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Sumidouro, a pérola perdida de Nova Friburgo

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Poucos sabem, mas o município de Sumidouro pertencia a Nova Friburgo no século 19, que possuía um território quase três vezes maior do que nos dias de hoje. Eram quatro as suas freguesias, a de São João Batista, sede da vila, Nossa Senhora da Conceição do Paquequer, São José do Ribeirão e Nossa Senhora da Conceição do Ribeirão da Sebastiana.

Poucos sabem, mas o município de Sumidouro pertencia a Nova Friburgo no século 19, que possuía um território quase três vezes maior do que nos dias de hoje. Eram quatro as suas freguesias, a de São João Batista, sede da vila, Nossa Senhora da Conceição do Paquequer, São José do Ribeirão e Nossa Senhora da Conceição do Ribeirão da Sebastiana.

Neste artigo destaco a freguesia que na minha opinião tinha, entre as outras, maior importância econômica, a de Nossa Senhora da Conceição do Paquequer, conhecida igualmente como Sumidouro. Explico o porquê desta segunda alcunha. O sumidouro das pedras é um sorvedouro das águas, fenômeno muito raro e que encanta. Em um determinado ponto o Rio Paquequer desaparecia sob um leito de pedras percorrendo um trecho subterrâneo até aparecer novamente à frente e aos borbotões. Esse fenômeno do sumiço ou sumidouro das águas infelizmente não existe mais.

A economia de Sumidouro girava com a plantação de café e a produção de açúcar em inúmeros engenhos. Para as margens do Paquequer se dirigiram alguns colonos suíços e mais ao fim do século 19 imigrantes italianos. No período do Império, Sumidouro gerou uma nobreza da terra, o Barão de Aquino. Era proprietário das fazendas Santa Mônica, Santa Maria, Itororó, Conceição do Pinheiro e Areias em Pirapitinga de Itaperuna. Com a crise cafeeira, os descendentes de colonos suíços que para Sumidouro imigraram adquirem as mais importantes propriedades rurais.

A Fazenda Conceição do Pinheiro foi adquirida por Regino Monnerat e a Fazenda Bela Vista pelos Wermelinger. Dando um salto adiante quem adquiriu a Fazenda Mônica foi o médico friburguense dr. Dermeval Barbosa Moreira. Não obstante indivíduos escravizados serem em maior número na Freguesia de São José do Ribeirão do que em Sumidouro, ainda assim reputo esta última freguesia como a de maior expressão econômica para Nova Friburgo.

Minha suposição não se baseia em dados econômicos, pois ainda não os temos pesquisados, mas em observações empíricas. Sumidouro possui inúmeras casas de vivenda das fazendas de café do Império mantidas felizmente até hoje. Não localizei em nenhuma das outras freguesias de Nova Friburgo semelhante patrimônio histórico. No ano de 1881, Nova Friburgo perdeu a freguesia de Sumidouro gerando resistência entre os representantes do município. Não constatei o mesmo protesto quando Nova Friburgo perdeu a freguesia de São José do Ribeirão.

Na ocasião houve muita discussão na assembleia provincial sobre a criação de um novo município, a vila do Carmo, formado pelas freguesias de Nossa Senhora do Monte do Carmo, desanexada do município de Cantagalo e Nossa Senhora da Conceição do Paquequer (Sumidouro), desanexada de Nova Friburgo. A Câmara Municipal de Friburgo impugnou a desanexação já que “...era aquela freguesia a parte mais importante do termo”, conforme o Jornal do Commercio, de 1887, edição 00209.

Curiosamente Cantagalo não fez objeção à perda de sua freguesia e apoiou a iniciativa. O deputado Matheus Fortes que representava Friburgo protestou declarando que se Cantagalo estava farto de muitas e ricas freguesias, que não viesse turbar a vida pacífica de Nova Friburgo. Ainda segundo ele, “Friburgo é uma comarca que conta com quatro freguesias e a mais importante delas é a de Sumidouro...”

A criação de um município às margens do rios Paraíba e Paquequer tendo por sede a povoação do Carmo era um desejo de longa data. Os residentes nas freguesias de Nossa Senhora do Monte do Carmo e Sumidouro alegavam que tinham população suficiente para se constituírem em município e possuíam importante lavoura e comércio. Argumentaram que ficavam ambas muito distantes das sedes de Friburgo e Cantagalo, nove e sete léguas, respectivamente.

Por outro lado, havia o inconveniente de percorrer longas distâncias para requerer a Justiça, realizar o pagamento dos direitos à fazenda nacional e prestar o oneroso encargo de jurado. As duas freguesias eram limítrofes e a sede da freguesia do Sumidouro distava duas e meia a três léguas da sede da freguesia do Carmo, havendo um caminho fácil e por boa estrada de rodagem. Já as estradas que ligavam estas duas freguesias às sedes de Cantagalo e Friburgo eram precárias em razão das dificuldades que ofereciam as serras do Quilombo, em Cantagalo, e da Cascata em Nova Friburgo.

O juiz de Direito de Cantagalo, José Alves de Azeredo Magalhães, deu parecer favorável a criação do novo município alegando que a freguesia do Carmo mantinha somente relações do foro, do júri e da coletoria com Cantagalo. De fato, não havia relações comerciais entre Carmo e Cantagalo. Os produtos de sua lavoura eram transportados pela Estrada de Ferro D. Pedro II, na estação do Porto Novo do Cunha, não fazendo uso da linha férrea de Cantagalo.

A lei de 13 de outubro de 1881 autorizou a desanexação da freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Paquequer (Sumidouro) do termo de Nova Friburgo. Em 1890, esta freguesia desmembra-se de Carmo e ganha o predicado de município. Dois anos depois sofreu uma perseguição política e o município foi suprimido. Uma parte passou a pertencer a Carmo, outra a Duas Barras e uma terceira a Sapucaia. No entanto, no mesmo ano, em 1892, foi restabelecido o município de Sumidouro, a pérola perdida de Nova Friburgo.

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    Fazenda Santa Cruz, a pérola perdida de Nova Friburgo

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    Rara imagem da Fazenda Itororó, do Barão de Aquino. Acervo Romildo Pires Machado.

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    Sumidouro preserva as casas de vivenda do Império.

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Terra Nova, lugar de memória do desastre climático de 2011

quinta-feira, 07 de janeiro de 2021

Nos encontramos na iminência de completar dez anos do maior desastre climático registrado no Brasil. Este sinistro ocorreu na madrugada do dia 12 de janeiro de 2011 na região serrana fluminense, envolvendo, pelo menos, 11 municípios atingidos pelo desastre. Fui procurar em Nova Friburgo um lugar de memória deste trágico acontecimento, aquilo que a imaginação investe de aura simbólica e o encontrei no conjunto habitacional Terra Nova.

Nos encontramos na iminência de completar dez anos do maior desastre climático registrado no Brasil. Este sinistro ocorreu na madrugada do dia 12 de janeiro de 2011 na região serrana fluminense, envolvendo, pelo menos, 11 municípios atingidos pelo desastre. Fui procurar em Nova Friburgo um lugar de memória deste trágico acontecimento, aquilo que a imaginação investe de aura simbólica e o encontrei no conjunto habitacional Terra Nova.

O artigo científico “Vulnerabilidade socioambiental, redução de riscos de desastres e construção da resiliência, lições do terremoto no Haiti e das chuvas fortes na Região Serrana, Brasil.”, de Carlos Machado de Freitas e outros foi a minha fonte para apresentar algumas informações sobre esta tragédia. Segundo os autores na subestação Ypu, naquele dia choveu 220 milímetros em 24 horas, sendo acima de 80 milímetros considerado situação de alerta para a região. Os autores nos informam que faleceram em Nova Friburgo 429 pessoas, 4.528 ficaram desalojadas e 789 desabrigadas.

Alguns prédios e residências desabaram e a infraestrutura do município ficou totalmente comprometida, principalmente no que se refere às pontes. A indústria, o comércio, a agricultura e os serviços sofreram grandes prejuízos resultado da paralisia de suas atividades. O desastre climático provocou danos potencializados no município em razão da ocupação desordenada de áreas de proteção ambiental, como margens de rios e encostas, tanto por parte do poder público como por ocupações ilegais.

Passemos então aos acontecimentos que se sucedem. No distrito urbano de Conselheiro Paulino, que até meados do século 20 era essencialmente rural, foi construído um conjunto habitacional para abrigar as famílias que perderam os seus imóveis no desastre climático. Uma linda plantação de rosas do imigrante japonês Motomo Watanabe foi desapropriada para dar lugar a construção do conjunto habitacional. Era uma das últimas plantações de flores de corte do vale do Rio Grande restando hoje apenas a localidade do Sítio dos Afonsos, cuja família Afonso ainda vive do amanho da terra.

O condomínio Terra Nova possui nove conjuntos com variado número de blocos em cada um deles totalizando 2.200 unidades. Os apartamentos têm uma área de 42 metros quadrados que compreende sala, dois quartos, banheiro e cozinha, sem área de serviço. Para a edificação destes modestos apartamentos foram investidos aproximadamente R$ 292 milhões, sendo R$ 163 milhões do Governo Federal destinado a construção e o aporte de R$129 milhões do governo estadual para a desapropriação do sítio e urbanização da área.

Iniciaram-se, portanto, os problemas. Em artigo publicado em A VOZ DA SERRA em 17 de abril de 2017, intitulada “Delator diz que houve propina nas obras do Terra Nova”, o ex-executivo da Odebrecht, Benedicto Barbosa da Silva Júnior, declarou em delação premiada que essa empreiteira teria pago R$ 5 milhões em propina das obras de construção do conjunto habitacional Terra Nova para a campanha do governador Luiz Fernando Pezão, a pedido do ex-governador Sérgio Cabral.

Dispensa comentário as relações espúrias de diversos políticos com a construtora Odebrecht. Qual foi a consequência de agrupar quase oito mil pessoas em um conjunto habitacional? A resposta é dada pela mídia onde o Terra Nova está sempre associado a notícias de tensões entre os moradores relativo ao direito de vizinhança, típicas de aglomerações, e ainda matérias de confronto de determinado grupo de moradores infratores com a Polícia Militar.

Ficarei em apenas três exemplos, “Tiroteios constantes têm assustado moradores do Terra Nova”, reportagem de A VOZ DA SERRA de 22 de novembro de 2016; “Policiais militares de Nova Friburgo sofrem ataque por traficantes no Terra Nova”, TV Zoom, noticiário de 19 de outubro de 2020; “PM apreende carga de drogas em operação no Terra Nova”, reportagem de A VOZ DA SERRA de 4 de setembro de 2020. O que se depreende são uma sucessão de fatalidades divididas em diversos atos de um drama dos moradores do Terra Nova.

O primeiro ato foi o desastre climático desalojando estas famílias. O segundo um esquema de corrupção dos governos federal e estadual na edificação do conjunto habitacional Terra Nova. O terceiro ato uma população vulnerável e desassistida, tendo o seu “lar, doce lar” tão somente nas matérias policiais. A omissão do governo em promover a melhoria das condições de vida da população, um déjà vu, cai sempre no colo da Polícia Militar, que certamente não gostaria de desempenhar o papel de repressor nesta tragédia em três atos.

Fui consultar no site do arquivo do Governo Federal o discurso da então presidente Dilma Rousseff, que em novembro de 2015 inaugurou um dos blocos do conjunto habitacional que ela denominou de “Residencial Terra Nova 7”. Segundo a ex-presidenta “...É Terra Nova mesmo, porque vocês estão inaugurando aqui não só as casas, mas também uma nova vida (...) se eu voltar aqui daqui a um ano, o que eu vou ver? Eu vou ver que estas casas adquiriram uma outra face, uma outra imagem. Elas vão estar de uma certa forma refletindo cada uma das famílias que moram aqui. Vão ter um jeito mais humano (...) eu assumo o compromisso com o governador que nós vamos ajudar sim, a fazer aqui um posto de saúde, um posto para a segurança pública. Vamos ajudar a fazer escola e vamos ajudar a fazer creche...”

Podemos colocar essas promessas não cumpridas como o quarto e último ato desta tragédia. Não há no Terra Nova escola, creche, posto de saúde, área de lazer e falta água frequentemente. A bíblica Terra Nova é tão somente um lugar de memória da tragédia climática, associada permanentemente às matérias policiais.

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    Conjunto Residencial Terra Nova (Foto: Henrique Pinheiro)

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    O Terra Nova está sempre nas matérias policiais. (Foto: Acervo 11° BPM)

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    Imagem da tragédia de 2011 (Foto: Acervo Pessoal)

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O retrato falado de nova friburgo

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Ao finalizar um ano tão difícil, uma boa notícia: o lançamento do livro “Retrato Falado, uma radiografia da sociedade e de nossa gente” do Prof. Alexandre Gazé, pró-reitor da Universidade Candido Mendes e que durante muitos anos foi colunista de A Voz da Serra. Para a elaboração do livro, o Prof. Gazé selecionou 61 entrevistas das 170 que realizou nos últimos cinco anos em um programa na Luau TV, ao lado de Juca Berbert.  

Ao finalizar um ano tão difícil, uma boa notícia: o lançamento do livro “Retrato Falado, uma radiografia da sociedade e de nossa gente” do Prof. Alexandre Gazé, pró-reitor da Universidade Candido Mendes e que durante muitos anos foi colunista de A Voz da Serra. Para a elaboração do livro, o Prof. Gazé selecionou 61 entrevistas das 170 que realizou nos últimos cinco anos em um programa na Luau TV, ao lado de Juca Berbert.  

Provavelmente deve ter sido difícil a seleção, pois passaram pelos entrevistadores pessoas que deram significativa contribuição ao município de Nova Friburgo. O resultado foi o registro de um memorável conteúdo em variados ramos de atividades como educação, política, medicina, segurança pública, empreendedorismo, gastronomia, história, assistência social, comunicação, música e esporte.

Extraí alguns trechos interessantes da obra. Dermeval Barbosa Moreira Neto quando perguntado sobre a sua aproximação com Heródoto Bento de Melo, superando o episódio do passado com o seu pai Vanor Tassara Moreira durante o golpe militar, respondeu que a sua família sempre foi do perdão. Renato Abi-Râmia indagado se pretendia largar a política depois de mais de 30 anos de militância declarou que a política não se larga e que iria continuar participando dos movimentos políticos. Pierre de Moraes, conhecido como Prof. Pierre, revela que Leonel Brizola, Darcy Ribeiro e Cristovam Buarque são as suas referências, tendo influenciado a sua trajetória política.  O chef de cozinha José Hugo Celidônio traz em sua entrevista uma inusitada informação: a de que 80% da mão-de-obra em restaurantes de São Paulo são oriundas do Nordeste. Já o deputado federal Glauber Braga quando questionado sobre quais foram as suas reais dificuldades no Parlamento respondeu que “desde o início, senti que não podia ser nariz em pé e que nem poderia mudar todas as relações instituídas ao longo de décadas.” O radialista e publicitário Carlos Rosemberg nos informa que sua família não queria que ele fosse para o rádio. Achava que não seria uma boa profissão e que iria se meter em confusões. As cantoras não tinham grande fama sendo rejeitadas pela sociedade. Mas quando Edmo Zarife foi para a Rádio Globo ele foi atrás, contratado pela Rádio Tupi. O ex comandante da Polícia Militar, coronel Carlos Espanha, declarou em sua entrevista que “os maiores corruptos de nosso país são os homens do colarinho branco, que estão em Brasília. Seria uma covardia imputar todos os problemas de nossa sociedade na nossa polícia.” Braulio Rezende, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas, traz revelações sobre o terrível episódio no governo de Heródoto Bento de Melo. Segundo Rezende, “Ele (Heródoto) sofreu um acidente, numa estação de trem, e eu recebi um telefonema da filha dele informando que ele havia caído e batido a cabeça, sendo levado para o hospital (...), ele saiu do hospital e voltou a se sentir mal (...). Mas a intenção dele era reassumir o governo. E chegou a fazer uma reunião sobre secretariado. Mas a família achou por bem que ele não assumisse, porque ele tinha momentos de apatia, de dificuldade, e não tinha saúde para voltar à prefeitura.” Na deliciosa e descontraída entrevista com o jornalista e escritor Zuenir Ventura fica o registro do friburguense de coração que declara: “Tudo na minha vida aconteceu por acaso. Fui jornalista por acaso, escritor por acaso, acho que fui concebido por acaso.” O médico endocrinologista Max Kunzel se referindo ao sistema de saúde, critica a opção pelos planos privados porque os cidadãos já pagam impostos para obter este serviço. O maestro, músico e compositor Wagner Tiso concedeu a honra de participar em Retrato Falado, abordando sua carreira. O ponto alto foi quando aconselhou os músicos afirmando: “Se tiver que dormir na rua, durma. Não desista. Com a emoção, a vontade de lutar aumenta. Faça qualquer esforço para realizar seus sonhos”. O compositor Martinho da Vila, igualmente um dos convidados, não poupou esforços em elogiar a Sociedade Musical Campesina declarando que “não tem nenhuma banda no mundo como a Campesina Friburguense, com uma história tão longa, centenária, com uma formação musical tão eclética, é uma maravilha”. Já o jornalista, radialista e ex-deputado estadual Wanderson Nogueira declarou que Nova Friburgo perdeu um pouco de sua identidade ao longo dos últimos anos, bem como sua característica de vanguarda e de empreendedorismo. O prof. Hamilton Werneck faz uma excelente exposição sobre a obra de Paulo Freire emprestando a sua expertise como conferencista e de seus inúmeros livros no campo da educação. Foram também entrevistados o político Renato Bravo, o ex-vereador Alexandre Cruz, o deputado estadual Comte Bittencourt, Gerson ‘canhotinha de ouro’, José Carlos Araújo, o Garotinho, o médico Renato Meressi, o ex-vereador Jorge Carvalho, o delegado Henrique Pessoa, entre muitos outros políticos, empresários, prestadores de serviços, educadores e profissionais de comunicação.

O livro traz depoimentos reveladores e ninguém melhor do que o Prof. Gazé para conduzir este elenco, e como bem disse o Prof. Candido Mendes de Almeida, “Gazé, o seu negócio é gente”. Uma leitura prazerosa que recomendo. O livro encontra-se disponível nas livrarias da cidade. Um Feliz Ano Novo a todos os leitores de A Voz da Serra.

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    Prof. Alexandre Gazé, pró-reitor da Universidade Candido Mendes

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    Wagner Tiso foi um dos 170 entrevistados pelo Prof. Gazé

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    Retrato Falado, uma radiografia da sociedade e de nossa gente

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Breve história da assistência hospitalar

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Desde a ocupação do Brasil, os portugueses nunca se preocuparam com a assistência hospitalar de seus colonos e colonizados. Esta função era exercida pelas Irmandades da Misericórdia cujo estatuto visava, entre outras obras piedosas e caritativas, a cura dos enfermos. Estabelecidas no Brasil nas vilas mais importantes a partir de meados do século 16, as irmandades eram associações constituídas por pessoas católicas de posses, denominadas de confrades ou irmãos. Eram dirigidas por um provedor, função muito disputada, por mordomos, mesários e oficiais.

Desde a ocupação do Brasil, os portugueses nunca se preocuparam com a assistência hospitalar de seus colonos e colonizados. Esta função era exercida pelas Irmandades da Misericórdia cujo estatuto visava, entre outras obras piedosas e caritativas, a cura dos enfermos. Estabelecidas no Brasil nas vilas mais importantes a partir de meados do século 16, as irmandades eram associações constituídas por pessoas católicas de posses, denominadas de confrades ou irmãos. Eram dirigidas por um provedor, função muito disputada, por mordomos, mesários e oficiais. O provedor era geralmente um indivíduo muito rico ou com alto cargo na administração do governo.

As obras de misericórdia eram espirituais e corporais sendo relacionadas no “compromisso”. Entre as corporais deveriam remir os cativos, visitar os presos, curar os enfermos, cobrir os nus, dar de comer aos famintos, dar de beber a quem tem sede, dar pouso aos peregrinos e enterrar os mortos. As irmandades instalavam santas casas, também conhecidas como nosocômios, casas de expostos e rodas, bem como recolhimentos de órfãos para crianças enjeitadas. Era a única assistência à infância nos quatro primeiros séculos de nossa história.

Igualmente as irmandades alimentavam os presos das cadeias pois o governo não fornecia o seu sustento até o século 19. Para aumentar as suas rendas o governo lhes autorizava explorar o serviço funerário na arrecadação do imposto da tumba. O cemitério da vila de Nova Friburgo era administrado pela Irmandade do Santíssimo Sacramento, fundada em 11 de julho de 1858. As irmandades mantinham-se graças ao auxílio dos particulares e do povo em geral. Recebiam de testamentos somas de dinheiro, mantimentos, escravos, fazendas de cultura e criação, prédios, entre outros legados. Mesmo assim sempre enfrentaram dificuldade financeira para dar conta de atender a população pobre e desassistida.

Não se pode afirmar que o atendimento nas santas casas era dos melhores e daí o medo geral da população dos hospitais. O índice de mortalidade era altíssimo. Já os ricos se tratavam apenas em casa. As santas casas de misericórdia recebiam escravos, alienados mentais, pacientes com todo tipo de doença infectocontagiosa, à exceção dos leprosos que eram encaminhados para os lazaretos.

No século 19, na vila de Nova Friburgo a Câmara Municipal estimulava pessoas caridosas a ampararem os idosos e inválidos e fornecia medicamentos aos “indigentes”. Procurava-se por famílias para abrigar crianças expostas ou abandonadas. Até aproximadamente o primeiro quartel do século 20, o governo geral ainda era ausente no campo da assistência hospitalar. Os indigentes, desvalidos e enfermos pobres contavam tão somente com as santas casas de misericórdia, algum auxílio das câmaras e da caridade da população. Os médicos colaboravam e davam assistência gratuita às classes sociais desfavorecidas.

Na segunda década do século 20 a Benemérita Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Nova Friburgo prestava auxílio aos doentes carentes na Santa Casa. Com a construção do Hospital Regional de Nova Friburgo (atual Raul Sertã) a irmandade passou a administrá-lo juntamente com a prefeitura que assumiu depois toda a gestão. A criação do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) não resolveu o problema da população desfavorecida pois dava atendimento hospitalar somente às pessoas que tinham carteira de trabalho, ficando fora os trabalhadores informais e os trabalhadores do campo, que eram a maioria. Eram registrados como “indigentes” pois não tinham direitos.

Foi graças ao médico Hésio de Albuquerque Cordeiro (1942-2020), criador do Sistema Único de Saúde (SUS), que o serviço clínico e hospitalar se universalizou dando acesso gratuito a todos os brasileiros. Foi um grande avanço na história da saúde coletiva do país. Pioneiro na articulação entre medicina e ciências sociais, Cordeiro criou um sistema público de saúde menos excludente e desigual.

Atualmente sete em cada dez brasileiros dependem do SUS que é financiado com recursos dos governos federal, estadual e municipal. O município tem que aportar pelo menos 15% de sua receita. O problema é que os municípios e os estados estão sendo cada vez mais pressionados pelo Governo Federal para colocar mais recursos.  No SUS existe o programa Estratégia de Saúde da Família (ESF) considerado um dos melhores programas de saúde pública do mundo, segundo a OMS, a Organização Mundial de Saúde. Constituído por agentes de saúde, na maioria mulheres e que moram nas comunidades, atendem determinado número de famílias a domicílio.

Fazem parte de cada núcleo da ESF um médico, uma enfermeira e um auxiliar de enfermagem. Os agentes visitam as famílias orientando no pré-natal, controle da pressão arterial, cuidados básicos da higiene etc. Este programa atende 160 milhões de brasileiros. Quando não conseguem resolver o caso em nível domiciliar as pessoas são encaminhadas para as unidades básicas de saúde. Existem mais de 40 mil espalhadas pelo país.

Porém, como essas unidades básicas não funcionam a contento, as pessoas naturalmente se dirigem ao pronto-socorro dos hospitais que ficam congestionados. Logo, dão injustamente uma péssima imagem do SUS. Porém, o problema não é propriamente do sistema e sim da má gestão e corrupção neste setor. O mais temerário é que o Governo Federal vem diminuindo a cada ano o orçamento da saúde e para 2021 houve mais um corte de recursos minando este sistema. Ainda que com todos os problemas, alguém já disse que se não fosse o SUS, seria a barbárie.

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    Hésio Cordeiro(1942-2020) criador do SUS implantou um sistema público de saúde favorecendo as classes populares

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    Alimentos levados à cadeia pela Irmandade do Santíssimo Sacramento,1839, Jean-Baptiste Debret

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    Santa Casa de Misericórdia de Nova Friburgo, 1948

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Câmara Municipal lança livro em seu bicentenário

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Na próxima segunda-feira, 14, a Câmara de Vereadores de Nova Friburgo, vai lançar  em sessão solene o livro “Memórias do Legislativo Friburguense, 200 anos de história da Câmara Municipal de Nova Friburgo”. De acordo com o historiador e coordenador Ricardo da Gama Rosa Costa, o livro inicia com o artigo de minha autoria, “As posturas policiais em Nova Friburgo no século XIX (1820-1888)”, que trata da legislação construída pelos vereadores friburguenses na época do Império, quando Nova Friburgo era uma vila estabelecida em meio à sociedade oligárquica e escravista brasileira.

Na próxima segunda-feira, 14, a Câmara de Vereadores de Nova Friburgo, vai lançar  em sessão solene o livro “Memórias do Legislativo Friburguense, 200 anos de história da Câmara Municipal de Nova Friburgo”. De acordo com o historiador e coordenador Ricardo da Gama Rosa Costa, o livro inicia com o artigo de minha autoria, “As posturas policiais em Nova Friburgo no século XIX (1820-1888)”, que trata da legislação construída pelos vereadores friburguenses na época do Império, quando Nova Friburgo era uma vila estabelecida em meio à sociedade oligárquica e escravista brasileira.

Na sequência Rodrigo Marins Marretto descreve “Nas rotas do café e da escravidão: um estudo das dinâmicas socioeconômicas da vila de Nova Friburgo (1822-1888)” o processo de desenvolvimento da vila no período em que a principal preocupação das autoridades e dos proprietários locais era com a escravidão e o uso do trabalho escravo voltado para manter os caminhos e as estradas que transportavam o café produzido em Cantagalo e nas freguesias de Nova Friburgo, em direção ao porto do Rio de Janeiro.

Tanto o meu artigo quanto o de Rodrigo apresentam uma realidade histórica que não pode ser esquecida, a existência da escravidão e a presença da população negra em Nova Friburgo, responsáveis pela produção da riqueza e por grande parte da formação cultural do nosso povo. O terceiro artigo de autoria de Rodrigo Marretto e Gabriel Almeida Frazão “Em benefício da elegância e a salubridade pública: Jean Bazet e a boa sociedade imperial na vila de Nova Friburgo (1828-1852)”, nos apresenta a trajetória política do primeiro presidente da Câmara Municipal eleito, um dos membros da migração suíça para a vila de Nova Friburgo, que atuou como médico dos colonos suíços, o que lhe conferiu prestígio suficiente para que vencesse as eleições para vereador em cinco ocasiões e assumisse a condução da administração da vila nos seus primeiros anos.

Gabriel Frazão é também autor de “Caminhos e descaminhos de um político local: considerações sobre as estratégias e a trajetória de Dimas Ferreira Pedrosa (Nova Friburgo – 1844-1882)”, texto que aborda a ação política controversa de um vereador friburguense que se destacou ao representar os interesses dos proprietários e suas necessidades econômicas, com destaque para a questão relativa à manutenção das estradas, procedimento indispensável ao sucesso dos negócios da classe dominante da vila e da região. Em seguida Anne Thereza de Almeida Proença no artigo “Senhor Vereador Doutor: as frentes de atuação de Carlos Éboli na Câmara Municipal da Vila de Nova Friburgo (1870- 1880)” aborda a atuação do médico italiano Carlos Éboli durante seus dois mandatos como vereador, acima de tudo preocupado com a manutenção da salubridade pública da vila, o que também atraía visitantes de diversos pontos da província e do país em busca da cura para suas enfermidades ou para veraneio.

O artigo de Maria Ana Quaglino “A Câmara Municipal e a iluminação pública no século XIX” analisa parte do processo de modernização urbana da vila de Nova Friburgo, mais especificamente sobre a instalação e substituição de sistemas de iluminação pública na cidade buscando entender os motivos que levaram a municipalidade a adotar lampiões à base de derivados de petróleo, num momento em que a energia elétrica já começava a ser implantada em outros municípios.

O sétimo artigo de autoria de João Raimundo de Araújo e Sonia Rebel de Araújo “A Nova Friburgo na Velha República: aspectos políticos (1890-1930)” trata do processo de transição da vila a município após a proclamação da República, analisando os conflitos entre os grupos políticos que representavam, de um lado, a tradicional sociedade construída sobre as bases da economia agrária escravista e, de outro, aqueles que se apresentavam como modernizadores ao defenderem a instalação das indústrias têxteis em Nova Friburgo.

A industrialização da cidade, por sinal, dependeu da substituição da iluminação a gás pela energia elétrica, tema este de Almir Pita Freitas Filho, “A Câmara Municipal e a iluminação elétrica em Nova Friburgo (1902-1911)”, que aborda a atuação do poder público local, através do Legislativo, na adoção de medidas com vistas à implantação de serviços de utilidade pública, mais precisamente a iluminação elétrica, no instante em que Nova Friburgo vinha se tornando um atraente polo de interesses ligados ao comércio e serviços diversos, em especial médicos, turísticos e educativos, para o que era premente a modernização via energia elétrica.

Ricardo da Gama Rosa Costa com o texto “Galdino do Valle Filho e a construção da hegemonia burguesa em Nova Friburgo (1911-1961)” destaca a trajetória da principal figura pública representativa dos ideais liberais burgueses na primeira metade do século XX, responsável pela construção do projeto hegemônico em defesa dos interesses do empresariado ligado à nascente indústria têxtil, instalada em consequência da estratégia política vitoriosa de Galdino, da qual fez parte também a ideologia da Suíça Brasileira.

Em seguida, Maurício Antunes Raposo analisa a formação do núcleo integralista no município, que reuniu adeptos e simpatizantes da versão brasileira do fascismo. Por meio do artigo “Júlio Ferreira Caboclo e a Ação Integralista Brasileira na Câmara Municipal de Nova Friburgo (1936- 1937)”, Maurício evidencia a liderança política conservadora do professor e jornalista Júlio Caboclo. Por fim, o artigo de Elizabeth Vieiralves “Medicina e Poder Político em Nova Friburgo: Amâncio Mario de Azevedo, o Médico dos Pobres” centra sua análise no estudo das relações entre a medicina e o poder político, a partir da trajetória dos médicos que dirigiram os destinos de Nova Friburgo entre os anos de 1947 e 1977, passando pela herança do “galdinismo” até a proeminência da liderança popular de Amâncio Azevedo, cuja carreira política como vereador, prefeito e deputado federal esteve associada ao atendimento a diversas demandas sociais advindas das camadas populares na cidade.

O livro é igualmente coordenado pela assessora de comunicação da Câmara Fernanda Guimarães, que nos informa que exemplares serão distribuídos gratuitamente entre as instituições e escolas, mas por ter uma tiragem limitada, a população terá acesso baixando a obra disponível no site da Câmara Municipal.

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    A Câmara Municipal é a instituição mais antiga do município

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    O prédio da Câmara foi demolido para abrir a Rua Monte Líbano

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As fazendas históricas de Cantagalo

quinta-feira, 03 de dezembro de 2020

Na semana passada ocorreu o lançamento do livro “Álbum das Fazendas de Cantagalo” de autoria de Sebastião e Rosa Maria de Carvalho. No período de 1991 a 2013 o casal percorreu 35 fazendas históricas localizadas no município de Cantagalo. Gostaria de chamar a atenção que se formos considerar as fazendas históricas da magna Cantagalo antes da emancipação de diversos munícipios este número seria possivelmente dez vezes maior.

Na semana passada ocorreu o lançamento do livro “Álbum das Fazendas de Cantagalo” de autoria de Sebastião e Rosa Maria de Carvalho. No período de 1991 a 2013 o casal percorreu 35 fazendas históricas localizadas no município de Cantagalo. Gostaria de chamar a atenção que se formos considerar as fazendas históricas da magna Cantagalo antes da emancipação de diversos munícipios este número seria possivelmente dez vezes maior.

O casal de pesquisadores Sebastião e Rosa Maria fizeram o registro das seguintes propriedades rurais históricas: as fazendas do Gavião,  Areias, Santa Rita, Boa Sorte, Boa Vista, São Clemente, Sant’Anna, Mont Vernon, Sossego, Nossa Senhora da Conceição do Rio Negro, Pouso Alto, Aldeia, Retiro, Ronca Pau e São Jorge, São José do Rio Negro, Soledade, Palha, São Lourenço, Água Quente, Lage, Nova União, Santa Bárbara, Santa Izabel, São Joaquim, São Sebastião, Bemposta, Sant’Anna de Pouso Alegre, Batalha, Gamela e o Sítio Guarapiranga.

As cinco primeiras fazendas pertenceram ao primeiro Barão de Nova Friburgo. Este levantamento foi realizado com o apoio do Centro de Estudos e Pesquisas Euclydes da Cunha objetivando entregar à Prefeitura de Cantagalo um relatório sobre a viabilidade turística em razão do expressivo patrimônio histórico. Todas estas propriedades foram unidades de produção de café no século 19 fazendo uso do modo de produção escrava. Algumas antes mesmo e outras a partir da abolição da escravidão substituíram o trabalho escravo por colonos italianos, portugueses e espanhóis em regime de trabalho de parceria agrícola.

De um modo geral, após a crise econômica do café migraram para a atividade pecuária de gado leiteiro e de corte e alguma lavoura branca. Outro dado interessante é que com a falência dos barões do café dos vales dos rios Grande, Negro e Dois Rios as mais importantes propriedades foram adquiridas por descendentes de colonos suíços como os Monnerat, Lutterbach, Leimgruber para ficar em apenas alguns exemplos. Verifica-se no álbum das fazendas que algumas não possuem mais a casa de vivenda, porém em contrapartida mantém os velhos engenhos de café, moendas de cana, moinho de milho, rodas d’água, olarias, enfim reminiscências da vida material no passado no ciclo do café.

Já se passaram sete anos de finalizada a pesquisa deste álbum ou até mesmo mais tempo se considerarmos as fazendas que foram inventariadas a partir de 1991. Logo, muita coisa mudou desde então e vou ficar em quatro exemplos no qual conheço particularmente o caso. A Fazenda Areias após a visita dos pesquisadores foi vendida e a sua estrutura bem alterada pelos novos proprietários, inclusive com relação ao mobiliário. Abandonou-se o estilo do Império e todos os móveis passaram a ser peças importadas de design inglês. Mas esta propriedade está novamente à venda pelo valor de R$ 25 milhões com “porteira fechada”, como se dizia antigamente.

Outra fazenda que tive a oportunidade de conhecer foi Mont Vernon que já não é de propriedade dos Lutterbach e sim de uma empresa de produtos veterinários. Mas a sua valiosíssima casa de vivenda foi mantida com reformas adaptadas às atividades da empresa. Com relação a Fazenda Gavião infelizmente o acervo que Sebastião Carvalho relaciona no álbum da propriedade que hospedava o Imperador D. Pedro II não existe mais. Por dificuldades financeiras da família Pitta este patrimônio histórico, a pérola entre as propriedades rurais do primeiro barão de Nova Friburgo, vem se deteriorando a olhos vistos.

Por outro lado temos boas notícias. A Fazenda São Clemente que pertenceu inicialmente a Francisco Clemente Pinto e adquirida pelos Monnerat é um verdadeiro tesouro de Cantagalo. O atual proprietário Marcelo Monnerat restaurou a casa palacete de acordo com informações de seu pai Carlos Lincoln Monnerat, de iconografias e da tela à óleo pintada por Henry Walder em 1895, que ilustra a sede da Fazenda São Clemente. O mobiliário e as louças do período do Império bem como o pomar-parque assinado por Auguste François Marie Glaziou são outras preciosidades desta fazenda histórica.

Outro grande exemplo de manutenção vem de outro Monnerat, o médico Renato que restaurou parte da Fazenda Sant’Anna que pertenceu ao poderoso barão de Cantagalo. Renato Monnerat reuniu um acervo e criou um centro de memória que deu o nome de Martin Nicoulin, em homenagem ao autor do livro “A gênese de Nova Friburgo”. A Prefeitura de Cantagalo possui uma atividade de turismo rural na região mas bem aquém do que propunha o casal de pesquisadores. Sebastião de Carvalho, que faleceu em 24 de maio deste ano, e Rosa Maria plantaram sementes que deram frutos.

A histórica e bem preservada Fazenda Sossego recebe visitas onde o turista pode desfrutar da vida cotidiana de uma típica fazenda de café oitocentista (o agendamento para visitas deve ser feito pelo telefone 22 – 992 689 696). O “Álbum das Fazendas de Cantagalo” é uma deliciosa visita ao passado e um valioso registro de como estas fazendas se adaptaram a nova ordem econômica do estado fluminense. O livro pode ser adquirido com Rosa Maria pelo telefone (22) 992 136 389.  

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    A casa palacete da Fazenda São Clemente

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    O casal de pesquisadores Sebastião e Rosa Maria de Carvalho

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    O historiador Martin Nicoulin com os Monnerat na Fazenda Santanna

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Bom Jardim reinaugura o Museu Fazenda

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

A Secretaria Municipal de Turismo de Bom Jardim reinaugura no próximo dia 7 de dezembro o Museu Fazenda Luís Corrêa da Rocha Sobrinho. Inicialmente gostaria de destacar a relação histórica de Nova Friburgo com o município de Bom Jardim. Foi para a região onde hoje é Bom Jardim que colonos suíços e alemães se deslocaram em busca de terras quentes para o cultivo de café abandonando o distrito colonial do Morro Queimado. Já no final do século 19 o município de Nova Friburgo perdeu a importante freguesia cafeeira de São José do Ribeirão para Bom Jardim.

A Secretaria Municipal de Turismo de Bom Jardim reinaugura no próximo dia 7 de dezembro o Museu Fazenda Luís Corrêa da Rocha Sobrinho. Inicialmente gostaria de destacar a relação histórica de Nova Friburgo com o município de Bom Jardim. Foi para a região onde hoje é Bom Jardim que colonos suíços e alemães se deslocaram em busca de terras quentes para o cultivo de café abandonando o distrito colonial do Morro Queimado. Já no final do século 19 o município de Nova Friburgo perdeu a importante freguesia cafeeira de São José do Ribeirão para Bom Jardim. O mesmo ocorreu com o distrito de Amparo e Galiano das Neves Junior, o coronel Chonchon, possivelmente não ficou nada satisfeito com a anexação de sua propriedade, a Fazenda Cachoeira, ao município de Bom Jardim. Amparo foi reintegrado a Nova Friburgo em 1911 e explicaremos mais adiante quem conseguiu esta façanha.

De acordo com o pesquisador Clélio Erthal no livro “Bom Jardim”, Luiz Corrêa da Rocha Sobrinho era neto do patriarca Mathias Corrêa da Rocha proprietário das fazendas Soledade e Santa Bárbara, umas das primeiras sesmarias nos sertões do Vale do Macacu. Ainda segundo Erthal, Rocha Sobrinho foi um dos mais notáveis e dinâmicos fazendeiros adquirindo o miolo da velha fazenda Bom Jardim cuja sede pertencera ao padre Vicente Ferreira Soares, igualmente um dos primeiros afazendados naqueles sertões.

Para melhor situar o leitor os sertões do Vale do Macacu adquiriu em 1814 o predicado de município de Cantagalo. Luiz Corrêa da Rocha Sobrinho casou-se com a descendente de suíços Eugênia Cantídia Boechat com quem teve os filhos Péricles, Olga, Edith e Odete. Além de ser um importante produtor de café no Vale do Paraíba fluminense Rocha Sobrinho era um líder político local. Empreendedor trouxe a eletricidade para o município e montou uma moderna usina de beneficiamento de café ao lado de sua residência que hoje sedia o Galpão Cultural.

No ano de 1896, Rocha Sobrinho adquiriu a Companhia Engenho Central Rio Negro no município de Itaocara que passou a denominar de Engenho Central Laranjeiras. Era uma unidade de produção de açúcar que pertencia aos condes de Nova Friburgo e de São Clemente, ao segundo barão das Duas Barras, a Galdino Antônio do Valle pai do político Galdino do Vale Filho, entre outros sócios. Como os municípios eram anteriormente administrados pela Câmara Municipal, o coronel Luiz Corrêa da Rocha Sobrinho elegeu em julho de 1922 o seu filho Péricles Corrêa da Rocha como o primeiro prefeito de Bom Jardim.

O médico e político Galdino do Valle Filho possuía estreitos laços e aliança política com os Corrêa da Rocha e esta amizade se estendeu às gerações seguintes. O articulista Nelson Kemp em artigo publicado em A VOZ DA SERRA na edição de 20 de agosto de 1961 informou que o deputado estadual Galdino do Valle Filho foi quem apresentou o projeto de lei solicitando a transferência do distrito de Amparo de Bom Jardim para Nova Friburgo. Teriam os Corrêa da Rocha facilitado essa reintegração? Possivelmente sim em razão da aliança política e de laços pessoais de Galdino com esta família.

Apoiadores do governo de Washington Luiz, Galdino e Péricles tiveram os seus direitos políticos cassados na Revolução de 1930. O primeiro se exilou em Portugal e o segundo em Laranjais, distrito de Itaocara, e passou a administrar o Engenho Central Laranjeiras. Centralizando a compra de cana-de-açúcar entre os lavradores do noroeste fluminense o engenho teve o seu maquinário modernizado e diversificado os seus produtos. Além de açúcar passou a produzir éter e álcool farmacêutico.

O Engenho Central Laranjeiras na gestão Péricles Corrêa da Rocha chegou a ter 1.500 trabalhadores. Com o desenvolvimento de Laranjais imigraram para este atual distrito de Cantagalo famílias libanesas a exemplo dos Elias, Sarruf, Nacif e Nagib. Péricles Corrêa da Rocha administrou o engenho durante mais de 20 anos no período de 1930 a 1956, colocando-o entre os maiores do país. Ao retornar para Bom Jardim instalou a fábrica de caramelos Busi aproveitando o açúcar que fabricava. Como não teve filhos o seu sobrinho Álvaro Luiz Corrêa Graça o sucede na administração do Engenho Central Laranjeiras, que encerrou suas atividades em 1972.

Muitos dos operários do engenho foram trabalhar nas fábricas de Nova Friburgo e principalmente na fábrica de ferragens Haga. Esta metalúrgica cooptou para a seção de fundição muitos ex-funcionários do engenho habituados a trabalhar com altos fornos na produção de açúcar. Me parece que na Era Vargas os Corrêa da Rocha foram eclipsados pela ascensão econômica e política dos Erthal e dos Monnerat que constituíram alianças matrimoniais para consolidar sua hegemonia política em Bom Jardim. Este município é o único da região serrana que manteve o cultivo de café e quiçá é o maior produtor desta commoditie no estado fluminense exportando tanto para o mercado interno como externo. Toda esta produção pertence a uma única família, os Erthal, descendentes de colonos alemães que chegaram a Nova Friburgo em 1824. Os imigrantes italianos Carrielo se estabeleceram em Bom Jardim onde habita a maior parte da família.

De acordo com o secretário municipal de Turismo de Bom Jardim, Jackson Vogas de Aguiar, a reinauguração do museu pretende dar novo significado ao espaço de memória e igualmente servir como atrativo turístico movimentando a economia local. Foram produzidos novos ambientes de exposição do ciclo do café, contemplando a história política local. A Secretaria de Turismo além da reformulação do museu vai entregar a comunidade e pesquisadores um acervo histórico online com o inventário da cultura e religiosidade do município.

No Museu Fazenda Luís Corrêa da Rocha Sobrinho se encontra uma parte da história de Nova Friburgo e por isso vale a pena a visita dos friburguenses e das escolas com agendamento pelo telefone (22) 2566 2236.

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    Fachada do Museu Fazenda Luiz Corrêa da Rocha Sobrino

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    Interior do Museu Fazenda com acervo do ciclo do café

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    Momento de descontração dos Corrrêa da Rocha

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A memória sobre o 11º Batalhão de Polícia Militar

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Com a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, um dos primeiros atos do príncipe-regente D. João VI foi organizar o serviço policial no Rio de Janeiro. Instituiu em 5 de abril de 1808 a Intendência Geral da Polícia da Corte, criando o cargo de intendente geral da Polícia. Já a Polícia Militar foi criada em 13 de maio de 1809 com a denominação de Divisão Militar da Guarda Real de Polícia. Inicialmente foi constituída de três companhias de infantaria e uma de cavalaria.

Com a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, um dos primeiros atos do príncipe-regente D. João VI foi organizar o serviço policial no Rio de Janeiro. Instituiu em 5 de abril de 1808 a Intendência Geral da Polícia da Corte, criando o cargo de intendente geral da Polícia. Já a Polícia Militar foi criada em 13 de maio de 1809 com a denominação de Divisão Militar da Guarda Real de Polícia. Inicialmente foi constituída de três companhias de infantaria e uma de cavalaria. No ano de 1858 transformou-se no Corpo Militar da Polícia da Corte e a receita para pagar o salário dos membros da corporação provinha do aluguel do patrimônio próprio, soltura das cadeias e calabouços, aplicação de açoites em escravos a pedido dos senhores, entre outras receitas. Recomendo a leitura do livro “Polícia no Rio de Janeiro, repressão e resistência numa cidade do século XIX” de Thomas Holloway para conhecer a história desta instituição.

Entrevistei o friburguense e tenente-coronel aposentado Newton Imbroinise que foi o primeiro comandante da Polícia Militar no município, o 11° Batalhão. Formado em direito, engenharia e história, Imbroinise nos informa o motivo pelo qual, entre as três cidades serranas, o município de Nova Friburgo foi o escolhido para abrigar o quartel. Em plena ditadura militar o comando do Primeiro Exército via a necessidade de estabelecer um quartel na região serrana do estado fluminense. Municípios como Petrópolis e Teresópolis com residências de veraneio de alguns generais, como de Ernesto Geisel, eram, inicialmente, os mais indicados.

Participando da reunião Newton Imbroinise argumentou que Nova Friburgo tinha notadamente mais necessidade de um quartel pois possuía aproximadamente quatro mil operários e havia infiltração do partido comunista nas indústrias têxteis. Cumpre destacar que até então era o Sanatório Naval quem servia de força auxiliar em caso de distúrbios. O “jipe do Sanatório Naval vai descer” era um sinal de alerta para os que ameaçavam desafiar a ordem na cidade.

Diante da argumentação de Imbroinise o comando do Primeiro Exército deu prioridade a Nova Friburgo. A primeira instalação da Polícia Militar foi na avenida entre as ruas Fernando Bizzoto e Oliveira Botelho acomodada em uma residência alugada pelo estado. Para instalar o quartel definitivamente ofereceram a Imbroinise o Lazareto, hospital que funcionava para acolher pacientes em caso de epidemias com doenças infectocontagiosas, como ocorreu com a gripe espanhola no município. Imbroinise não aceitou instalar o quartel em um local insalubre e resolveu tomar posse da antiga estação de trem. Tratava-se de uma estação de carga inaugurada em 15 de junho de 1933 na Chácara do Gambá, denominada de Estação Friburgo-Cargas.

Com o fim a linha férrea em 1964 a estação foi ocupada por famílias de funcionários da extinta Estrada de Ferro Leopoldina que residiam nos seus prédios. Imbroinise promoveu a remoção das famílias do local e deu início às obras para a instalação do quartel. Para tanto contou com a ajuda da Associação Comercial, Industrial e Agrícola e empresários locais. O auxílio do médico Feliciano da Costa, ex comandante e capitão de corveta do Sanatório Naval na terraplanagem e realização das obras foi fundamental.

Finalmente o quartel foi inaugurado em 1971. Imbroinise recusou praças domiciliados fora do município pois tinha ciência que era hábito enviarem policiais com problemas de disciplina para os pequenos quartéis. Como friburguense desejava policiais naturais de Nova Friburgo. No entanto ninguém queria ser policial. Ele foi para a porta das fábricas em uma kombi com um alto-falante tentando convencer operários a se tornarem policiais. Todavia foi difícil pois o salário de um policial estava aquém do que pagavam as fábricas. Fazendo uso de outras estratégias e com muito esforço conseguiu arregimentar 15 soldados, todos friburguenses.

De acordo com o sargento Braulio Batista Gomes atualmente o 11° Batalhão cobre oito municípios. Além de Nova Friburgo, Bom Jardim, Duas Barras, Cordeiro, Cantagalo, Macuco, Trajano de Moraes e Santa Maria Madalena. Porém no passado o quartel era responsável pela segurança de 17 municípios.

Além de atuar na polícia política monitorando os comunistas o comandante tinha entre as suas atribuições os crimes que ocorriam na cidade. O mais marcante foi o caso do “criminoso das Braunes”. Tratava-se de um indivíduo que tinha o hábito de esfaquear os homens que namoravam garotas nos automóveis e atuava somente no bairro das Braunes. Foram 11 as vítimas mas nenhum caso fatal. Por meio de investigação conseguiram prender o criminoso.

De outros casos pitorescos Imbroinise se recorda que havia escaramuças entre os policiais e os marinheiros das colônias de férias, o conhecido “conflito de fardas”. Se refere com orgulho que a Polícia Militar lutou na Guerra do Paraguai formando o 12º Corpo de Voluntários da Pátria, conhecidos como treme-terra. Segundo ele quem matou o comandante das Forças Armadas Solano López na Guerra do Paraguai foi o cabo Chico Diabo, mas quem prendeu o ditador foi o friburguense Sargento Pardal. Em sua homenagem a Câmara Municipal deu nome a uma rua no bairro de Olaria de Cândido Pardal.

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    A estação de trem passa a ser a sede do 11° Batalhão

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    Antigo uniforme com capacete norte-americano

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    O criminoso das Braunes sorri para o fotógrafo

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Quem foi o melhor prefeito de Nova Friburgo?

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Com a proximidade da eleição do novo prefeito de Nova Friburgo, cabe neste momento uma reflexão sobre quem teria sido o melhor gestor público na história política do município. Como a Câmara Municipal exercia no passado a função executiva, a primeira eleição para prefeito em Nova Friburgo ocorreu somente em 1916, sendo eleito Everard Barreto de Andrade. Muitos prefeitos eleitos e interventores passaram pela administração do município e,  na minha opinião, quem mais se destacou como modelo de gestão pública foi César Guinle (1911-1989).

Com a proximidade da eleição do novo prefeito de Nova Friburgo, cabe neste momento uma reflexão sobre quem teria sido o melhor gestor público na história política do município. Como a Câmara Municipal exercia no passado a função executiva, a primeira eleição para prefeito em Nova Friburgo ocorreu somente em 1916, sendo eleito Everard Barreto de Andrade. Muitos prefeitos eleitos e interventores passaram pela administração do município e,  na minha opinião, quem mais se destacou como modelo de gestão pública foi César Guinle (1911-1989).

César era engenheiro e tinha domicílio na chácara do chalet, no Parque São Clemente, que hoje pertence ao Nova Friburgo Country Clube. O seu pai, Eduardo Guinle, adquirira esta propriedade dos descendentes do notório Barão de Nova Friburgo para veranear com a família. A chácara do chalet era uma propriedade produtiva e vendia produtos de granja como flores, frutos, mudas, legumes, animais, ovos, peixes, adubos, madeiras e plantas diversas. A empresa de César Guinle, denominada Parque São Clemente, fabricava material de construção como telhas, tijolos, lajotas, manilhas etc.

Em dado momento, os Guinle foram uma das famílias mais ricas do Brasil. Eduardo Guinle construiu o belíssimo palacete no Rio de Janeiro que é hoje a residência oficial do governador do estado. Porém, César Guinle era de uma geração em que a fortuna da família já não era tão expressiva. César Guinle foi praticamente conduzido por um grupo de políticos locais para disputar o pleito municipal, tendo sido eleito prefeito com a votação de mais da metade da população. Em sua gestão no executivo (1947-1951) promoveu grandes avanços em Nova Friburgo na infraestrutura, nos serviços e na educação.

Guinle seria o novo na velha política friburguense representada por Galiano das Neves Junior, Galdino do Vale Filho e Dante Laginestra. Guinle teve foco em ações estruturantes e a sua primeira empreitada foi a questão energética. A energia elétrica era monopólio da família Arp, que direcionava boa parte da capacidade produtiva das usinas Hans e do Catete para as indústrias têxteis, não podendo em razão disto prover muitos bairros e distritos. Apenas com a finalização da usina de Macabu poderia suprir todo o município com energia elétrica. Guinle não quis esperar e pressionou a empresa Arp a aproveitar a queda d’água do Pinel para fornecer mais energia ao município.

Segundo ele, “os Arp foram alertados para o fato de o povo se revoltar e depredar as instalações da usina e mais, quebrar as fábricas que pertencem ao próprio grupo da companhia. A prefeitura dificilmente teria condições de impedir esse quebra-quebra.” Nos parece que Guinle se referia ao movimento popular que ficou conhecido como “quebra lampiões”, em que a população friburguense protestou contra a Câmara Municipal por criar obstáculos na concessão a Julius Arp de explorar a energia elétrica. A usina do Pinel ficou pronta juntamente com a de Macabu e a energia elétrica foi estendida a diversas localidades do município.

Outra medida estruturante de César Guinle foi a pavimentação de diversas vias  com a construção de estradas. Como empresário,  tinha ciência de que a comunicação era indispensável aos negócios. A companhia telefônica pertencia à família Sertã, sendo Raul Sertã o maior acionista. Porém, por não realizar investimentos, o serviço da empresa telefônica era extremamente precário e limitado.

Guinle, então, contratou o recém-imigrado Johannes Weidauer, aposentado da Siemens alemã e morador de Mury, para assessorá-lo na parte técnica e expandir este serviço. Houve resistência, pois Weidauer era alemão e a população friburguense vivia uma fase de animosidade em relação aos germanos em razão da Segunda Guerra Mundial. O momento era de tensão, tendo sido a Fábrica de Filó de Carl Ernst Otto Siems invadida por populares, o nome de Julius Arp retirado da Praça Payssandu e muitos outros incidentes. Mas César Guinle venceu essas resistências, já que Weidauer era indispensável como assessor técnico para a melhoria da telefonia.

Nova Friburgo, com o sistema de comunicação aprimorado, pôde desenvolver relações comerciais com outros municípios, estados e mesmo países. O prédio onde estava instalada a Uerj é um dos mais importantes patrimônios históricos de Nova Friburgo e atualmente se encontra deteriorado e sem destino. Inúmeros prefeitos e vereadores não conseguiram até hoje dar uma solução para aquele gigante adormecido que abrigou um dos mais importantes estabelecimentos de ensino do país. César Guinle também passou pela mesma situação.

Construído por particulares para ser um cassino, o Cassino Cascata, com a proibição do jogo de azar, este prédio em estilo normando se transformou em um elefante branco. Guinle, juntamente com auxiliares e educadores, a exemplo de Jamil El-Jaick, criou a Empresa Educacional Fluminense e negocia com a Fundação Getúlio Vargas para que entrassem com aporte de capital para a aquisição do Cassino Cascata e estabelecessem um colégio.

Guinle conseguiu até mesmo sensibilizar a população friburguense que, através de subscrição, contribuiu com recursos financeiros para a compra do prédio. Obtendo êxito na negociação, o Colégio Nova Friburgo seguiu os padrões do britânico Summerhill, colocando o município na vanguarda da educação. Como deputado estadual, Guinle tentou colocar Nova Friburgo como capital do estado fluminense no momento em que havia um movimento de interiorização do governo estadual. Mas não obteve votos suficientes. Como nos dias de hoje, o orçamento da prefeitura no passado era igualmente minguado, mas César Guinle, através de articulação com os empresários e o governo federal, conseguiu realizar os seus projetos e desenvolver o município.

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Jardins, pomares e quintais

quinta-feira, 05 de novembro de 2020

De acordo com o dicionário de Aurélio Buarque de Holanda quintal é uma pequena quinta, pequeno terreno muitas vezes com jardim ou com horta, atrás da casa. Já a quinta é uma grande propriedade rústica, com casa de habitação. É provável que a palavra quintal desapareça de nossa memória coletiva daqui há algumas décadas. Não existe mais a concepção de quintal nos projetos atuais de arquitetura.

De acordo com o dicionário de Aurélio Buarque de Holanda quintal é uma pequena quinta, pequeno terreno muitas vezes com jardim ou com horta, atrás da casa. Já a quinta é uma grande propriedade rústica, com casa de habitação. É provável que a palavra quintal desapareça de nossa memória coletiva daqui há algumas décadas. Não existe mais a concepção de quintal nos projetos atuais de arquitetura. Atualmente quando se projeta o jardim nas residências no máximo se planta uma jabuticabeira, não sei por quê mas é a única árvore nativa eleita pelos paisagistas numa referência aos outrora pomares.

Na história da urbanização de Nova Friburgo o melhor exemplo de uma quinta é a da Vila Amélia, do imigrante português Antônio Alves Pinto Martins. Nascido no Minho em 1862, casou-se com Carolina Gomes da Rocha e no ano de 1914 mudou-se com a família para Nova Friburgo. Instalou a sua quinta às margens do Córrego do Relógio e deu o nome de Vila Amélia em homenagem a única menina entre os seus oito filhos. Construiu na Vila Amélia um palacete inaugurado no dia 18 de maio de 1916.

Na propriedade havia um pomar com pereiras, macieiras, goiabeiras, canforeiras, jabuticabeiras, laranjeiras, caquis, tojos, bananeiras, pita e nêsperas. Na várzea Pinto Martins plantou hortaliças, legumes, aspargos e produziu igualmente na quinta queijo, manteiga, mel, linguiças de porco defumadas e vinho. Flores como rosas, margaridas, azaléas, orquídeas, palmeirinhas, boca de leão e principalmente cravos eram cultivadas para comercialização.

Duas residências eram consideradas verdadeiras pérolas no centro da cidade, a casa de madame Santana e a de Dona Vitalina. A primeira, hoje um estacionamento em frente à prefeitura, tinha um belíssimo jardim de camélias e um pomar com variadas frutas. A segunda com um suntuoso pomar deu lugar ao shopping center da praça. Os quintais das residências no centro da cidade se estendiam até a avenida que margeava o Rio Bengalas. Logo, os proprietários podiam se dar ao luxo de possuírem extensos pomares.

Até aproximadamente o final do século 19 era muito comum haver nas residências da elite um pombal. Nas casas dos distritos rurais de Nova Friburgo ainda se pode encontrar os tradicionais quintais como o que vi na residência de Míriam Schuenck no distrito de Amparo. Possui um pomar com muitas fruteiras, horta com verduras e plantas medicinais, galinheiro, uma canaleta por onde passa a água captada da nascente do morro e um forno de barro. Havia também um arbusto de café, muito comum nos quintais de quase todas as residências rurais de Nova Friburgo. Lembrando que o pé de café foi inicialmente considerado como uma planta ornamental antes de se tornar no mais importante produto de exportação no Brasil Império.

No passado era também comum nos quintais haver um estoque de lenha para o fogão entre muitas outras tralhas. No quintal de Dona Zali em São Pedro da Serra encontrei salsinha, couve, azedinha, tomate dos índios ou tomate da Índia, uvaia, funcho, alecrim, arruda, saião, hortelã, marcela branca, erva-doce, malva, erva-macaé, pé de fumo, arbusto de café e, claro, um galinheiro. Era comum a criação nos quintais do porquinho macau ou pirapitinga. No caso do distrito de São Pedro e Lumiar se tornou proibitivo em razão da reclamação da vizinhança. Já no distrito rural do Campo de Coelho localizei residências com criação do porquinho caipira como no quintal de Almir Tardin.

O marmelo era outrora muito plantado em Nova Friburgo. Na venda de uma chácara nesse município anunciada no Jornal do Brasil em 1916, destaca-se que a propriedade de três alqueires além de diversas árvores frutíferas possuía um pomar com 400 marmeleiros. Na chácara do Chalet (atual Country Club) foram plantadas pelo proprietário anterior Eduardo Guinle sapucaias, jambeiros, coqueiros, pereiras d’água, pera ferro, marmelo, cerejeira, macieira, caquizeiros, pessegueiros, laranjeiras, ameixeira, goiabeiras, jabuticabeiras, framboeiseiros e bananeiras. Neste pomar a jabuticabeira e a sapucaia são as únicas árvores nativas.

Sapucaia cujo fruto é belíssimo vem do tupi e significa “fruto que faz saltar o olho”. Os frutos possuem cascas lenhosas e as sementes se assemelham às castanhas. Era muito apreciada pelos indígenas que ofereciam cocos de sapucaias, andayá, palmitos e “bichos de tacuára” aos colonizadores portugueses como sinal de amizade.

Com a introdução no Brasil pelos portugueses do marmelo, figo, pêssego, banana, manga, melão, pera e laranja, para ficar em apenas alguns exemplos, inúmeras frutas nativas deixaram de ser comercializadas e hoje são completamente desconhecidas da população. São exemplos de frutas nativas além da jabuticaba e da sapucaia, mocuguê, pitomba, araçá, ibacurupari, ibanemixama, imbu, araticum, guri, caía, iapina, audá, ingá, juá, maçaramduba, murici, ibaraé etc. Ter quintais como outrora é algo impensável nos dias de hoje. Mas além da jabuticabeira, oxalá que outras árvores frutíferas nativas caiam no gosto dos paisagistas. 

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    No quintal de Miriam Schuenck uma canaleta capta água do morro

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    Localizei no quintal de Almir Tardin criação do porquinho caipira

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    Um quintal em São Pedro da Serra da família Ouverney

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