Notícias de Nova Friburgo e Região Serrana
Ao rés do chão

Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
A Inteligência Artificial será o Deus desses novos tempos
Talvez vocês não saibam, mas muitas pessoas acreditam que, sobrevoando este pequeno grão de areia em que vivemos, existe uma versão melhorada de seres humanos. Gente como nós, porém muito mais evoluída em todos os sentidos: espiritual, moral, científico e assim por diante. Embora geograficamente afastados, são nossos parentes próximos, pois descendem como nós de Adão e Eva. Com o passar dos milênios, no entanto, foram se aperfeiçoando, enquanto nós, que ficamos aqui, ao rés do chão, nos esquecemos que somos seres de luz, e vivemos como sombras daquilo que poderíamos ser.
É o que me conta, com entusiasmo, meu amigo eubiota. Explico: eubiota é o adepto da eubiose, doutrina que (simplificando demais) propõe que levemos uma vida em harmonia com as leis do universo e assim nos tornemos pessoas mais conscientes, mais iluminadas e, portanto, mais felizes. Segundo ele tem me explicado, é nas profundezas do planeta que vivem as comunidades dessa versão melhorada de nós mesmos. Esses seres do interior (no sentido exato da palavra) sobem de vez em quando para verificar como andam as coisas por aqui e, por certo decepcionados, voltam para a profundidade onde moram. Limitam-se, segundo meu informante, a trocar figurinhas com o governo americano, que os recebe secretamente e com eles mantém relações diplomáticas. O que, aliás, explica os discos-voadores.
Provoco-o, dizendo que eles devem ter um sistema de refrigeração de primeiríssima qualidade, porque o calor lá embaixo deve bater nos mil graus. No inverno. Ele reage a isso com tolerância. Afinal, minha incredulidade apenas prova que eu sou mais um ignorante, em meio aos bilhões que desconhecem os ensinamentos eubióticos. Ele me garante que, ao contrário, no coração do planeta também existem praias, florestas, cores e luz.
Ele pode ter razão sobre minha ignorância, mas me consolo pensando que a maioria vive na mesma escuridão que eu. Contudo, não desconheço que, como disse um tal Hamlet, há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia. Ou, como ouvi de um cidadão que censurava seu colega de trabalho: “Tu sabe tudo, mas tem coisa que tu não sabe”.
Não, não sou totalmente incrédulo. Com relação ao mundo material, gosto das coisas que possam ser vistas e tocadas. Quanto ao mais, sou apenas um pouco precavido. Li há alguns dias o livro “Sapiens – uma breve história da humanidade”, em que o historiador israelense Yuval Harahi explica como viemos dando cabeçadas através de milhões de anos, para resultar no que somos e no que construímos, no que deixamos de ser e no que destruímos. Mais do que isso, Harahi olha para a frente e faz previsões espantosas. Uma delas: A inteligência artificial tem evoluído tanto e demonstrado tamanho potencial para continuar evoluindo por conta própria que não é loucura acreditar num futuro em que ela terá criado uma nova espécie de gente (ou seja, lá o que for), que substituirá o atual ser humano. Em outras palavras, a IA criará sua própria “humanidade”, e a que até agora habitou o mundo deixará de existir. A Inteligência Artificial será o Deus desses novos tempos.
Parece conversa de doido, mas o que pensariam os nossos antepassados, digamos, dois mil anos atrás, se alguém lhes dissesse que no futuro: a) máquinas voariam pelo espaço; b) as pessoas poderiam se ver e falar, mesmo estando a milhares de quilômetros umas das outras; c) uma voz nos ensinaria o caminho a seguir quando estivéssemos dentro de um carro; d) tal carro seria capaz de mover-se e guiar-se por si mesmo; e) um coração velho ou doente poderia ser trocado por outro em melhores condições; f) um foguete levaria terrestres à lua; g) o homem criaria uma forma de inteligência que se tornaria mais inteligente do que o próprio homem; h) um filme brasileiro ganharia o Oscar e i) o mais espantoso de tudo: o Botafogo seria campeão nacional e continental num mesmo ano?

Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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