Blog de janainabotelho_18837

Um caso que abalou Nova Friburgo: Alberto Braune (Parte 1)

quinta-feira, 03 de junho de 2021

O ano era 1905. Felicidade Emmerick vivia em companhia da tia Maria José Trannin desde os 10 anos de idade, a quem tratava com o desvelo e o carinho que mereceria uma filha. Educava-a nos rígidos princípios da virtude e do bem. Quando sucedia da menina adoecer costumava procurar o farmacêutico Alberto Henrique Braune. Felicidade começou a sofrer de “órgão delicado”, problema normal nas mocinhas que começam a menstruar.

O ano era 1905. Felicidade Emmerick vivia em companhia da tia Maria José Trannin desde os 10 anos de idade, a quem tratava com o desvelo e o carinho que mereceria uma filha. Educava-a nos rígidos princípios da virtude e do bem. Quando sucedia da menina adoecer costumava procurar o farmacêutico Alberto Henrique Braune. Felicidade começou a sofrer de “órgão delicado”, problema normal nas mocinhas que começam a menstruar.

Como o tratamento exigido pela enfermidade era demorado, Felicidade ia diversas vezes ao consultório do farmacêutico acompanhada sempre de sua tia. Com o tempo, em razão do conhecimento e confiança no farmacêutico, d. Maria José permitiu que Felicidade fosse desacompanhada às consultas. A mocinha em dado momento começou a sentir dores intermitentes. Alberto Braune insistia que ela tomasse “Apiol” para as dores e estranhamente Felicidade se recusava tomar o medicamento.

A seguir o farmacêutico prescreveu uns “pós em papeizinhos” para aliviar as suas dores. Tudo parece indicar pela sequência dos fatos que Braune havia pactuado com Felicidade dar-lhe drogas abortivas quando soube da gravidez, mas ela teve medo de ingeri-las. Passado um tempo, a tia percebeu que Felicidade começava a “ganhar corpo”. Como o volume no ventre tomasse proporções suspeitas, d. Maria José pensou em levá-la a um médico, o dr. Galdino do Valle. Felicidade recusou-se a ir e admitiu a gravidez. Desatando em prantos, confessou que a causa de sua “perdição” foi Alberto Braune.

No dia seguinte, Maria José Trannin procurou o farmacêutico na Farmácia Braune a quem lançou no rosto a ignomínia do seu procedimento. Ele a levou para uma sala para que as pessoas não ouvissem as suas acusações. Negou tudo dizendo que se ele fosse o autor da desonra da moça teria receitado um remédio abortivo. Como era também delegado de polícia, d. Maria José deu queixa ao chefe de polícia do Estado. (O Paiz, seção Desonra,12 de agosto de 1905).

A notícia correu solta na cidade. No entanto, os principais jornais locais da época, como O Friburguense e O Nova Friburgo não deram uma nota sequer. Mas quem era Alberto Henrique Braune? Nascido em Nova Friburgo em 17 de dezembro de 1864, de família tradicional, se formou farmacêutico em 1886. Casado e pai de imensa prole possuía um consultório junto à Pharmacia Braune na Rua General Argolo onde também residia com a família em um belíssimo palacete.

Com a sua morte a Rua General Argolo passaria a ser denominada de Alberto Braune. Seus desafetos o acusavam de curandeiro e de contravenção a lei pelo exercício ilegal da medicina. Major da Guarda Nacional fazia parte do Partido Republicano Fluminense sendo aliado de políticos tradicionais como Galdino Antônio, pai de Galdino do Valle Filho, Ernesto Brasílio, Júlio Zamith, Farinha Filho, Nelson Kemp e do mandão de aldeia, Carlos Maria Marchon.

Enquanto a tia de Felicidade alardeava o ocorrido e sofria com a sobrinha desonrada e caída na desgraça, situação de uma moça desvirginada e mãe solteira, os adversários políticos de Alberto Braune tiraram proveito da situação. Para o seu azar o promotor público do caso, Plácido Modesto Martins de Mello, era um destes desafetos. Na ocasião, tanto as funções de delegado de polícia como a de promotor público eram nomeações do presidente do Estado, e não concursados como hoje.

Alberto Braune reagiu rigorosamente às provocações e com grupos armados fazia ameaças aos seus detratores. Percorriam as ruas do centro da cidade intimidando e espancando os oposicionistas. O Coronel Zamith, sub-delegado, comandava as operações. A Farmácia Braune se transformou em delegacia de polícia. O sargento do destacamento policial, à paisana e descalço, armado de cacete e revólver, praticava agressões e arbitrariedades. (Correio da Manhã, seção Friburgo, 18 de agosto de 1905.) O jornal O Correio Popular, folha do partido chefiado por Modesto de Mello, deputado estadual, foi impedido de circular sob pena de ser empastelado.

Há referência de que o grupo do promotor Plácido Modesto se postava em frente a farmácia Braune em atitude provocadora e também ameaçou empastelar o jornal O Nova Friburgo. A situação era de muita tensão. Um jornalista clamou por civilidade na política fluminense. Além da violência nas ruas entre os capangas de ambos os lados, na arena do jornalismo uma batalha de retórica se operou entre os jornais do Rio de Janeiro.

Um dos adversários de Alberto Braune, Bricio Filho, era o correspondente do jornal Correio da Manhã e residia em Nova Friburgo. Aos jornais cariocas coube o início da divulgação da defloração e desonra de Felicidade Emmerick. O primeiro a dar publicidade deste fato foi A Tribuna exigindo em nome da honra ofendida a intervenção das autoridades competentes.

Já o então decano O Friburguense somente produzia artigos elogiosos a Alberto Braune, enaltecendo-o. Por ocasião de seu aniversário natalício foi estampado o seu retrato com minuciosa biografia traçada com carinho e dedicação. Entretanto, em um editorial sob o título “Desonra”, assim se exprimiu: “São tão gravíssimos e deprimentes da honra e do bom nome de um homem de bem os fatos narrados por alguns jornais da capital federal contra o sr. Alberto Henrique Braune, delegado de polícia desta cidade, fatos referidos também pelo público friburguense, que sua senhoria não pode deixar de apresentar uma defesa satisfatória e completa que o lave da mancha do crime que lhe atribuído”. (Correio da Manhã, seção Livre, 16 de agosto de 1905). 

Na edição da próxima quinta-feira, 10, publicarei nesta coluna a defesa de Alberto Braune enviada ao Jornal do Commercio dando a sua versão dos fatos. Procurou defender-se das acusações atribuindo o fato a uma manobra política de seus adversários e buscou ainda desqualificar tanto a vítima Felicidade Emmerick, quanto a sua tia Maria José Trannin.

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    Alberto Braune, esposa e numerosa prole

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    Farmácia Braune na outrora Gal. Argolo e hoje Alberto Braune

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    O palacete Braune na rua principal com dois pavimentos

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A Praça Getúlio Vargas corre perigo

quinta-feira, 27 de maio de 2021

Muitas pessoas pediram a minha opinião sobre o projeto de revitalização da Praça Getúlio Vargas. Sou contra alguns aspectos do projeto e notadamente o de escavações arqueológicas. A revitalização dos eucaliptos e dos canteiros de flores, a reforma dos bancos são evidentemente intervenções muito bem vindas. No entanto, cortar a praça em dois pontos para dar passagem aos automóveis, bem como a instalação de quiosques de alimentos é uma sabotagem ao mais importante espaço de sociabilidade dos friburguenses e uma traição à nossa história.

Muitas pessoas pediram a minha opinião sobre o projeto de revitalização da Praça Getúlio Vargas. Sou contra alguns aspectos do projeto e notadamente o de escavações arqueológicas. A revitalização dos eucaliptos e dos canteiros de flores, a reforma dos bancos são evidentemente intervenções muito bem vindas. No entanto, cortar a praça em dois pontos para dar passagem aos automóveis, bem como a instalação de quiosques de alimentos é uma sabotagem ao mais importante espaço de sociabilidade dos friburguenses e uma traição à nossa história.

O paisagismo da praça foi inaugurado na década de 1880 com o projeto do francês Auguste François Marie Glaziou, diretor geral das Matas e Jardins na cidade do Rio de Janeiro. Este logradouro público já passou por variadas denominações como Praça de Cima, Praça do Príncipe Real Dom Pedro de Alcântara, Praça Del-Rei D. João VI, Praça São João Batista, Praça Princesa Isabel e Praça 15 de Novembro.  Sua configuração se dividia em três partes formando uma alameda central e duas laterais ladeadas por eucaliptos.

Mesmo tendo a assinatura do paisagista que servia ao Imperador D. Pedro II, no último quartel do século 19 a Praça do Suspiro era muito  mais importante do que a Getúlio Vargas, ponto de encontro preferido dos friburguenses e onde os veranistas deixavam, através da fotografia, o registro de sua passagem por Nova Friburgo. Tudo leva a crer que a Praça Getúlio Vargas tinha na realidade uma função utilitária e higiênica.

Desconhecendo-se que o vetor da doença era o mosquito, acreditava-se no passado que doenças como a febre amarela vinham do ar, dos miasmas, definidos como emanações venenosas que vinham dos pântanos e da matéria orgânica putrefada, para ficar em apenas dois exemplos. A entrada destes miasmas pelo corpo humano ocorria pela via respiratória. Por isto optou-se pelo plantio dos eucaliptos que serviam tanto para a drenagem do solo, evitando a formação de pântanos, quanto para a purificação do ar. Os eucaliptos garantiam uma atmosfera salubre ao ambiente.

Desejamos que sejam mantidos não apenas por fazerem parte de nossa história mas igualmente por continuar mantendo a salubridade do centro da cidade nestes tempos de pandemia. Em razão de suas frondosas copas se fecharem de um lado a outro como o domo de uma catedral, a população passou a chamar a praça de Catedral dos Eucaliptos, nos remetendo ao estilo gótico das igrejas. Esta praça foi tombada pelo Iphan, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1972 pelo seu conjunto arquitetônico e paisagístico.

Na justificativa do tombamento destaca-se sua arborização com renques de centenários eucaliptos da espécie robusta plantados por Glaziou com dupla finalidade, a de conferir ao logradouro feição paisagística e a de sanear uma área alagadiça existente. Em setembro de 2010, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou um inquérito para fiscalizar junto a Prefeitura de Nova Friburgo e o Iphan ações de conservação da Praça Getúlio Vargas. Houve um acordo para que se procedesse o resgatasse de suas características arquitetônicas e paisagísticas.

O Iphan contratou a empresa Tecnische, por meio de licitação, para realizar um projeto de revitalização da praça. Dando início a execução do projeto da Tecnische no início do ano de 2015, o então prefeito Rogério Cabral determinou o corte raso de diversos eucaliptos, aleatoriamente, inclusive de árvores sadias. Este deplorável episódio deu origem ao grupo S.O.S. Praça Getúlio Vargas, que passou a acompanhar o processo de revitalização. Em razão das intervenções indevidas, o Ministério Público exigiu da prefeitura um conjunto de providências que consubstanciou a Termo de Ajuste de Conduta (TAC).

Entre várias medidas estavam a de assegurar o manejo adequado das árvores e captação de recursos para execução do projeto de requalificação da praça. Um ponto que está criando tensão é a possibilidade do MPF autorizar a prospecção arqueológica do tanque de Glaziou, pleiteado pela Fundação D. João VI. O outrora presidente do Iphan, Carlos Fernando Delphim, declarou ser absolutamente desnecessário essa prospecção.

O grupo S.O.S. Praça Getúlio Vargas se coloca igualmente contra em razão do transtorno que causará aos usuários do logradouro. Esta prospecção extremamente onerosa apenas para investigar um tanque poderá durar muitos anos e calculo que se estenderá por mais de cinco anos. Que importância trará esta escavação neste momento à nossa história? Nenhuma na minha opinião, principalmente em um momento de parcos recursos públicos.

Sugiro a população que acompanhe e fique atenta pois estamos na iminência de perder uma significativa área da praça para dar lugar ao trânsito de automóveis. Já a instalação de quiosques de alimentos é dispensável já que o comércio no entorno atende perfeitamente à população. Finalizo esta coluna com um relato do imigrante italiano Antônio Lobianco quando me concedeu uma entrevista.

Segundo ele, costumava nas noites enluaradas de Friburgo se sentar no banco da praça e conversar durante horas a fio com o prefeito Dante Laginestra. Um dia o prefeito mandou desligar a iluminação da praça e seu entorno para que a luz da lua penetrasse pelos eucaliptos iluminando a praça. Assim como este depoimento poderia citar inúmeros outros evocando o romantismo deste espaço ameaçado por um projeto que macula o campo santo da catedral dos eucaliptos.

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    A Praça será cortada para dar passagem aos automóveis (Acervo IBGE)

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    Os eucaliptos garantiam a salubridade da Praça Getúlio Vargas (Acervo IBGE)

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    Reforma do chafariz, década de 1940 (Acervo FGV)

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Imagens de ex-escravos em Nova Friburgo?

quinta-feira, 20 de maio de 2021

Quando eu fazia a seleção de fotografias para um artigo que escrevi sobre a história de uma instituição de caridade para o meu blog, um detalhe me chamou a atenção em relação às imagens. Refiro-me a Casa São Vicente de Paulo que a população de Nova Friburgo se habitou a chamar de Casa dos Pobres. Esta instituição de caridade iniciou suas atividades em 1933 com as irmãs trapistas, para o acolhimento de idosos carentes e desprovidos de assistência. Somente na década de 1950, a instituição passou a receber também pessoas com necessidades especiais.

Quando eu fazia a seleção de fotografias para um artigo que escrevi sobre a história de uma instituição de caridade para o meu blog, um detalhe me chamou a atenção em relação às imagens. Refiro-me a Casa São Vicente de Paulo que a população de Nova Friburgo se habitou a chamar de Casa dos Pobres. Esta instituição de caridade iniciou suas atividades em 1933 com as irmãs trapistas, para o acolhimento de idosos carentes e desprovidos de assistência. Somente na década de 1950, a instituição passou a receber também pessoas com necessidades especiais.

Observando algumas legendas das fotos constatei em uma série que muitas delas foram tiradas na década de 1930. Tratava-se do registro dos primeiros anos de funcionamento do asilo. Nas imagens haviam muitos idosos negros que tinham uma faixa etária entre 80 e 90 anos ou mais naquela década. Imaginei que poderiam ter sido ex-escravos.

Vamos analisar um único caso que pode comprovar a minha tese. Em 1935, por exemplo, dois anos depois que o asilo foi aberto, se um destes idosos acolhidos tinha 80 anos, isto significa que ele nasceu em 1855, em plena escravidão. Logo, tudo indica que seriam possivelmente ex-escravos e basta verificar a documentação dos primeiros anos em que o asilo passou a acolher estes idosos para se certificar se eram ou não egressos da escravidão.

O primeiro levantamento censitário de abrangência nacional foi realizado em 1872 e nos permite localizar as áreas de concentração de escravos. Na Freguesia de São João Batista, sede da vila, havia 897 escravos em relação à população livre de 5.406 indivíduos. Na Freguesia de São José do Ribeirão era onde havia o maior plantel de escravos com 3.072 cativos para uma população de 4.890 indivíduos livres. Já na Freguesia Nossa Senhora da Conceição Paquequer havia 2.167 escravos e uma população livre de 1.898 habitantes. Em Nossa Senhora da Conceição do Ribeirão da Sebastiana havia 548 escravos para uma população de 1.828 indivíduos livres.

Os governos geral e provincial, e tampouco os abolicionistas, não se preocuparam com a inserção social e econômica dos ex-escravos com o fim da escravidão. As famílias escravas eram muito raras nas fazendas produtoras de café, não sendo estimuladas pelos proprietários rurais ainda mais depois que passou a ser proibida a venda em separado da família. Por isto, os libertos que optaram em abandonar as fazendas de café após a abolição da escravidão se viram sozinhos e sem destino.

Faltam, portanto, pesquisas para saber como ocorreu a inserção dos libertos junto a sociedade. De acordo o historiador, Boris Fausto, em “História Concisa do Brasil” nas regiões de forte imigração, como foi o caso de Nova Friburgo, o negro era considerado um inferior, útil quando subserviente ou perigoso por natureza ao ser visto como vadio e propenso ao crime.

No Jornal O Friburguense há um artigo sobre as vítimas do grupo “13 de maio”. Tudo leva a crer ter ocorrido algum conflito entre os egressos da escravidão e indivíduos do município resultando na morte de alguns deles. Seguem trechos dos artigos relativos a este episódio: “Não pensem as autoridades que fazemos referência ao 13 de maio, não; entre eles também há gente boa como há ruim nos que libertaram-se antes dessa gloriosa data e entre os que nasceram livres. Devemos banir do nosso espírito e de uma vez para sempre certos preconceitos que só servem para alimentar rivalidades e paixões que nenhum benefício nos trazem. Não há distinções perante a lei, somos todos iguais. Porque um indivíduo tem a pele preta ou escura não tem menos garantia que outro que a tem mais alva; o que vale, o que recomenda-o é o seu procedimento, as suas aptidões, a sua inteligência, a sua aplicação ao trabalho e o respeito que ele guarda as leis e aos seus representantes, esforçando-se por honrar a sociedade em que vive e ao país que nasceu. (O Friburguense, 24/05/1891 e O Friburguense, editorial “A Vadiagem”, 25/10/1891).

O articulista sugere serem os egressos da escravidão intelectualmente incapazes e de fácil manipulação por indivíduos mal intencionados. “Não será difícil caírem na carreira do crime pensando-se que essas infelizes criaturas não terem o precioso conhecimento para conhecerem e diferençar o bem do mal, educadas nas ruas, podem ser vítimas de maus conselhos e perversas seduções...” (O Friburguense, 01/09/1894).

Como disse antes, o que ocorreu com os egressos da escravidão nada sabemos, mas os seus rostos possivelmente ficaram registrados pelas irmãs francesas trapistas da Casa São Vicente de Paulo.

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    Idosos acolhidos na década de 1930

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    As irmãs trapistas teriam acolhido ex-escravos

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    Não houve preocupação com os egressos da escravidão

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Dos barões do café aos reis do gado

quinta-feira, 13 de maio de 2021

A partir o terceiro quartel do século 19, os produtores rurais da Região Serrana fluminense foram substituindo progressivamente o café pelo gado em seus tratos de terra. Igualmente começaram a se preocupar com a seleção das raças, na escolha de matrizes, na formação de pastagens com gramíneas nutritivas, com o registro de linhagens objetivando o aprimoramento genético e com a vacinação periódica. As raças existentes no Brasil como a caracu, a mocha, a curraleira e a crioula eram basicamente as mesmas que os portugueses haviam trazido para o Brasil-Colônia.

A partir o terceiro quartel do século 19, os produtores rurais da Região Serrana fluminense foram substituindo progressivamente o café pelo gado em seus tratos de terra. Igualmente começaram a se preocupar com a seleção das raças, na escolha de matrizes, na formação de pastagens com gramíneas nutritivas, com o registro de linhagens objetivando o aprimoramento genético e com a vacinação periódica. As raças existentes no Brasil como a caracu, a mocha, a curraleira e a crioula eram basicamente as mesmas que os portugueses haviam trazido para o Brasil-Colônia.

Foi somente com a introdução do Zebu, raça bovina originária da Índia nas variedades Guzerá e Nelore, que o rebanho nacional se transformou ganhando qualidade. O Zebu era um gado extremamente fecundo e precoce em seu desenvolvimento, de grande rusticidade, prosperava em qualquer pastagem, resistia facilmente as epizootias e era quase refratário a tuberculose, o que não acontecia com o gado europeu. Produzia um leite muito gordo. Enquanto se empregavam 22 litros de leite de vacas europeias na fabricação de um quilo de manteiga, bastavam para idêntica produção 17 litros de vacas zebuínas.

Em 1870, Elias Antônio de Moraes, o segundo Barão das Duas Barras tomou a iniciativa de importar reprodutores zebus. Os primeiros lotes foram exemplares da raça Guzerá criados na Fazenda Ribeirão Dourado, em Macuco, que logo se expandiu para outras propriedades da região. O mesmo ocorreu com Manoel Ubelhard Lemgruber em 1878, que comprou raças Ongole, da Índia. Foi na Fazenda Santo Antônio de Sapucaia, no Carmo, que ele desenvolveu a criação iniciando uma prole que tornou-se conhecida como Nelore Lemgruber.

Júlio César Lutterbach, na Fazenda da Glória, e Sebastião Monnerat Luterbach, na Fazenda Santana, seguiram o exemplo de Manoel Lemgruber, se dedicando a criação do Zebu. O Nelore se difundiu muito no Triângulo Mineiro, Goiás e Mato Grosso. Já o Guzerá teve a preferência dos cantagalenses e a baronesa de São Clemente desenvolveu na Fazenda Areias uma raça quase pura. No entanto, quem mais se destacou na criação do Guzerá foi João de Abreu Junior.

Na Fazenda Itaoca, em Boa Sorte, Cantagalo, João de Abreu Junior possuía um numeroso plantel deste gado e ganhava o primeiro lugar nas competições agropecuárias que participava. Seu touro de nome Pavilhão com 1.050 quilos, recorde que levou mais de 50 anos para ser batido, tinha um retrato no cinema de Cantagalo, orgulho da pecuária local. O gado de João de Abreu projetou novamente o município por todo o país como fizera o café durante o Império.

Planejando as efemérides do centenário da Independência, os pecuaristas decidiram realizar, em Cordeiro, então terceiro distrito de Cantagalo, uma exposição de gado e produtos derivados para que servisse de preparação para a exposição no Rio de Janeiro, comemorativa da independência. Foi destinada uma área de 55.700 metros quadrados para o evento composta por seis pavilhões em forma de chalé para abrigar os animais a serem expostos, um coreto para a banda de música, pista para o desfile dos animais, entre outras benfeitorias.

No dia 4 de maio de 1921, pelo menos 61 expositores de vários municípios fluminenses participaram da primeira Exposição Agropecuária e Industrial de Cordeiro com 508 animais de diferentes espécies, dos quais 401 de grande porte com 370 bovinos e 33 equinos. Na relação dos bovinos não figurava ainda a raça Gir que ocuparia lugar de relevo no gado da região no futuro. Predominava na exposição as raças indianas Guzerá e Nelore em sua maioria pertencentes aos pecuaristas João de Abreu Junior e aos coronéis Júlio César e Sebastião Luterbach.

Este evento foi prestigiado pelo então presidente da República, Epitácio da Silva Pessoa, e pelo presidente do Estado, Raul Veiga. A segunda edição da exposição ocorreu em 1924, cujo resultado foi a criação de um posto de monta, um grande benefício na época. Vinte e um anos depois, em 1943, foi realizada nova exposição contando com a presença do então presidente Getúlio Vargas e do interventor do Estado, Ernâni do Amaral Peixoto. Na realidade, a mídia considerou este evento como a segunda exposição. Participaram os municípios de Cantagalo, Itaocara, Nova Friburgo, Carmo, Sumidouro, São Sebastião do Alto, Santa Maria Madalena, Trajano de Morais, Bom Jardim e Duas Barras.

Quem tomou parte desta exposição foram as famílias Spinelli e Raul Sertã. O plantel da Granja Spinelli era formado pelo gado Guernsey. Já o friburguense José Pires Barroso ganhou o primeiro lugar em apicultura e vários outros friburguenses foram premiados tanto nesta modalidade como na de sericicultura. Porém, com a emancipação do distrito de Cordeiro, em 1943, que ganhou o predicado de município, a exposição ficou sob a sua administração, o que não deve ter agradado em nada os cantagalenses.

Nas últimas décadas, no entanto, a Exposição Agropecuária e Industrial de Cordeiro se tornou muito mais um evento com bailes e atrações musicais do que um espaço de negócios para os pecuaristas.

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    Os Spinelli expuseram o gado Guernsey

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    A primeira exposição de Cordeiro

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    Getúlio Vargas na exposição de Cordeiro

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Nova Friburgo, a Suíça Brasileira

quinta-feira, 06 de maio de 2021

Na coluna de hoje faço uso de uma narrativa escrita por Adolpho Hartmann, aluno de engenharia da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e publicada no periódico Brazil Illustado no ano de 1887. Fiz uma adaptação do texto sem prejudicar a sua estrutura em razão de sua extensão e foquei no assunto que nos interessa nesta ocasião. O texto escrito por Hartmann é apenas um exemplo, entre muitos outros que tenho pesquisado, para analisar o tipo de representação, ou seja, a imagem que os cariocas tinham sobre Nova Friburgo no século 19.

Na coluna de hoje faço uso de uma narrativa escrita por Adolpho Hartmann, aluno de engenharia da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e publicada no periódico Brazil Illustado no ano de 1887. Fiz uma adaptação do texto sem prejudicar a sua estrutura em razão de sua extensão e foquei no assunto que nos interessa nesta ocasião. O texto escrito por Hartmann é apenas um exemplo, entre muitos outros que tenho pesquisado, para analisar o tipo de representação, ou seja, a imagem que os cariocas tinham sobre Nova Friburgo no século 19.

A Suíça tem uma história de tradição no turismo da saúde em razão de seu clima favorecer a cura de diversos tipos de enfermidades. Como no século 19 o clima salubre de Nova Friburgo era muito procurado pelos tuberculosos para se tratarem, tudo indica que foi feita uma associação do município serrano com a Suíça por serem ambas estâncias de cura. Consequentemente a mídia apresentava Nova Friburgo como a Suíça brasileira.

A narrativa de Hartmann corrobora com a minha tese pois ele se refere ao clima deste município como recomendado aos doentes, onde se respira ar puro e saudável e onde os pulmões ficam arejados por um oxigênio tonificante. Vamos ao texto. “Éramos um grupo alegre de estudantes da Escola Politécnica em férias. Íamos em exercícios práticos percorrer a estrada de Ferro Cantagalo e buscar um abrigo contra a temperatura candente do alto forno da corte.

Às cinco horas de uma manhã de janeiro tomamos a barca que singrava nas águas tranquilas da Guanabara. Ao longe já se avistava os contornos da Serra dos Órgãos. Saltamos em Sant´Anna de Maruí e seguimos de trem. A princípio a vegetação raquítica e enfezada arrastava-se por uma zona estéril e alagadiça. A planície era coberta de pantanais medonhos. Avistavam-se decadentes povoados e velhas fazendolas na solidão daquelas paragens desertas.

Chegamos a Cachoeiras de Macacu na raiz da serra. O trem seguia o vale do rio Macacu até o alto da serra. Enquanto o monstro de aço contorcia-se soltando gemidos estridentes ao cavalgar, contemplávamos absortos e pensativos a paisagem esplêndida, feérica, cintilante e grandiosa onde avulta a floresta densa das árvores gigantescas. Ouvíamos o sussurro longo e monótono das cataratas, cujos ecos casavam-se ao ruído áspero da locomotiva num dueto estranho.

O trem descia através do vale do rio Santo Antônio até Nova Friburgo. Desde a sua fundação a atraente ex-colônia suíça, que no futuro será a nossa mais célebre cidade de banhos [referência às duchas do Instituto Sanitário] era recomendada sempre por seu clima temperado e pelas suas águas cristalinas. Junte-se a tão propícias condições higiênicas um estabelecimento hidroterápico de primeira ordem, razão porque no caso de certas moléstias os enfermos e convalescentes preferiam ir respirar temporariamente os ares puros e saudáveis de Friburgo.

Da inspeção minuciosa às notas tomadas pelo sr. Carlos Engert, de julho de 1882 a dezembro de 1886, deduzimos uma média climatológica favorável à salubridade desse canto de província privilegiado. Sob o ponto de vista arquitetônico a vila era singela. Existia também uma praça ajardinada e uma outra famosa junto à encosta de um morro; é a pitoresca Fonte dos Suspiros, apelido romanesco, o rendez-vous vespertino em que se reunia a high-life friburguense.

Em nossa estada adventícia em Friburgo, que noites deliciosas. O nosso ponto de encontro era o Hotel Leuenroth. O amplo salão de visitas do hotel transformado para as soirées dadas em nossa honra tinha um aspecto deslumbrante. Havia uma concorrência limitada e seleta de moças que davam àquelas reuniões familiares o tom íntimo de um idílio feérico. Ao som do piano os pares voavam arrastados vertiginosamente pela cadência da música.

As curvas moles dos seios virginais arfavam ao cansaço das danças enquanto lá fora a brisa ventarolava as ramas dos arbustos. Ilusões da mocidade! Tais são as reminiscências confusas e fugazes das noites passadas em Friburgo! Ah se todos os moradores da corte se quisessem compenetrar na utilidade de ir atravessar a fase mais quente do verão em Nova Friburgo. Sim leitores, ide passar o vosso tédio acolá, no alto daquelas montanhas azuladas. Verei como um grupo de gentlemen e senhoras da melhor sociedade esforçar-se-á por vos fazer esquecer um pouco da vossa vida pacatamente burguesa, com uma amabilidade e um espírito verdadeiramente adoráveis. Voltareis de lá alegres, com o coração talvez ferido por alguma louca saudade; mas com os pulmões arejados por um oxigênio tonificante e puro.”

Logo, entendo que a representação de Suíça brasileira não advém do fato de Nova Friburgo ter sido uma colônia de suíços, mas sim, pela associação com a Suíça por serem ambas estâncias de cura.

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    Friburgo na mídia como a Suíça brasileira

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    O clima de Friburgo associado a Suíça

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    Friburgo na mídia como a Suíça brasileira

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Medo e fuga da febre amarela

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Na virada do ano de 1849 para 1850, o Rio de Janeiro foi assolado por uma devastadora epidemia de febre amarela. As estimativas indicam que 15 mil cariocas morreram desta doença. Com variável intensidade, a febre amarela provocaria mortes no Brasil praticamente a cada verão pelos 60 anos seguintes. Os médicos recomendavam no verão, durante a canícula, as cidades serranas como lugares mais seguros. A família imperial, assessores e políticos elegeram Petrópolis como refúgio. Nova Friburgo era igualmente o destino dos cariocas que fugiam do flagelo da epidemia.

Na virada do ano de 1849 para 1850, o Rio de Janeiro foi assolado por uma devastadora epidemia de febre amarela. As estimativas indicam que 15 mil cariocas morreram desta doença. Com variável intensidade, a febre amarela provocaria mortes no Brasil praticamente a cada verão pelos 60 anos seguintes. Os médicos recomendavam no verão, durante a canícula, as cidades serranas como lugares mais seguros. A família imperial, assessores e políticos elegeram Petrópolis como refúgio. Nova Friburgo era igualmente o destino dos cariocas que fugiam do flagelo da epidemia.

Não se sabia a origem desta doença. Os cientistas se dividiam entre duas teorias. Um grupo acreditava que se tratava de uma doença contagiosa e transmitida diretamente de uma pessoa infectada para uma saudável. Por outro lado, haviam os defensores da teoria dos miasmas, ou seja, o que fazia as pessoas adoecerem eram a insalubridade e o ar “venenoso” por causa dos vapores emanados pelos pântanos, águas estagnadas, lixo e emanação de objetos pútridos.

Nesta coluna, vou tratar particularmente de uma epidemia que ocorreu bem próxima a Nova Friburgo e que realmente assustou a população. Foi a ocorrida no município de Cantagalo e que eclodiu em abril no ano de 1891. O mais patético foi que todos os vereadores da Intendência Municipal, como era denominada a Câmara Municipal na República, abandonaram o município. De acordo com o Jornal do Commercio, de 7 de abril de 1891, o povo abandonado pela Intendência reuniu-se e nomeou uma comissão de socorros públicos para acudir aos enfermos, enterrar os mortos, cuidar da desinfecção e de outros meios higiênicos.

O delegado era a única autoridade existente no município e auxiliava a comissão. Apenas três médicos acudiam a população e cuidavam da subscrição arrecadando dinheiro para auxiliar os indigentes. Abriu-se, então, um lazareto para os epidêmicos. A desolação era extrema. A população socorria-se mutuamente. O jornal A República, de Campos, publicou em 9 de abril de 1891 que a população aterrada abandonava o lugar. Possivelmente se referia às famílias abastadas que deixaram o município.

A Gazeta de Notícias de 28 de abril do mesmo ano confirma que os habitantes se retiravam para diversos pontos do Estado, abandonando as suas casas e haveres. Todos os estabelecimentos públicos, muitas casas de negócio, açougues e padarias fecharam as portas. Para socorrer os enfermos pobres foi criada uma comissão distribuindo carne, galinhas, ovos e medicamentos. O Conde de Nova Friburgo doou um conto de réis e a família Monnerat 800 réis. Os cadáveres sem as habituais exéquias eram transportados em carroças e sepultados em valas comuns por voluntários, policiais e detentos. Naquela época havia os negacionistas.

O governador do Estado do Rio declarou que à exceção do Rio de Janeiro, a febre amarela não se manifestava em nenhum município do estado. Segundo ele, tratava-se de casos de febre remitente biliosa ou perniciosa e a população aterrada a considerava como febre amarela. A origem deste flagelo em Cantagalo pode ser a conexão frequente pela linha férrea entre este município e Niterói no transporte do café.

Conforme notícia do jornal Democracia, de 8 de abril de 1891, a cidade de Niterói vivia em estado habitual de imundície de suas praias e ruas, o serviço de remoção de materiais fecais era precário e carecia de execução nos mais rudimentares preceitos de higiene pública. Com a epidemia tão próxima, construiu-se em Nova Friburgo um lazareto e sua conclusão ocorreu em 1893. Mas o município nunca teve um surto de febre amarela. O lazareto teria utilidade quando ocorrer a epidemia da gripe espanhola.

O jornal O Friburguense, na coluna “Alerta ainda!”, de 19 de abril de 1891, cobrava das autoridades que fosse criado um cordão sanitário impedindo que a população cantagalense imigrasse para Nova Friburgo como vinham fazendo. Se por um lado o jornal fazia a vigilância sobre os cantagalenses paradoxalmente nos editoriais recebia de forma calorosa os cariocas que igualmente fugiam da febre amarela no Rio Janeiro. A explicação está nos benefícios que estes últimos proporcionavam à rede hoteleira, no aluguel de residências, serviços e principalmente no comércio.

Cumpre destacar que permaneciam  seis meses em Friburgo entre novembro e maio, enquanto não cessasse a canícula, o intenso calor no Rio de Janeiro. Quem primeiro aventou a hipótese da febre amarela ser transmitia por um mosquito foram os médicos cubanos, cuja tese foi confirmada anos depois. A febre amarela foi extinta no Rio de Janeiro por Oswaldo Cruz e Carneiro de Mendonça em 1903. Seis anos depois o Rio de Janeiro ficou livre das epidemias intermitentes de febre amarela. A descoberta da vacina, em 1937, colocou esta doença sob controle.

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    Os vereadores abandonaram Cantagalo

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    Cariocas em Friburgo fugindo da febre amarela

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    O flagelo da epidemia

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O triste fim da chácara do Seu Martins

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Antônio Alves Pinto Martins, natural do Minho, em Portugal, estabeleceu domicílio em 1914 em Nova Friburgo com a esposa Carolina, os sete filhos e a enteada. O Seu Martins ou Seu Pinto, como era conhecido, mesmo aos 52 anos, considerada à época como uma idade bem avançada, migrou do comércio para a lavoura adquirindo uma chácara que ficou conhecida como Vila Amélia. Produzia e comercializava laticínios, verduras, legumes, frutas frescas e em conserva, mel e linguiças defumadas com a marca V.A., de Villa Amélia.

Antônio Alves Pinto Martins, natural do Minho, em Portugal, estabeleceu domicílio em 1914 em Nova Friburgo com a esposa Carolina, os sete filhos e a enteada. O Seu Martins ou Seu Pinto, como era conhecido, mesmo aos 52 anos, considerada à época como uma idade bem avançada, migrou do comércio para a lavoura adquirindo uma chácara que ficou conhecida como Vila Amélia. Produzia e comercializava laticínios, verduras, legumes, frutas frescas e em conserva, mel e linguiças defumadas com a marca V.A., de Villa Amélia.

Na chácara havia um extenso pomar com pereiras, macieiras, goiabeiras, canforeiras, jabuticabeiras, laranjeiras, caquis, tojos, bananeiras, pita, nêsperas, bem como cafezais. No brejo plantava hortaliças e legumes. Do Sobreiro, árvore que trouxe muda de Portugal tirava a cortiça para fazer as rolhas das garrafas do vinho que produzia na chácara. O Córrego do Relógio era circundado por videiras plantadas por Antônio Martins. Pode-se afirmar que a feira do bairro da Vila Amélia tem origem no quiosque que o Seu Martins possuía próximo a chácara para vender o que produzia.

Martins construiu na chácara para conforto da família um belíssimo palacete inaugurado no dia 18 de maio de 1916, benzido por Monsenhor José Alves de Miranda. Antônio Martins primava pela boa formação educacional dos seus filhos, estudando todos nos melhores colégios. Nenhum deles deu continuidade aos negócios do pai se dedicando ao amanho da terra. No álbum de família percebemos que a vida social dos Martins era intensa. Gostavam de receber no palacete. Adoravam fazer pic nic pela redondeza e festejar com parentes e amigos nascimentos, aniversários e casamentos.

Estes eventos eram registrados em fotografias. Antônio Alves Pinto Martins faleceu dia 25 de junho de 1924, com 62 anos. Já Carolina Martins faleceu em 2 de agosto de 1945, aos 82 anos. A partir da morte da matriarca percebemos que as fotos de uma família unida e coesa era coisa do passado. Aníbal, Antônio, Abílio, Alberto, Alfredo, Álvaro e Amélia residiam no Rio de Janeiro e nos parece não demonstrarem muito interesse pela chácara. Lucia Pontes, a meia irmã, residia em Manaus. Com o falecimento da mãe, Alfredo foi residir com a família na Vila Amélia para tomar ciência dos negócios da chácara e dar início ao inventário.

Desde o início os herdeiros manifestaram o desejo de vender a propriedade. As despesas superavam o faturamento. A chácara tinha uma área de aproximadamente 846.185 metros quadrados, mas só constava na escritura 667.749,20 metros quadrados. Além do palacete haviam cinco casas menores e benfeitorias como cocheiras, paiol e galinheiros. Inicialmente o imóvel seria vendido a Imobiliária Friburgo de propriedade do prefeito José Eugênio Müller. Porém, não fica esclarecido o motivo pelo qual o negócio não foi concretizado. Havia um projeto de aquisição pela Fundação da Casa Popular do Governo do Estado do Rio de Janeiro, e que por intermédio da prefeitura, seria construída uma vila operária. Ali bem próximo ficava Fábrica de Filó. Os herdeiros ao final do inventário entraram com uma ação de extinção do condomínio. Abílio propôs desfazer o condomínio e dividir a propriedade dando a cada um o seu quinhão. Mas havia muita desavença entre os irmãos. Alguns entendiam que a partilha iria desvalorizar o patrimônio. Como não houve acordo o imóvel foi a leilão em 29 de janeiro de 1951, sendo arrematado pela prefeitura por um valor aquém do esperado. Ficaram todos muito arrependidos.

Tudo indica que o espólio tinha uma dívida alta com a prefeitura que exerceu o seu direito de preferência no caso de venda. A Câmara Municipal deliberou autorizando a aquisição da chácara da Vila Amélia pela prefeitura. Amélia Martins de Almeida faleceu em fevereiro de 1950, um ano antes da venda da vila que levava o seu nome, Vila Amélia. Áurea Maria Almeida, bisneta de Amélia nos informa que em 1968, o prefeito Amâncio Mário de Azevedo doou o  palacete e o terreno da Rua Souza Cardoso em frente ao Mercado da Vila Amélia à entidade assistencial Afape (Associação Friburguense de Pais e Amigos do Educando).

Já em novembro de 1982, o prefeito Alencar Pires Barroso e a Afape fizeram uma permuta trocando este terreno por outro localizado na Rua Teresópolis, ao lado do Sesi, que estava cedido ao Governo do Estado. A Secretaria de Segurança Pública fez um contrato de locação do palacete com a Afape pelo prazo de 50 anos para abrigar a 151ª Delegacia de Polícia e a carceragem.

Por falta de recursos para a sua manutenção, o palacete foi se deteriorando enquanto servia como delegacia de polícia. No pátio da residência onde outrora haviam touceiras de hortênsias, um lago com peixes e um chafariz cercado por margaridas, azaléas, orquídeas, palmeirinhas, cravos, boca de leão e roseiras foram instaladas dez celas para carceragem. Transcorridas algumas décadas, o Instituto de Criminalística Carlos Éboli condenou as instalações da carceragem por serem insalubres e devolveu o imóvel à Afape extremamente danificado. Esta instituição não tem condições financeiras para restaurar o histórico palacete que se deteriora a olhos vistos das elites friburguenses.   

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    Antônio Pinto Martins, o Seu Martins

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    Pic nic da família Martins

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    Os Martins em um batizado

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Os navios negreiros do Barão de Nova Friburgo

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Na história de Nova Friburgo não podemos deixar de trazer sempre a memória do seu mais importante protagonista, Antônio Clemente Pinto, o Barão de Nova Friburgo. Nascido em Portugal em 6 de janeiro de 1795, no Vilarejo de Ovelha do Marão, veio para o Rio de Janeiro em 1807, com 12 anos, na companhia de seu tio João Clemente Pinto Filho. Antônio Clemente Pinto iniciou o garimpo no município de Cantagalo na década de 1820. Recebeu sesmarias, ou seja, terras do governo devendo em contrapartida desenvolver alguma atividade econômica.

Na história de Nova Friburgo não podemos deixar de trazer sempre a memória do seu mais importante protagonista, Antônio Clemente Pinto, o Barão de Nova Friburgo. Nascido em Portugal em 6 de janeiro de 1795, no Vilarejo de Ovelha do Marão, veio para o Rio de Janeiro em 1807, com 12 anos, na companhia de seu tio João Clemente Pinto Filho. Antônio Clemente Pinto iniciou o garimpo no município de Cantagalo na década de 1820. Recebeu sesmarias, ou seja, terras do governo devendo em contrapartida desenvolver alguma atividade econômica. Tudo indica que ficou atraído pela possibilidade de encontrar ouro de aluvião nas novas minas de Cantagalo.

Manuel Henriques, o Mão de Luva, em fins do século 18 havia garimpado clandestinamente ouro de aluvião nos córregos dos rios desta região e desde então a procura por este minério precioso povoava a mente de muitos indivíduos. Nesta empreitada Antônio Clemente Pinto contratou o engenheiro holandês Jacobus Gijsbertus Paulus van Erven para a direção dos trabalhos de mineração em Santa Rita do Rio Negro. No entanto, os rendimentos não compensaram o investimento no garimpo onde era necessário dispor de significativa mão-de-obra escrava. Ele, então, abandonou a mineração e iniciou a plantação de café. Tornou-se um dos homens mais ricos no Império.

No entanto a sua fortuna foi oriunda do tráfico de escravos. Antônio Clemente Pinto consta na listagem de traficantes de escravos no Atlântico entre a costa africana e a cidade do Rio de Janeiro, no período de 1811 e 1830. Como Cantagalo se tornou um dos mais importantes municípios produtores de café, é provável que o fornecimento de escravos para as lavouras desta região fosse feito por Clemente Pinto.

Entre 1827 e 1828, encontramos nos periódicos do Rio de Janeiro, cidade em cujo porto havia a maior entrada de escravos no país, registros de algumas transações feitas por ele. No Diário Mercantil do Rio de Janeiro de 20 de fevereiro de 1827, o Bergantim “Vinte e Oito de Março”, vindo de Quilimane, carregou para Antônio Clemente Pinto 446 escravos, ocorrendo duas mortes. Na Gazeta do Rio de Janeiro na seção Notícias Marítimas, o mesmo Bergantim “Vinte e Oito de Março” vindo de Moçambique, após 77 dias de viagem, dá entrada no porto com uma carga de 517 escravos de propriedade de Antônio Clemente Pinto.

Neste trajeto no Atlântico faleceram 137 escravos. O Jornal do Commercio na seção Alviçareiro Mór nos informa que veio de Quilimane a Barca Nacional, trajeto feito em 60 dias, carregando 549 escravos para Antônio Clemente Pinto Pereira, mas não informa o número de mortos. Já no Diário do Rio de Janeiro de 4 de março de 1828, na seção Alviçareiro Mór, o Bergantim Nacional Hercules vindo de Quilimane, cuja viagem durou 58 dias, carregou 592 escravos para Antônio Clemente Pinto. Neste tumbeiro morreram 46 escravos.

Antônio Clemente Pinto ocupava-se tanto da lavoura como da comercialização do café. A firma Friburgo & Filhos era responsável pelo armazenamento, classificação, ensacamento, venda e exportação do café. Sua casa comissária atuava como financiadora e intermediária dos fazendeiros em transações na Praça da Corte. Era identificado como “fazendeiro-capitalista” já que emprestava dinheiro aos outros proprietários rurais. Antônio Clemente Pinto costumava dizer, “As minhas loucuras eu as faço de pedra e cal”.

Além do tráfico de escravos, plantação e comercialização do café, bem como da usura, dava-se ao prazer de construir imóveis luxuosos. De suas inúmeras fazendas no município de Cantagalo a que mereceu atenção na estética da casa-sede foi a Fazenda do Gavião. Trata-se de projeto do arquiteto alemão Karl Frederich Gustave Waehneldt e foi construída no início da década de 1860, no mesmo momento da construção do Palacete Nova Friburgo, no Rio de Janeiro.

Para este palacete foram contratados escultores, estucadores, gravadores, pedreiros, carpinteiros da Alemanha, Portugal e França. Torna-se domicílio da família a partir de 1º de julho de 1866 e era tão suntuoso que na República foi a residência oficial do presidente do país. Em Nova Friburgo possuía a Fazenda de São Lourenço, no atual distrito do Campo do Coelho, dedicada a criação de mulas de tropas.

Outra propriedade na cidade serrana era a Fazenda do Cônego com olaria, máquinas para fabricar tijolos e tubos e imprensar ladrilhos. Possuía a Chácara do Chalet em que a casa de vivenda era igualmente de autoria de Gustave Waehneldt, hoje o Country Club. O projeto paisagístico foi de Auguste François Marie Glaziou, o mesmo que servia ao Imperador. O seu solar em frente à Praça Getúlio Vargas era interligado por uma linha de bonde puxado por burros até a Fazenda do Cônego e a Chácara do Chalet. Em suas fazendas de café em Cantagalo a família já vinha recebendo colonos, principalmente de portugueses.

É bem provável que os filhos de Clemente Pinto tiveram informação privilegiada sobre a data exata da extinção da escravidão no Brasil. Curiosamente em 21 de abril de 1888, pouco antes da abolição da escravidão, na Fazenda do Gavião, declararam livres os escravos de todas as suas propriedades. Os escravos libertos corresponderam manifestando aos ex senhores que não abandonariam o serviço, pelo ato generoso. Em um possível arranjo político, Dom Pedro II retribuiu este gesto elevando os seus títulos de nobreza de viscondes para o grau de condes.

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    Clemente Pinto, Barão de Nova Friburgo.

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    O registro de um tumbeiro.

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    Entrada de escravos no porto do Rio de Janeiro.

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As cores de Nova Friburgo

quinta-feira, 08 de abril de 2021

Na coluna de hoje faço um pequeno resumo sobre as características dos povos formadores de Nova Friburgo. Antes mesmo que os suíços se instalassem na colônia de Nova Friburgo havia na região fazendeiros originários de Minas Gerais e colonos portugueses dos Açores e da Ilha da Madeira. Merece destaque Antônio José Mendes, nascido em 1822, natural dos Açores, que se estabeleceu nas Terras Frias atual distrito do Campo do Coelho.

Na coluna de hoje faço um pequeno resumo sobre as características dos povos formadores de Nova Friburgo. Antes mesmo que os suíços se instalassem na colônia de Nova Friburgo havia na região fazendeiros originários de Minas Gerais e colonos portugueses dos Açores e da Ilha da Madeira. Merece destaque Antônio José Mendes, nascido em 1822, natural dos Açores, que se estabeleceu nas Terras Frias atual distrito do Campo do Coelho.

A família Mendes foi proprietária da histórica Fazenda Rio Grande. Além de lavradores organizaram um espaço para comercialização das roças dos pequenos e médios agricultores no Campo do Coelho, conhecido como Barracão dos Mendes. O Ceasa é fruto deste mercado abastecendo o Rio de Janeiro com produtos de Nova Friburgo, Teresópolis e Sumidouro. São inúmeras as famílias descendentes de colonos suíços em Nova Friburgo. Tornaram-se pequenos produtores rurais e hoje estão concentrados em Lumiar, São Pedro da Serra e Amparo, todos distritos agrícolas.

Os Mozer mantêm a tradição da elaboração da broa de milho com legumes crus que foi considerado como patrimônio histórico material pela Câmara de Vereadores. Com relação a comunidade alemã geralmente se confunde a história dos que vieram em 1824 para Nova Friburgo como colonos com os empresários imigrantes que instalaram indústrias a partir de 1911 no município. Os alemães além da atividade econômica deixaram uma importante contribuição, a prática do montanhismo. Criado em 1935, o Centro Excursionista Friburguense promovia excursões, longas caminhadas e escaladas. O centro existe até hoje e foi considerado pelo governo do estado como patrimônio cultural imaterial.

O médico napolitano Carlos Eboli, além de ter influenciado na vinda do Colégio Anchieta para Nova Friburgo estabeleceu em 1872 o Instituto Sanitário Hidroterápico cujo complexo nos dias de hoje é o Colégio N.S. das Dores. Imigrou também para Nova Friburgo no final do século 19 a família italiana Martignoni. Elviro Martignoni pintou afrescos e quadros nas residências dos barões de Nova Friburgo. No Palácio Nova Friburgo, hoje Museu da República, executou afrescos na sala de banquete.

Já os Spinelli se destacaram na construção civil na edificação do palacete do Barão de Duas Barras. Trouxeram para Friburgo na década de 1950 o primeiro avião monomotor para transporte de passageiros. O campo de pouso situava-se ao lado onde hoje se localiza o Batalhão da Polícia Militar. Investiram igualmente na pecuária e produziam o vinho granjinelli.  Foi em Duas Pedras que inúmeros imigrantes italianos escolheram para residir ou instalar os seus negócios.

Os espanhóis exerceram atividades de oleiros, ceramistas e hoteleiros. A edificação do Anchieta deve muito ao imigrante espanhol Francisco Vidal Gomes, natural de Pontevedra, na Espanha. As escadas em peroba, de puro encaixe, não tendo levado um só prego feitas no colégio são um exemplo de sua genialidade. Executou a obra gratuitamente e na sala do reitor existe uma pintura de Francisco Vidal em sua memória.

Como os libaneses ao imigrarem para o Brasil viviam sob o domínio turco-otomano a população os chamava de turcos. Por herança atávica se dedicaram ao comércio abrindo armarinhos, alguns trabalhando antes como mascates. Quase metade do comércio da Rua Alberto Braune era de libaneses. Os japoneses deram imensa contribuição à lavoura nos distritos agrícolas de Nova Friburgo. Outrora a lavoura de legumes era rasteira ficando vulneráveis às pragas. Os japoneses ensinaram os agricultores a usarem estacas verticalizando a planta e ganharam em produtividade. Igualmente instruíram na preparação de estufas revolucionando o modo de plantio.

Toda esta imigração de europeus e asiáticos acabou atraindo um pequeno grupo de húngaros e austríacos para Nova Friburgo que se dedicaram a hotelaria e fazem questão de trazer sempre a memória de seus antepassados. O município tem igualmente matriz africana. Imigrantes forçados chegaram a Nova Friburgo como escravizados. O município foi criado para abrigar uma colônia de trabalhadores livres, uma experiência pioneira no Brasil.

No entanto, Friburgo tinha em duas de suas freguesias São José do Ribeirão e N.S. da Conceição do Paquequer significativo plantel de escravizados. Nos dias de hoje só não possui uma população maior de afrodescendentes porque as regiões com maior concentração de escravos foram desanexadas do município. Cerca de 3,8 milhões de imigrantes europeus entraram no Brasil entre os anos de 1887 e 1930. Os italianos formavam o grupo mais numeroso, vindo a seguir os portugueses e depois os espanhóis.

Nova Friburgo tem tradicionalmente um perfil hospitaleiro em razão de ter sido escolhido por veranistas e pelos que buscavam a cura de doenças. Com os imigrantes percebemos que foi igualmente acolhedora. Todos os anos na celebração do aniversário da cidade os descendentes destes imigrantes trazem a memória e as cores de Nova Friburgo.  

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    As cores de Nova Friburgo. Acervo AVS

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    Friburgo, uma cidade acolhedora.

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    Homenagem da Câmara às colônias. Acervo AVS

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Um escândalo na família Nova Friburgo

quinta-feira, 01 de abril de 2021

Inicialmente é preciso esclarecer quem é a família Nova Friburgo. O patriarca é Antônio Clemente Pinto, o primeiro Barão de Nova Friburgo. Um de seus dois filhos, Bernardo Clemente Pinto Sobrinho passou a adotar como nome de família a denominação “Nova Friburgo” em substituição a Clemente Pinto.  O primeiro Barão de Nova Friburgo foi um dos homens mais ricos no Império, tendo a sua fortuna origem no tráfico de escravos africanos, no plantio e na comercialização de café e como usurário realizando empréstimo de dinheiro aos fazendeiros.

Inicialmente é preciso esclarecer quem é a família Nova Friburgo. O patriarca é Antônio Clemente Pinto, o primeiro Barão de Nova Friburgo. Um de seus dois filhos, Bernardo Clemente Pinto Sobrinho passou a adotar como nome de família a denominação “Nova Friburgo” em substituição a Clemente Pinto.  O primeiro Barão de Nova Friburgo foi um dos homens mais ricos no Império, tendo a sua fortuna origem no tráfico de escravos africanos, no plantio e na comercialização de café e como usurário realizando empréstimo de dinheiro aos fazendeiros.

Nunca imaginaríamos o neto do primeiro Barão de Nova Friburgo nas manchetes dos jornais em agosto de 1927, em um flagrante delito por tráfico de entorpecentes. Refiro-me a Braz de Nova Friburgo (1881-1950). Braz era filho de Bernardo Clemente Pinto Sobrinho (1835-1914), Conde de Nova Friburgo, casado com Ambrosina Campbell (1848-1939), filha do Barão de Mamoré.

Além de Braz de Nova Friburgo o casal teve sete filhos. A polícia do Rio de Janeiro apreendeu um vultoso “stock” de cocaína no quarto número 325 do Novo Hotel Riachuelo, onde se hospedava Braz de Nova Friburgo. Os seus passos vinham sendo seguidos pela polícia por meio de meticulosa investigação. Foram encontrados dentro de uma pequena mala de viagem 488 vidros de cocaína de procedência alemã do fabricante Gehe.

Além de ser descendente de importante família fluminense Braz já exercera cargo de confiança como delegado de polícia na administração Alfredo Pinto. Preso em flagrante mostrou-se um perfeito “gentleman” mas profundamente perturbado. Confessou à autoridade policial que o interpelara que de fato negociava com a droga entorpecente inclusive em São Paulo, o grosso de seu comércio. Levado para a delegacia de polícia para prestar depoimento Braz de Nova Friburgo confessou que adquiria a droga em Nova Friburgo dos irmãos Luiz Napoleão e Antônio de Vicenzi, proprietários da Drogaria de Vicenzi, na Rua General Câmara (hoje Augusto Spinelli). Foi realizada busca nesta drogaria e descobertos 1.500 tabletes de morfina depositados dentro de uma lata em um cofre.

Na residência de Luiz Napoleão de Vicenzi foram apreendidos 400 vidros de cocaína da mesma marca e procedência da que fora encontrada com Braz de Nova Friburgo, conforme a Revista Criminal de agosto de 1927. Os irmãos de Vicenzi negaram ter vendido o “pó da morte” a Braz de Nova Friburgo mesmo depois do flagrante. O caso teve relevância na imprensa não só pela avultada quantidade de cocaína apreendida como também “pela categoria da pessoa em poder da qual ela foi encontrada”.

De acordo com o Jornal do Brasil, edição 189, “O dr. Braz de Nova Friburgo, que é um viciado em tóxicos (...) foi preso em uma grande agitação [na delegacia] sendo precisos os socorros da assistência municipal cujo médico fez-lhe uma injeção de morfina, único modo de o acalmar.” O fato de Braz de Nova Friburgo ter se envolvido com o tráfico de entorpecentes pode ser consequência de sua condição financeira que já vinha decaindo a partir do seu pai.

O Conde de Nova Friburgo viu-se obrigado a vender grandes fazendas em Cantagalo como a aldeia, cafés e São Martinho. Em Nova Friburgo venderam o pavilhão de caça para o Sanatório Naval e a belíssima chácara do chalet (Country Clube) para Eduardo Guinle. Em 13 de abril de 1920, quando a viúva do conde e herdeiros venderam a Fazenda Gavião, a propriedade não possuía nenhum arbusto de café e ali funcionava tão somente um laticínio arrendado.

Segundo a pesquisadora Leila Vilela Alegrio, o fausto do Conde de Nova Friburgo se manteve aproximadamente até o ano de 1880, quando iniciou um processo de perdas tanto dos bens herdados quanto dos adquiridos até o seu falecimento “quase na pobreza”. Ao longo da história surgiram adágios como “pai taverneiro, filho cavalheiro, neto mendigo” ou ainda “pai rico, filho nobre, neto pobre.” Era a situação vivida por Braz, neto do poderoso Barão de Nova Friburgo.

No ano seguinte à prisão de Braz, o leiloeiro Paulo Affonso apregoava a venda de majestosos móveis de jacarandá com embutidos de marfim que pertenceu ao salão mourisco do Palácio de Nova Friburgo da família Clemente Pinto. Constava ainda no lote um sofá, poltronas, cadeiras e uma mesa com tampo de mármore ônix rajado. Braz de Nova Friburgo era casado com Maria José Clemente de Souza Dantas (1885-1948) e tiveram dois filhos, Alice Maria e Rodolpho. A condessa sua mãe era viva no momento de sua prisão e o fato deve ter escandalizado toda a família.

O seu pai, o Conde de Nova Friburgo foi homenageado no centenário de Nova Friburgo. Uma placa sobre o obelisco na Praça Dermeval Barbosa Moreira tem a sua imagem em bronze, um tributo dos friburguenses ao conde que trouxe a linha férrea proporcionando imenso desenvolvimento a cidade serrana. Braz de Nova Friburgo teve a prisão relaxada graças ao juiz de direito Chrysólito de Gusmão cujo despacho foi publicado na Revista Criminal de dezembro de 1927. O juiz utilizando a costumeira retórica jurídica para privilegiar acusados de cabedais aliviou a prisão preventiva do indiciado.

“O ilustre representante do Ministério Público em apontando as declarações feitas pelo bacharel Braz de Nova Friburgo acentua haver este confessado ter comprado de De Vicenzi a quantidade de tóxico apreendido. Ora a confissão somente desse aspecto não constitui confissão de crime previsto em lei (...) o que é certo é que confissão do primeiro indiciado não há.”

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    Barão de Nova Friburgo

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    Conde de Nova Friburgo

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    Manchete da apreensão de cocaína

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