Breve história da assistência hospitalar

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Desde a ocupação do Brasil, os portugueses nunca se preocuparam com a assistência hospitalar de seus colonos e colonizados. Esta função era exercida pelas Irmandades da Misericórdia cujo estatuto visava, entre outras obras piedosas e caritativas, a cura dos enfermos. Estabelecidas no Brasil nas vilas mais importantes a partir de meados do século 16, as irmandades eram associações constituídas por pessoas católicas de posses, denominadas de confrades ou irmãos. Eram dirigidas por um provedor, função muito disputada, por mordomos, mesários e oficiais. O provedor era geralmente um indivíduo muito rico ou com alto cargo na administração do governo.

As obras de misericórdia eram espirituais e corporais sendo relacionadas no “compromisso”. Entre as corporais deveriam remir os cativos, visitar os presos, curar os enfermos, cobrir os nus, dar de comer aos famintos, dar de beber a quem tem sede, dar pouso aos peregrinos e enterrar os mortos. As irmandades instalavam santas casas, também conhecidas como nosocômios, casas de expostos e rodas, bem como recolhimentos de órfãos para crianças enjeitadas. Era a única assistência à infância nos quatro primeiros séculos de nossa história.

Igualmente as irmandades alimentavam os presos das cadeias pois o governo não fornecia o seu sustento até o século 19. Para aumentar as suas rendas o governo lhes autorizava explorar o serviço funerário na arrecadação do imposto da tumba. O cemitério da vila de Nova Friburgo era administrado pela Irmandade do Santíssimo Sacramento, fundada em 11 de julho de 1858. As irmandades mantinham-se graças ao auxílio dos particulares e do povo em geral. Recebiam de testamentos somas de dinheiro, mantimentos, escravos, fazendas de cultura e criação, prédios, entre outros legados. Mesmo assim sempre enfrentaram dificuldade financeira para dar conta de atender a população pobre e desassistida.

Não se pode afirmar que o atendimento nas santas casas era dos melhores e daí o medo geral da população dos hospitais. O índice de mortalidade era altíssimo. Já os ricos se tratavam apenas em casa. As santas casas de misericórdia recebiam escravos, alienados mentais, pacientes com todo tipo de doença infectocontagiosa, à exceção dos leprosos que eram encaminhados para os lazaretos.

No século 19, na vila de Nova Friburgo a Câmara Municipal estimulava pessoas caridosas a ampararem os idosos e inválidos e fornecia medicamentos aos “indigentes”. Procurava-se por famílias para abrigar crianças expostas ou abandonadas. Até aproximadamente o primeiro quartel do século 20, o governo geral ainda era ausente no campo da assistência hospitalar. Os indigentes, desvalidos e enfermos pobres contavam tão somente com as santas casas de misericórdia, algum auxílio das câmaras e da caridade da população. Os médicos colaboravam e davam assistência gratuita às classes sociais desfavorecidas.

Na segunda década do século 20 a Benemérita Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Nova Friburgo prestava auxílio aos doentes carentes na Santa Casa. Com a construção do Hospital Regional de Nova Friburgo (atual Raul Sertã) a irmandade passou a administrá-lo juntamente com a prefeitura que assumiu depois toda a gestão. A criação do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) não resolveu o problema da população desfavorecida pois dava atendimento hospitalar somente às pessoas que tinham carteira de trabalho, ficando fora os trabalhadores informais e os trabalhadores do campo, que eram a maioria. Eram registrados como “indigentes” pois não tinham direitos.

Foi graças ao médico Hésio de Albuquerque Cordeiro (1942-2020), criador do Sistema Único de Saúde (SUS), que o serviço clínico e hospitalar se universalizou dando acesso gratuito a todos os brasileiros. Foi um grande avanço na história da saúde coletiva do país. Pioneiro na articulação entre medicina e ciências sociais, Cordeiro criou um sistema público de saúde menos excludente e desigual.

Atualmente sete em cada dez brasileiros dependem do SUS que é financiado com recursos dos governos federal, estadual e municipal. O município tem que aportar pelo menos 15% de sua receita. O problema é que os municípios e os estados estão sendo cada vez mais pressionados pelo Governo Federal para colocar mais recursos.  No SUS existe o programa Estratégia de Saúde da Família (ESF) considerado um dos melhores programas de saúde pública do mundo, segundo a OMS, a Organização Mundial de Saúde. Constituído por agentes de saúde, na maioria mulheres e que moram nas comunidades, atendem determinado número de famílias a domicílio.

Fazem parte de cada núcleo da ESF um médico, uma enfermeira e um auxiliar de enfermagem. Os agentes visitam as famílias orientando no pré-natal, controle da pressão arterial, cuidados básicos da higiene etc. Este programa atende 160 milhões de brasileiros. Quando não conseguem resolver o caso em nível domiciliar as pessoas são encaminhadas para as unidades básicas de saúde. Existem mais de 40 mil espalhadas pelo país.

Porém, como essas unidades básicas não funcionam a contento, as pessoas naturalmente se dirigem ao pronto-socorro dos hospitais que ficam congestionados. Logo, dão injustamente uma péssima imagem do SUS. Porém, o problema não é propriamente do sistema e sim da má gestão e corrupção neste setor. O mais temerário é que o Governo Federal vem diminuindo a cada ano o orçamento da saúde e para 2021 houve mais um corte de recursos minando este sistema. Ainda que com todos os problemas, alguém já disse que se não fosse o SUS, seria a barbárie.

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    Hésio Cordeiro(1942-2020) criador do SUS implantou um sistema público de saúde favorecendo as classes populares

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    Alimentos levados à cadeia pela Irmandade do Santíssimo Sacramento,1839, Jean-Baptiste Debret

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    Santa Casa de Misericórdia de Nova Friburgo, 1948

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