A Praça Getúlio Vargas corre perigo

quinta-feira, 27 de maio de 2021

Muitas pessoas pediram a minha opinião sobre o projeto de revitalização da Praça Getúlio Vargas. Sou contra alguns aspectos do projeto e notadamente o de escavações arqueológicas. A revitalização dos eucaliptos e dos canteiros de flores, a reforma dos bancos são evidentemente intervenções muito bem vindas. No entanto, cortar a praça em dois pontos para dar passagem aos automóveis, bem como a instalação de quiosques de alimentos é uma sabotagem ao mais importante espaço de sociabilidade dos friburguenses e uma traição à nossa história.

O paisagismo da praça foi inaugurado na década de 1880 com o projeto do francês Auguste François Marie Glaziou, diretor geral das Matas e Jardins na cidade do Rio de Janeiro. Este logradouro público já passou por variadas denominações como Praça de Cima, Praça do Príncipe Real Dom Pedro de Alcântara, Praça Del-Rei D. João VI, Praça São João Batista, Praça Princesa Isabel e Praça 15 de Novembro.  Sua configuração se dividia em três partes formando uma alameda central e duas laterais ladeadas por eucaliptos.

Mesmo tendo a assinatura do paisagista que servia ao Imperador D. Pedro II, no último quartel do século 19 a Praça do Suspiro era muito  mais importante do que a Getúlio Vargas, ponto de encontro preferido dos friburguenses e onde os veranistas deixavam, através da fotografia, o registro de sua passagem por Nova Friburgo. Tudo leva a crer que a Praça Getúlio Vargas tinha na realidade uma função utilitária e higiênica.

Desconhecendo-se que o vetor da doença era o mosquito, acreditava-se no passado que doenças como a febre amarela vinham do ar, dos miasmas, definidos como emanações venenosas que vinham dos pântanos e da matéria orgânica putrefada, para ficar em apenas dois exemplos. A entrada destes miasmas pelo corpo humano ocorria pela via respiratória. Por isto optou-se pelo plantio dos eucaliptos que serviam tanto para a drenagem do solo, evitando a formação de pântanos, quanto para a purificação do ar. Os eucaliptos garantiam uma atmosfera salubre ao ambiente.

Desejamos que sejam mantidos não apenas por fazerem parte de nossa história mas igualmente por continuar mantendo a salubridade do centro da cidade nestes tempos de pandemia. Em razão de suas frondosas copas se fecharem de um lado a outro como o domo de uma catedral, a população passou a chamar a praça de Catedral dos Eucaliptos, nos remetendo ao estilo gótico das igrejas. Esta praça foi tombada pelo Iphan, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1972 pelo seu conjunto arquitetônico e paisagístico.

Na justificativa do tombamento destaca-se sua arborização com renques de centenários eucaliptos da espécie robusta plantados por Glaziou com dupla finalidade, a de conferir ao logradouro feição paisagística e a de sanear uma área alagadiça existente. Em setembro de 2010, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou um inquérito para fiscalizar junto a Prefeitura de Nova Friburgo e o Iphan ações de conservação da Praça Getúlio Vargas. Houve um acordo para que se procedesse o resgatasse de suas características arquitetônicas e paisagísticas.

O Iphan contratou a empresa Tecnische, por meio de licitação, para realizar um projeto de revitalização da praça. Dando início a execução do projeto da Tecnische no início do ano de 2015, o então prefeito Rogério Cabral determinou o corte raso de diversos eucaliptos, aleatoriamente, inclusive de árvores sadias. Este deplorável episódio deu origem ao grupo S.O.S. Praça Getúlio Vargas, que passou a acompanhar o processo de revitalização. Em razão das intervenções indevidas, o Ministério Público exigiu da prefeitura um conjunto de providências que consubstanciou a Termo de Ajuste de Conduta (TAC).

Entre várias medidas estavam a de assegurar o manejo adequado das árvores e captação de recursos para execução do projeto de requalificação da praça. Um ponto que está criando tensão é a possibilidade do MPF autorizar a prospecção arqueológica do tanque de Glaziou, pleiteado pela Fundação D. João VI. O outrora presidente do Iphan, Carlos Fernando Delphim, declarou ser absolutamente desnecessário essa prospecção.

O grupo S.O.S. Praça Getúlio Vargas se coloca igualmente contra em razão do transtorno que causará aos usuários do logradouro. Esta prospecção extremamente onerosa apenas para investigar um tanque poderá durar muitos anos e calculo que se estenderá por mais de cinco anos. Que importância trará esta escavação neste momento à nossa história? Nenhuma na minha opinião, principalmente em um momento de parcos recursos públicos.

Sugiro a população que acompanhe e fique atenta pois estamos na iminência de perder uma significativa área da praça para dar lugar ao trânsito de automóveis. Já a instalação de quiosques de alimentos é dispensável já que o comércio no entorno atende perfeitamente à população. Finalizo esta coluna com um relato do imigrante italiano Antônio Lobianco quando me concedeu uma entrevista.

Segundo ele, costumava nas noites enluaradas de Friburgo se sentar no banco da praça e conversar durante horas a fio com o prefeito Dante Laginestra. Um dia o prefeito mandou desligar a iluminação da praça e seu entorno para que a luz da lua penetrasse pelos eucaliptos iluminando a praça. Assim como este depoimento poderia citar inúmeros outros evocando o romantismo deste espaço ameaçado por um projeto que macula o campo santo da catedral dos eucaliptos.

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    A Praça será cortada para dar passagem aos automóveis (Acervo IBGE)

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    Os eucaliptos garantiam a salubridade da Praça Getúlio Vargas (Acervo IBGE)

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    Reforma do chafariz, década de 1940 (Acervo FGV)

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