Um caso que abalou Nova Friburgo: Alberto Braune (Parte 1)

quinta-feira, 03 de junho de 2021

O ano era 1905. Felicidade Emmerick vivia em companhia da tia Maria José Trannin desde os 10 anos de idade, a quem tratava com o desvelo e o carinho que mereceria uma filha. Educava-a nos rígidos princípios da virtude e do bem. Quando sucedia da menina adoecer costumava procurar o farmacêutico Alberto Henrique Braune. Felicidade começou a sofrer de “órgão delicado”, problema normal nas mocinhas que começam a menstruar.

Como o tratamento exigido pela enfermidade era demorado, Felicidade ia diversas vezes ao consultório do farmacêutico acompanhada sempre de sua tia. Com o tempo, em razão do conhecimento e confiança no farmacêutico, d. Maria José permitiu que Felicidade fosse desacompanhada às consultas. A mocinha em dado momento começou a sentir dores intermitentes. Alberto Braune insistia que ela tomasse “Apiol” para as dores e estranhamente Felicidade se recusava tomar o medicamento.

A seguir o farmacêutico prescreveu uns “pós em papeizinhos” para aliviar as suas dores. Tudo parece indicar pela sequência dos fatos que Braune havia pactuado com Felicidade dar-lhe drogas abortivas quando soube da gravidez, mas ela teve medo de ingeri-las. Passado um tempo, a tia percebeu que Felicidade começava a “ganhar corpo”. Como o volume no ventre tomasse proporções suspeitas, d. Maria José pensou em levá-la a um médico, o dr. Galdino do Valle. Felicidade recusou-se a ir e admitiu a gravidez. Desatando em prantos, confessou que a causa de sua “perdição” foi Alberto Braune.

No dia seguinte, Maria José Trannin procurou o farmacêutico na Farmácia Braune a quem lançou no rosto a ignomínia do seu procedimento. Ele a levou para uma sala para que as pessoas não ouvissem as suas acusações. Negou tudo dizendo que se ele fosse o autor da desonra da moça teria receitado um remédio abortivo. Como era também delegado de polícia, d. Maria José deu queixa ao chefe de polícia do Estado. (O Paiz, seção Desonra,12 de agosto de 1905).

A notícia correu solta na cidade. No entanto, os principais jornais locais da época, como O Friburguense e O Nova Friburgo não deram uma nota sequer. Mas quem era Alberto Henrique Braune? Nascido em Nova Friburgo em 17 de dezembro de 1864, de família tradicional, se formou farmacêutico em 1886. Casado e pai de imensa prole possuía um consultório junto à Pharmacia Braune na Rua General Argolo onde também residia com a família em um belíssimo palacete.

Com a sua morte a Rua General Argolo passaria a ser denominada de Alberto Braune. Seus desafetos o acusavam de curandeiro e de contravenção a lei pelo exercício ilegal da medicina. Major da Guarda Nacional fazia parte do Partido Republicano Fluminense sendo aliado de políticos tradicionais como Galdino Antônio, pai de Galdino do Valle Filho, Ernesto Brasílio, Júlio Zamith, Farinha Filho, Nelson Kemp e do mandão de aldeia, Carlos Maria Marchon.

Enquanto a tia de Felicidade alardeava o ocorrido e sofria com a sobrinha desonrada e caída na desgraça, situação de uma moça desvirginada e mãe solteira, os adversários políticos de Alberto Braune tiraram proveito da situação. Para o seu azar o promotor público do caso, Plácido Modesto Martins de Mello, era um destes desafetos. Na ocasião, tanto as funções de delegado de polícia como a de promotor público eram nomeações do presidente do Estado, e não concursados como hoje.

Alberto Braune reagiu rigorosamente às provocações e com grupos armados fazia ameaças aos seus detratores. Percorriam as ruas do centro da cidade intimidando e espancando os oposicionistas. O Coronel Zamith, sub-delegado, comandava as operações. A Farmácia Braune se transformou em delegacia de polícia. O sargento do destacamento policial, à paisana e descalço, armado de cacete e revólver, praticava agressões e arbitrariedades. (Correio da Manhã, seção Friburgo, 18 de agosto de 1905.) O jornal O Correio Popular, folha do partido chefiado por Modesto de Mello, deputado estadual, foi impedido de circular sob pena de ser empastelado.

Há referência de que o grupo do promotor Plácido Modesto se postava em frente a farmácia Braune em atitude provocadora e também ameaçou empastelar o jornal O Nova Friburgo. A situação era de muita tensão. Um jornalista clamou por civilidade na política fluminense. Além da violência nas ruas entre os capangas de ambos os lados, na arena do jornalismo uma batalha de retórica se operou entre os jornais do Rio de Janeiro.

Um dos adversários de Alberto Braune, Bricio Filho, era o correspondente do jornal Correio da Manhã e residia em Nova Friburgo. Aos jornais cariocas coube o início da divulgação da defloração e desonra de Felicidade Emmerick. O primeiro a dar publicidade deste fato foi A Tribuna exigindo em nome da honra ofendida a intervenção das autoridades competentes.

Já o então decano O Friburguense somente produzia artigos elogiosos a Alberto Braune, enaltecendo-o. Por ocasião de seu aniversário natalício foi estampado o seu retrato com minuciosa biografia traçada com carinho e dedicação. Entretanto, em um editorial sob o título “Desonra”, assim se exprimiu: “São tão gravíssimos e deprimentes da honra e do bom nome de um homem de bem os fatos narrados por alguns jornais da capital federal contra o sr. Alberto Henrique Braune, delegado de polícia desta cidade, fatos referidos também pelo público friburguense, que sua senhoria não pode deixar de apresentar uma defesa satisfatória e completa que o lave da mancha do crime que lhe atribuído”. (Correio da Manhã, seção Livre, 16 de agosto de 1905). 

Na edição da próxima quinta-feira, 10, publicarei nesta coluna a defesa de Alberto Braune enviada ao Jornal do Commercio dando a sua versão dos fatos. Procurou defender-se das acusações atribuindo o fato a uma manobra política de seus adversários e buscou ainda desqualificar tanto a vítima Felicidade Emmerick, quanto a sua tia Maria José Trannin.

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    Alberto Braune, esposa e numerosa prole

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    Farmácia Braune na outrora Gal. Argolo e hoje Alberto Braune

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    O palacete Braune na rua principal com dois pavimentos

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