta e com isso ganharam em produtividade. Igualmente introduziram as estufas, outra técnica da agricultura que ignoravam. No distrito do Campo do Coelho, os japoneses e seus descendentes mantêm suas tradições através de eventos que realizam em sua sede, com música, danças e a gastronomia típica japonesa. Uma forma de sociabilidade em que pode participar qualquer pessoa ainda que não pertença ao grupo.

Já faz parte do calendário de Nova Friburgo a majestosa festa das cerejeiras, o Hanami, promovida pela comunidade nipônica no mês de julho. A flor de laranjeira é símbolo da primavera no Japão. Hanami é como se denomina um costume tradicional japonês de contemplar ou apreciar a beleza das flores de cerejeira ou sakura, como é chamada naquele país. Várias espécies de cerejeiras florescem por todo o Japão geralmente em parques, templos e em outros espaços de sociabilidade. Em razão disso, as pessoas se reúnem nos parques com a família e amigos quando as cerejeiras começam a florescer.

O povo japonês cultiva a tradição do hanami reunindo-se aonde quer que as árvores florescendo sejam encontradas. A prática do hanami existe há milênios. O costume foi originalmente limitado à elite da corte imperial, mas logo foi adotado pelas classes populares.  Sob as árvores de sakura, as pessoas comiam e bebiam em alegres celebrações. A contemplação das flores de cerejeira tinha um simbolismo religioso. As pessoas acreditavam na existência de deuses dentro das árvores de sakura e faziam oferendas na raiz delas para pedir sorte e boas colheitas.

O sakura também foi considerado símbolo do amor onde as moças enfeitavam os cabelos com seu galho ou decoravam o quintal de suas casas com as flores para mostrar que estavam em busca de um amor. Na maior parte das grandes cidades como Tóquio, Quioto e Osaka, a época do florescer da cerejeira normalmente ocorre por volta do fim de março a meados de abril ou maio, dependendo da região.

O momento em que as flores de cerejeira florescem é muito especial para o japonês, pois elas duram apenas de uma semana a dez dias. Por isso, durante o Hanami, os japoneses chegam de manhã e costumam ficar até o anoitecer a fim de aproveitar ao máximo a beleza das flores, pois logo elas cairão das árvores. Existem mais de 100 espécies de sakura no Japão que variam de acordo com a cor das flores, folhas e tempo de floração.

O Festival Hanami com o tradicional piquenique sob as árvores repletas de flores de cerejeira igualmente é um momento de saborear os pratos típicos como o oniguiri, sushi, dango e o bentô, levados de casa, além de bebidas que vão desde chás a bebidas alcoólicas como cerveja e o saquê. O provérbio japonês "bolinhos em vez de flores” é uma ironia às pessoas que preferem comer e beber ao invés de admirar as flores. 

Existem vários significados para o hanami e o mais poético é o simbolismo da flor representando a brevidade da vida, devido à sua efemeridade. Poemas sobre as cerejeiras e as relacionando como uma metáfora para a própria vida, delicada e bela, embora efêmera e transitória, cuja floração dura apenas de dez dias, compara a flor com a brevidade da nossa existência.  Por esse motivo, a flor de cerejeira ganhou um lugar especial na cultura japonesa onde é retratada no artesanato, no origami, em pinturas, nas gravuras, nas estampas de seda dos quimonos, em moedas e até mesmo em insígnias militares.

Em Nova Friburgo, a Festa da Cerejeira é promovida tradicionalmente no mês de julho no Sítio Matsuoka, em Florândia da Serra, Conquista, terceiro distrito. No evento, geralmente são realizadas apresentações de dança tradicional japonesa como o Yosakoi Soran e o Bon-Odori, além de serem vendidos os tradicionais yakisoba, sushi, sashimi e tempurá. No entanto, nesse ano, por conta da pandemia, infelizmente o evento não será realizado. Uma pena!

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    A flor de laranjeira é o símbolo da primavera no Japão (Acervo AVS)

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    Em razão da pandemia não haverá a Festa da Cerejeira (Acervo Sítio Matsuoka)

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    O Hanami é promovido pela comunidade japonesa em julho (Acervo Sítio Matsuoka)

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A decadente Nova Friburgo

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Uma triste notícia foi publicada esta semana em A VOZ DA SERRA. Trata-se de um relatório divulgado pelo Ministério Público Estadual que teve origem no projeto “Edificando o controle interno”, pesquisa realizada junto a 92 municípios fluminenses sobre a estruturação dos mecanismos de controle da administração pública.

Uma triste notícia foi publicada esta semana em A VOZ DA SERRA. Trata-se de um relatório divulgado pelo Ministério Público Estadual que teve origem no projeto “Edificando o controle interno”, pesquisa realizada junto a 92 municípios fluminenses sobre a estruturação dos mecanismos de controle da administração pública.

De acordo com a reportagem, o município de Nova Friburgo está colocado no ranking geral do Estado em 52° lugar. Teresópolis aparece em décimo, Petrópolis em 46° e Cantagalo em terceiro lugar, atrás apenas do Rio de Janeiro e de Cambuci. Já em relação ao quesito transparência, Cambuci aparece em primeiro lugar, Petrópolis em 20°, Teresópolis em 22° e Nova Friburgo em 52° lugar.

Esse projeto foi desenvolvido objetivando auxiliar os municípios na estruturação do controle interno e permitir maior transparência na administração pública. No passado, Nova Friburgo já teve mais prestígio, estava “na ponta”, dizia-se à época. A Câmara de Vereadores chegou a habilitar o município para tornar-se capital do Estado. No ano de 1893, havia a intenção de se realizar a mudança da capital fluminense, que era em Niterói, para outro município. Nova Friburgo lançou-se na candidatura e competiria com cidades exponenciais como Petrópolis e Campos.

O que ocorreu com Niterói, outrora vila da Praia Grande, para ser rebaixada? Tudo indica que foi em razão de uma sublevação ocorrida no Rio de Janeiro e o governo estadual almejava que a sua sede ficasse distante do Governo Federal. Logo, procurava-se um novo local para a capital do Estado fluminense. De acordo com o jornal O Friburguense, houve uma consulta prévia e 21 deputados votaram em Nova Friburgo para que fosse elevado à categoria de capital do Estado.

Nessa mesma consulta, 12 deputados votaram em favor de Petrópolis, seis de Campos e dois de Cantagalo. Na Assembleia fluminense foi apresentado o seguinte substitutivo: “A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta: artigo 1°: É transferida a capital do Estado para a sede do atual município de Nova Friburgo. Artigo 2°: O presidente do Estado fará as operações de crédito necessárias e cederá a quem mais vantagens e garantias oferecer os favores e privilégios necessários a aquisição e construção de prédios para as repartições públicas, estabelecimentos de esgotos, iluminação, abastecimento de água e viação da nova capital, entrando em acordo com a respectiva municipalidade a respeito da concessão destes fatores. Parágrafo único: A empresa que gozar destes favores se comprometerá a construir os prédios para residência dos funcionários públicos, sendo o aluguel dos mesmos determinado em tabela aprovada pelo presidente do Estado. Artigo 3°: Para levar a efeito a mudança da capital fica aberto ao presidente do Estado um crédito extraordinário de 1:000:000$ afim de acorrer as despesas com a transferência e estabelecimento da administração e ajudas de custo aos funcionários do Estado. Artigo 4°: São revogadas as disposições em contrário.

Um dos fundamentos junto ao parlamento fluminense a favor de Nova Friburgo como capital era o fato de ser um lugar salubre e que nunca havia sido assolado por epidemias. Campos demonstrando a sua pujança econômica foi o município que mais se mobilizou para se tornar capital envolvendo a associação comercial, categorias profissionais, abriu subscrição popular para a aquisição de fundos para auxiliar o Estado e promoveu uma representação popular defendendo os seus foros e direitos.

Após intensa disputa entre os municípios foi escolhido Petrópolis, possivelmente pela sua proximidade com o Rio de Janeiro. No dia 20 de fevereiro de 1894, foi instalada nessa cidade a capital do Estado do Rio de Janeiro, como noticiou O Friburguense de 23 de fevereiro do mesmo ano. Com o aumento considerável da força policial, empregados públicos, burocratas e pessoas que circulavam para tratar de seus interesses junto às repartições públicas, a aprazível cidade de Petrópolis se tornou em um local caro e turbulento, afugentando muitos veranistas.

Com o grande aumento de pessoas que circulavam em Petrópolis em razão da máquina burocrática, os veranistas não encontravam acomodações para alugar e os preços dos hotéis ficaram impraticáveis. Nova Friburgo se beneficiou aumentando a afluência de veranistas que habitualmente passavam o verão em Petrópolis. Para quem já esteve “na ponta”, o município de Nova Friburgo colocado no ranking geral do Estado em 52° lugar, nos faz sentir saudade do passado. 

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    A salubridade de Nova Friburgo quase a tornou capital do Estado

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    Nova Friburgo está colocado no ranking geral do Estado em 52° lugar

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    Nova Friburgo já teve mais prestígio, estava na ponta, dizia-se à época

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Os 22 anos do Projeto Piabanha

quinta-feira, 18 de junho de 2020

O majestoso Rio Paraíba do Sul nasce no Estado de São Paulo e deságua no Oceano Atlântico em São João da Barra, no norte do Estado do Rio de Janeiro. Ocupando um bioma marcado pela Mata Atlântica, sua bacia drena 24% do estado paulista, 39% do estado fluminense e 37% de Minas Gerais, sendo responsável pelo abastecimento de água para mais de 14 milhões de pessoas. Como compreende centros de expressiva concentração urbana e industrial, esses três estados colocam em risco a biodiversidade do Paraíba do Sul.

O majestoso Rio Paraíba do Sul nasce no Estado de São Paulo e deságua no Oceano Atlântico em São João da Barra, no norte do Estado do Rio de Janeiro. Ocupando um bioma marcado pela Mata Atlântica, sua bacia drena 24% do estado paulista, 39% do estado fluminense e 37% de Minas Gerais, sendo responsável pelo abastecimento de água para mais de 14 milhões de pessoas. Como compreende centros de expressiva concentração urbana e industrial, esses três estados colocam em risco a biodiversidade do Paraíba do Sul.

Antes mesmo do processo industrial, o Vale do Paraíba fluminense e paulista, desde o último quartel do século 18, ficou sujeito a devastação de sua mata para a implantação da cultura da cana-de-açúcar seguida do ciclo econômico do café. A redução da área original de cobertura vegetal do vale provocou a erosão acelerada dos morros acarretando o assoreamento do rio.

Já nas últimas décadas, o lançamento de esgoto doméstico com baixo percentual de tratamento e de dejetos industriais têm ameaçado diversas espécies de peixes nativos como o surubim-do-paraíba e a piabanha. Estima-se que o Rio Paraíba do Sul possuía cerca de 127 espécies de peixes, das quais 115 nativas e 12 introduzidas. São peixes de valor comercial no Rio Paraíba do Sul a piabanha, o piau branco e vermelho, a tainha, o dourado, a traíra, o robalo peva e flexa, o cascudo ou caximbau e o curimatã, curimbatá ou carpa do rio.

Para evitar que essas espécies aquáticas desapareçam de sua bacia foi criado o Projeto Piabanha que comemora 22 anos de atuação. Não fosse essa iniciativa muitas espécies já teriam sido extintas. Na celebração de seus dois decênios de atividade, o Projeto Piabanha lança a campanha “Em defesa dos rios, em defesa da vida” reunindo colaboradores, voluntários e parceiros.

Utilizando as redes sociais objetivam levantar a pauta da conservação, proteção e recuperação para a sustentabilidade das espécies de peixes em extinção no Rio Paraíba do Sul. Para tanto, o projeto conta com o apoio institucional do Instituto Humanize, Pesagro-Rio, Carinho Eco Green (Copapa), Uenf – Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais – Cepta, ICMBio e da Universidade Mogi das Cruzes.

O Projeto Piabanha mobiliza recursos, tecnologias e pessoas em defesa dos rios, em especial para a conservação dos peixes da bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, com ênfase nas espécies aquáticas ameaçadas de extinção. É formado pela Associação de Pescadores, aquicultores familiares e amigos do Rio Paraíba do Sul, uma organização da sociedade civil de interesse público municipal e estadual, com sede no município de Itaocara, no noroeste fluminense.

Nessas mais de duas décadas consolidou estudos, pesquisas, experiências e resultados na participação do Plano de Ação Nacional retendo o maior plantel de reprodutores de espécies nativas de peixes da bacia hidrográfica do Paraíba do Sul. O Projeto Piabanha representa uma oportunidade socioambiental de transformação e impactos positivos para uma área de mais de 55 mil quilômetros, com 40 espécies ameaçadas de extinção, incluindo os peixes piabanha, surubim-do-Paraíba, grumatã e toda a população ribeirinha que vive em seu entorno.

Com o auxílio de parceiros realizam o repovoamento nos rios Pomba e Paraíba do Sul com peixes marcados, objetivando preservar as espécies ameaçadas de extinção. A marcação em peixes é amplamente utilizada para diagnosticar aspectos da dinâmica populacional, crescimento, mortalidade, deslocamento e reprodução. A partir dessa marcação é possível monitorar a fauna aquática e avaliar o êxito do estabelecimento dessas espécies no ambiente natural. O monitoramento conta com a parceria dos pescadores da região e de uma rede ampla de colaboradores.

De acordo com o biólogo e diretor técnico da instituição, Guilherme Souza, ao longo do projeto a Piabanha atingiu um aumento populacional expressivo consolidando a ideia de conservação em um trabalho que se tornou referência no país. Segundo o geógrafo, ecologista e diretor geral da instituição, Luiz Felipe Daudt de Oliveira, “o Projeto Piabanha objetiva ampliar a capacidade de atuação, consolidar novas tecnologias em prol dos rios representando uma voz significativa no movimento ambiental, que vem mudando hábitos arcaicos e arraigados disseminando boas práticas de conservação que atendem as expectativas de corações e mentes.” Esse projeto pode ser mais bem conhecido acessando www.projetopiabanha.org.br ou pelo instagram @projetopiabanha. 

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    O Projeto Piabanha conta com o apoio de instituições governamentais e acadêmica

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    O Projeto Piabanha é uma referência no país

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    Os peixes marcados são monitorados

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