Jardins, pomares e quintais

quinta-feira, 05 de novembro de 2020

De acordo com o dicionário de Aurélio Buarque de Holanda quintal é uma pequena quinta, pequeno terreno muitas vezes com jardim ou com horta, atrás da casa. Já a quinta é uma grande propriedade rústica, com casa de habitação. É provável que a palavra quintal desapareça de nossa memória coletiva daqui há algumas décadas. Não existe mais a concepção de quintal nos projetos atuais de arquitetura. Atualmente quando se projeta o jardim nas residências no máximo se planta uma jabuticabeira, não sei por quê mas é a única árvore nativa eleita pelos paisagistas numa referência aos outrora pomares.

Na história da urbanização de Nova Friburgo o melhor exemplo de uma quinta é a da Vila Amélia, do imigrante português Antônio Alves Pinto Martins. Nascido no Minho em 1862, casou-se com Carolina Gomes da Rocha e no ano de 1914 mudou-se com a família para Nova Friburgo. Instalou a sua quinta às margens do Córrego do Relógio e deu o nome de Vila Amélia em homenagem a única menina entre os seus oito filhos. Construiu na Vila Amélia um palacete inaugurado no dia 18 de maio de 1916.

Na propriedade havia um pomar com pereiras, macieiras, goiabeiras, canforeiras, jabuticabeiras, laranjeiras, caquis, tojos, bananeiras, pita e nêsperas. Na várzea Pinto Martins plantou hortaliças, legumes, aspargos e produziu igualmente na quinta queijo, manteiga, mel, linguiças de porco defumadas e vinho. Flores como rosas, margaridas, azaléas, orquídeas, palmeirinhas, boca de leão e principalmente cravos eram cultivadas para comercialização.

Duas residências eram consideradas verdadeiras pérolas no centro da cidade, a casa de madame Santana e a de Dona Vitalina. A primeira, hoje um estacionamento em frente à prefeitura, tinha um belíssimo jardim de camélias e um pomar com variadas frutas. A segunda com um suntuoso pomar deu lugar ao shopping center da praça. Os quintais das residências no centro da cidade se estendiam até a avenida que margeava o Rio Bengalas. Logo, os proprietários podiam se dar ao luxo de possuírem extensos pomares.

Até aproximadamente o final do século 19 era muito comum haver nas residências da elite um pombal. Nas casas dos distritos rurais de Nova Friburgo ainda se pode encontrar os tradicionais quintais como o que vi na residência de Míriam Schuenck no distrito de Amparo. Possui um pomar com muitas fruteiras, horta com verduras e plantas medicinais, galinheiro, uma canaleta por onde passa a água captada da nascente do morro e um forno de barro. Havia também um arbusto de café, muito comum nos quintais de quase todas as residências rurais de Nova Friburgo. Lembrando que o pé de café foi inicialmente considerado como uma planta ornamental antes de se tornar no mais importante produto de exportação no Brasil Império.

No passado era também comum nos quintais haver um estoque de lenha para o fogão entre muitas outras tralhas. No quintal de Dona Zali em São Pedro da Serra encontrei salsinha, couve, azedinha, tomate dos índios ou tomate da Índia, uvaia, funcho, alecrim, arruda, saião, hortelã, marcela branca, erva-doce, malva, erva-macaé, pé de fumo, arbusto de café e, claro, um galinheiro. Era comum a criação nos quintais do porquinho macau ou pirapitinga. No caso do distrito de São Pedro e Lumiar se tornou proibitivo em razão da reclamação da vizinhança. Já no distrito rural do Campo de Coelho localizei residências com criação do porquinho caipira como no quintal de Almir Tardin.

O marmelo era outrora muito plantado em Nova Friburgo. Na venda de uma chácara nesse município anunciada no Jornal do Brasil em 1916, destaca-se que a propriedade de três alqueires além de diversas árvores frutíferas possuía um pomar com 400 marmeleiros. Na chácara do Chalet (atual Country Club) foram plantadas pelo proprietário anterior Eduardo Guinle sapucaias, jambeiros, coqueiros, pereiras d’água, pera ferro, marmelo, cerejeira, macieira, caquizeiros, pessegueiros, laranjeiras, ameixeira, goiabeiras, jabuticabeiras, framboeiseiros e bananeiras. Neste pomar a jabuticabeira e a sapucaia são as únicas árvores nativas.

Sapucaia cujo fruto é belíssimo vem do tupi e significa “fruto que faz saltar o olho”. Os frutos possuem cascas lenhosas e as sementes se assemelham às castanhas. Era muito apreciada pelos indígenas que ofereciam cocos de sapucaias, andayá, palmitos e “bichos de tacuára” aos colonizadores portugueses como sinal de amizade.

Com a introdução no Brasil pelos portugueses do marmelo, figo, pêssego, banana, manga, melão, pera e laranja, para ficar em apenas alguns exemplos, inúmeras frutas nativas deixaram de ser comercializadas e hoje são completamente desconhecidas da população. São exemplos de frutas nativas além da jabuticaba e da sapucaia, mocuguê, pitomba, araçá, ibacurupari, ibanemixama, imbu, araticum, guri, caía, iapina, audá, ingá, juá, maçaramduba, murici, ibaraé etc. Ter quintais como outrora é algo impensável nos dias de hoje. Mas além da jabuticabeira, oxalá que outras árvores frutíferas nativas caiam no gosto dos paisagistas. 

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    No quintal de Miriam Schuenck uma canaleta capta água do morro

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    Localizei no quintal de Almir Tardin criação do porquinho caipira

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    Um quintal em São Pedro da Serra da família Ouverney

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