Moradores de Olaria se mobilizam contra desapropriação do Graças

Líderes do movimento querem revogação de decreto, alegando que medida não seria necessária para criação de escola municipal
segunda-feira, 13 de dezembro de 2021
por Adriana Oliveira (aoliveira@avozdaserra.com.br)
As dependências da escola em Olaria (Fotos: Henrique Pinheiro)
As dependências da escola em Olaria (Fotos: Henrique Pinheiro)

Paroquianos, ex-alunos e moradores do bairro Olaria fizeram um abaixo-assinado contra o recente decreto da Prefeitura de Nova Friburgo, do dia 18 passado, que desapropria as instalações do antigo Colégio Nossa Senhora das Graças para a criação de uma nova escola municipal. Segundo Vilda José, uma das líderes do movimento, já foram recolhidas duas mil assinaturas. O próximo passo agora é agendar uma reunião com o prefeito Johnny Maycon para pedir a revogação do decreto.

Para Vilda, a desapropriação, ao custo de R$ 7,38 milhões para os cofres públicos, é desnecessária. “A nova escola pública pode ser implantada a exemplo de outras situações que não demandaram desapropriações. A Escola Municipal Batista, também no centro de Olaria, por exemplo, funciona há mais de 40 anos em imóvel pertencente à Segunda Igreja Batista e nunca houve desapropriação”, exemplificou ela.

A VOZ DA SERRA solicitou o posicionamento da prefeitura e da Diocese sobre o assunto. A Diocese informou que, no momento, prefere não se manifestar. "Todo o processo está sendo acompanhado por nosso corpo jurídico a fim de que nem a comunidade eclesial nem a comunidade civil saiam prejudicados", afirmou em nota. A prefeitura ainda não se manifestou.

Os dois imóveis que compõem as instalações do antigo colégio na Rua Maria D’Angelo Magliano são de propriedade da Mitra Diocesana de Nova Friburgo e do Centro Social Nossa Senhora das Graças. Pelo decreto, os imóveis foram declarados de utilidade pública e passarão a abrigar uma escola municipal que, a pedido da comunidade de Olaria, poderá vir a se chamar Monsenhor Mielli, em homenagem ao seu fundador, que completaria 100 anos de vida no ano que vem.

O espaço conta com um prédio de três pavimentos e área esportiva com três quadras de esportes, uma quadra coberta, auditório, palco, camarim, salas de aulas arejadas, espaço para circulação, acessibilidade, espaço para atividades extracurriculares, cozinha, cantina e refeitório, totalizando uma área útil de mais de quatro mil metros quadrados.

O Colégio Nossa Senhora das Graças fechou as portas no início de 2016, após ‭‬57‭ ‬anos de atividades. Na ocasião, a Diocese de Nova Friburgo explicou que o encerramento se deveu a motivos financeiros,‭ ao baixo número de inscritos para aquele ano letivo, e ao crítico cenário econômico vivenciado pelo‭ ‬país,‭ ‬entre outros aspectos.‭

O polo de ensino à distância (EAD) da Universidade Católica de Petrópolis (UCP),  inaugurado em 29 de janeiro deste ano, continua funcionando no espaço, fruto de uma parceria entre as dioceses de Petrópolis e Nova Friburgo. No polo são ofertados cinco cursos de graduação disponibilizados nesta modalidade: Administração (bacharelado), Pedagogia (licenciatura), História (licenciatura), Teologia (bacharelado), Filosofia (licenciatura e bacharelado) e, agora, também Música (licenciatura); além de cursos de extensão e pós-graduação, também oferecidos em EAD. O vestibular da UCP para o primeiro semestre de 2022, inclusive, já está com processo seletivo aberto, com inscrições até janeiro.

Uma escola de grande tradição 

Como mostrou reportagem de A VOZ DA SERRA publicada em julho de 2020 (relembre aqui), o Centro Social e o Colégio Nossa Senhora das Graças nasceram do sonho visionário e humanista do jovem padre friburguense Caetano Antônio Mielli. Antes mesmo dos 30 anos de idade, ele decidiu fundar no bairro operário de Olaria não apenas uma paróquia, mas um complexo social, religioso e educacional que oferecesse a milhares de famílias proletárias a chance de crescimento pessoal, profissional e espiritual. Assim foi construído, a partir dos anos 1950, o Centro Social Nossa Senhora das Graças, integrado, além de uma igreja moderna, por uma escola que formou gerações de friburguenses.

Foi uma obra grandiosa para a época, projetada quase ao mesmo tempo que Brasília e, inicialmente, pelo mesmo arquiteto: Lúcio Costa. O centro social transformaria para sempre o bairro mais populoso de Nova Friburgo, oferecendo aulas, cursos técnicos como contabilidade, formação de professores, serviços assistenciais e esportes. Alunos tornavam-se professores, fazendo a engrenagem girar.

O renomado parceiro de Oscar Niemeyer conheceu o terreno, doado em 1951 por outro visionário, César Guinle, apenas por fotografias. E não pôde terminar o projeto da igreja devido à sua transferência para a construção de Brasília, delegando-o a outros arquitetos, sob a supervisão dos irmãos engenheiros Heródoto e Ariosto Bento de Mello, da jovem firma Sotec. 

A obra da igreja em concreto armado, em plena construção de Brasília, durou mais de 20 anos e representou um desafio extra para o jovem padre: além de “roubar” os projetistas,  a mudança da capital federal trouxe a dificuldade da obtenção de cimento, que era totalmente consumido pelo Planalto Central.

“Peço-lhe o grande favor de resolver com Dr. Ariosto tudo o que for necessário para o andamento da obra. É preciso telefonar para Dr. Lino sabendo o dia em que poderemos retirar o cimento e providenciar os caminhões. São 500 sacos e por isso necessitamos de uns quatro caminhões”, escrevia de próprio punho um preocupado padre Mielli, durante viagem, à sua assistente Thereza Fernandes, em carta que A VOZ DA SERRA obteve com exclusividade junto aos arquivos da família.

O empenho do padre - posteriormente monsenhor - Mielli na obra de sua vida, edificada em fé e concreto, moveu doações, terrenos, cotas extras de cimento e fincou em Olaria um dos legados mais importantes da história de Nova Friburgo. O líder religioso morreu de infarto, em 1979, aos 56 anos. O corpo de Monsenhor Mielli está sepultado na igreja que ele idealizou e ergueu. Friburguenses se recordam até hoje da missa de corpo presente e do velório que varou a madrugada e encheu várias vezes o templo, com o povo em lágrimas se revezando do lado de dentro e de fora, até o dia seguinte. A prefeitura decretou luto oficial na cidade, o comércio de Olaria funcionou à meia-porta em plena quarta-feira.

 

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TAGS: Educação