Sorria, você está sendo filmado

Paula Farsoun

Com a palavra...

Paula é uma jovem friburguense, advogada, escritora e apaixonada desde sempre pela arte de escrever e o mundo dos livros. Ama família, flores e café e tem um olhar otimista voltado para o ser humano e suas relações, prerrogativas e experiências.

sexta-feira, 08 de agosto de 2025

Vivemos em uma era em que o olhar alheio se tornou tão comum quanto a própria respiração. Câmeras nos prédios, nos semáforos, nas lojas, nos aplicativos de entrega. Tudo registra tudo, e nós, muitas vezes, seguimos adiante como se nada estivesse acontecendo.

“Sorria, você está sendo filmado”, dizem os avisos em letras pequenas, discretas, quase imperceptíveis. Mas seria possível sorrir de verdade quando se sabe que cada gesto, cada passo, cada expressão pode estar sendo guardada, catalogada e analisada?   

O paradoxo é cruel: queremos segurança, queremos praticidade, mas pagamos um preço alto demais. Nossa privacidade, essa velha companheira que sempre foi nossa, está desaparecendo aos poucos, e quase nunca percebemos. Aceitamos contratos longos de termos de uso, damos permissão para aplicativos acessarem nossas vidas, e, no fim, pouco sabemos sobre quem realmente nos observa. É como se tivéssemos vendido a intimidade em parcelas invisíveis, sem juros, mas sem retorno algum.

Há algo profundamente desconfortável em perceber que o cotidiano — o simples caminhar, o tomar um café, o sorrir para alguém na rua — pode ser registrado sem que possamos escolher se queremos ou não. A câmera não julga, não discrimina, apenas captura. Mas o que ela faz com esses dados depois? Quem se beneficia? Quem lucra com cada gesto que achávamos ser só nosso?   A resposta é nebulosa, e talvez seja isso o mais perturbador: vivemos cercados de olhos que não têm rosto e mãos que não apertamos, mas que, ainda assim, influenciam nossa vida de maneiras que mal percebemos.

E, no entanto, há uma estranha aceitação. Alguns chegam a se habituar, a sorrir para as câmeras, a posar para o mundo que os observa constantemente. Criamos, sem perceber, uma persona que existe mais para os outros do que para nós mesmos. Um “eu” performático, que sabe que está sendo filmado, avaliado, julgado. A intimidade se transforma em espetáculo, e o cotidiano se torna cena de cinema, só que sem direito a cortes ou ensaios.

O problema não está apenas na tecnologia, mas na forma como nos adaptamos a ela. Aceitamos que a vigilância seja parte do preço de viver em sociedade. Mas seria impossível imaginar um espaço — ainda que pequeno — em que pudéssemos nos desligar dessa constante sensação de estar sendo vigiado? Talvez o ponto não seja apenas resistir à tecnologia, mas redescobrir a capacidade de existir sem câmeras, de ser apenas humano, com o direito de errar, de tropeçar, de estar presente sem precisar registrar nada.

No final, “sorria, você está sendo filmado” é mais do que um aviso: é um convite a refletir sobre até que ponto queremos abrir mão de nossa privacidade em nome da conveniência. Sorrir, sim, mas não para a lente fria que tudo grava; sorrir para nós mesmos, para a liberdade de existir sem olhares permanentes, mesmo que por breves instantes. Talvez seja nesses instantes que ainda reste algum espaço para sermos realmente livres.

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Paula é uma jovem friburguense, advogada, escritora e apaixonada desde sempre pela arte de escrever e o mundo dos livros. Ama família, flores e café e tem um olhar otimista voltado para o ser humano e suas relações, prerrogativas e experiências.

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