Nova Friburgo: terra de índios brabos

quinta-feira, 14 de maio de 2020

O município de Nova Friburgo faz aniversário no próximo sábado, 16. Este ano farei diferente. Ao invés de escrever sobre a história de sua fundação vou apresentar aqui os índios que habitavam a região no qual Nova Friburgo fazia parte. A carta geográfica elaborada em 1767, descrevia as regiões Serrana e Noroeste fluminenses como sertão ocupado por índios brabos.

A palavra sertão significa que estavam distante da costa marítima e os índios brabos eram considerados pelo governo como não “civilizados”. Tratava-se das tribos Coroado e Puri. Iniciou-se nesses sertões a exploração do ouro de aluvião. Esgotado esse minério, os beneficiários de terras doados pelo governo, denominados de sesmeiros passaram a derrubar a mata e explorar a madeira contratando para tanto os índios. Cultivavam na clareira roças de milho, feijão, fumo, tubérculos, frutas, criaram animais e instalaram engenhocas de produção de açúcar.

Décadas depois viria a cultura do café. Havia ainda posseiros que recorriam à ocupação clandestina infiltrando-se sorrateiramente nas terras indígenas, fazendo plantações e legitimando a seguir as terras usurpadas. Os sesmeiros e posseiros eram originários da Capitania de Minas Gerais e colonos portugueses provenientes dos Açores e da Ilha da Madeira. Outro grupo que igualmente partiu em busca de terras nesses sertões foram famílias de colonos suíços que abandonaram a Vila de Nova Friburgo buscando terras mais férteis.

Tudo isso contribuiu para a perda cada vez maior das terras legitimamente ocupadas pelos índios das tribos Coroado e Puri. Para dar tranquilidade aos novos povoadores desses sertões foram instalados aldeamentos pelos frades capuchinhos italianos. O primeiro deles no final do século 18, onde hoje é o município de São Fidélis e o outro aldeamento no atual município de Itaocara. Ambos eram habitados pelos coroados e puris. No entanto, essas aldeias já se encontravam bem miscigenadas em meados do século 19.

Diferentemente dos jesuítas que excluíam qualquer homem branco junto aos indígenas, os capuchinhos admitiam a miscigenação nos aldeamentos. No ano de 1820, boa parte do território de Cantagalo é desmembrado para dar origem ao município de Nova Friburgo, criado especialmente para abrigar colonos suíços. O juiz Cansanção de Sinimbu determinou a reserva para o patrimônio da vila de Nova Friburgo um quarto de légua da fazenda do Córrego d’Anta. Segundo ele, como habitavam índios no território dessa propriedade, pelo Aviso de 3 de dezembro de 1819, foram removidos e aldeados em outro lugar a fim de se tornaram “civilizados” e não incomodarem os colonos suíços que eram esperados.

O pesquisador Carlos Jayme Jaccoud confirmou que em Córrego d’Antas foi encontrado um machado de pedra polida na propriedade de sua família. Ao realizar um documentário no terceiro distrito onde se situa a localidade de Córrego d’Antas, para minha grata surpresa encontrei em um acervo particular peças polidas de artefatos indígenas localizadas na própria região.

Na Fundação D. João VI há uma correspondência oficial de 23 de novembro de 1824, fazendo referência de que índios foram empregados para abrir picadas nos terrenos doados aos colonos suíços. Trata-se de um curioso relato envolvendo o colono suíço Joseph Hecht nos informa sobre a presença de índios na região. “Nós, os colonos suíços vimos muitos índios (...) totalmente selvagens que logo empreendiam fuga, inteiramente nus; os meio mansos ficaram parados timidamente à nossa vista e se escondiam atrás das árvores enquanto as mulheres cobertas com uma tanga sentavam-se rapidamente no chão como para esconder a sua vergonha (órgão genital).”

Hecht sugere que os indígenas faziam pequenos furtos nas fazendas e relata que matavam “os negros do fazendeiro” imaginando que tais homens, “negros como carvão”, não fossem humanos. Os escravos fugiam dos índios desesperadamente. Qual é o lugar dos índios na história do Brasil? Normalmente invisíveis enquanto sujeitos históricos. No entanto, nas últimas décadas muitos historiadores têm demonstrado o protagonismo dos indígenas na história do país principalmente na questão envolvendo conflitos de terra e resistência em relação à política assimilacionista dos governos colonial e imperial.

Nos dois últimos séculos, os índios vão passando da invisibilidade construída para o protagonismo conquistado em movimentos políticos e intelectuais nos quais eles próprios têm participação. A cada mês até o fim desse ano, me comprometo a escrever um artigo sobre os coroados e os puris para que possamos conhecer as práticas culturais e vida material dos “índios brabos” que habitavam os sertões da região serrana fluminense. 

  • Foto da galeria

    Encontrei em um acervo particular, peças polidas de artefatos indígenas em Nova-Friburgo

  • Foto da galeria

    Litografia dos índios Coroados

  • Foto da galeria

    Litografia dos índios Puri

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