Crise na Saúde: vereadores revelam detalhes da investigação e mostram provas

Parlamentares apresentaram documentos, trocas de mensagens, questionaram silêncio da prefeitura e lamentaram ausências
sexta-feira, 24 de janeiro de 2020
por Guilherme Alt (guilherme@avozdaserra.com.br)

À luz da nota divulgada pela prefeitura no meio da última semana, alegando “não passar de bravatas” as denúncias dos vereadores Professor Pierre, Zezinho do Caminhão, Johnny Maycon, Marcinho Alves e Wellington Moreira sobre um suposto esquema de superfaturamento na compra de medicamentos da Prefeitura de Nova Friburgo, os parlamentares realizaram na manhã desta sexta-feira, 24, uma coletiva de imprensa aberta também à população. As denúncias culminaram na operação Carona de Duque, desencadeada em Nova Friburgo pela Polícia Federal nesta quarta-feira, 22. A PF cumpriu mandados de busca e apreensão no Hospital Municipal Raul Sertã e alguns supostos envolvidos foram conduzidos à delegacia em Macaé para prestar depoimentos. As investigações seguem sob sigilo. 

A coletiva desta sexta-feira, comandada pelo vereador Professor Pierre, reuniu pouco mais de 20 pessoas, entre membros da imprensa, funcionários do Legislativo e população. Foram sentidas as ausências de membros da prefeitura e dos demais vereadores. Os parlamentares mostraram item a item as provas que levaram o Poder Judiciário iniciar a investigação. “Hoje eu mostro quem é o mentiroso”, disse Pierre, em alusão à nota do Executivo. Através de um power point, o parlamentar deu detalhes da Operação “Mãos de Sangue” e “Juízo Final”, que serviram de base para as operações “Esterilização” e “Carona de Duque”, da PF.

 

Os vereadores mostraram trocas de e-mails entre o coordenador de transição de governo na época, Bruno Villas Boas, com o então secretário de Saúde, Rafael Tavares, na gestão Rogério Cabral, bem como documentos, enviados com cópias ao ex-prefeito e ao atual, Renato Bravo, em 2016. O conteúdo das mensagens, segundo consta nos documentos, tratava de uma tentativa de paralisar o processo licitatório 1.077/2016 de compra de medicamentos, para aderir a uma ata de registro de preços, a “Ata de Duque de Caxias”, que continha medicamentos com preços superfaturados, segundo os parlamentares.

“Desde 1° novembro de 2016 o processo de licitação 1.077/2016 estava liberado. O primeiro ato do coordenador de transição, Bruno Villas Boas, foi aderir a uma ata de registro de preços. Friburgo não precisava aderir a essa ata pois o processo de licitação já estava liberado, sendo inclusive mais barato do que a adesão à ata”, disse Pierre.

Ainda segundo o vereador, o então secretário de Saúde,  Rafael Tavares (governo Rogério Cabral), rejeitou o pedido de Bruno Villas Boas para interromper o processo de licitação e aderir à Ata de Duque de Caxias. “Isso causou ira no Bruno”, disse Pierre. “Com o secretário municipal de Saúde, Rafael Tavares, nos foi informada a precária situação em que se encontrava o estoque de medicamentos da secretaria. Muitos medicamentos com o estoque zerado ou em quantidade mínima. O edital para licitação foi suspenso pelo TCE sem prazo para liberação”, disse Pierre, lendo um trecho da carta de Bruno Villas Boas ao ex-secretário de Governo na gestão Rogério Cabral, Edson Lisboa.

“Lembra que eu falei que o processo de licitação já estava aberto? Olha a mentira aí. Olha quem é mentiroso! Eles vão seguir essa tese até tentar matar o processo de licitação”, disse Pierre. O parlamentar afirmou que o esquema de corrupção no atual governo começou antes de tomar posse. 

Peça Mãe

Na Peça Mãe, documento elaborado pelo vereador Pierre (foto abaixo) e enviado às autoridades, consta um relatório detalhado do que o parlamentar identificou: tentativas de paralisar o processo de licitação de compra de medicamentos ainda em 2016.

“Essa estratégia de esvaziamento da licitação abriu margem para efetivar a desejada aquisição de medicamentos por meio da adesão à Ata de Duque de Caxias, a qual pelo que proporcionaria aos interessados, não poderia ser dispensada ou ter ameaçada sua adesão”, revelou um trecho da peça a que teve acesso a reportagem de A VOZ DA SERRA. 

E o vereador continuou com a denúncia. “Assim, adquirir medicamentos por esse procedimento aparentemente atenderia em via direta urgentes interesses da administração em favor dos usuários do Sistema Único de Saúde, mas em grave atentado ao erário municipal, de repasses federais, tentou-se passar por prática de sobrepreço de itens, como meio de obter vantagens abusivas através de atos ilícitos, a custo da necessidade da vida humana, como se constata em diversos relatos de servidores da saúde, de familiares de pacientes internados no Hospital Raul Sertã e de usuários do SUS atendidos pela farmácia básica”.

Segundo consta na Peça Mãe, se o município tivesse aderido ao processo de licitação, os gastos seriam menores, não faltariam medicamentos e muitas vidas seriam salvas. “Ficou evidente que o processo 1.077/16 não sofresse um intencional interesse retardatário, não haveria tamanha carência de medicamentos no decorrer de 2017. Não haveria, também, a necessidade de continuidade do processo emergencial, não haveria ilegal empréstimos de medicamentos da UPA, não existiria o teor do processo 2565/17, não haveria tamanho dano ao erário e o sofrimento da população quanto ao acesso aos medicamentos, não alcançaria a dimensão trágica que alcançou, em irreparável dano porque é complexamente difuso com efeitos calamitosos a milhares de vidas. Isso significa dizer genocídio”, acentuou Pierre. 

Ele também alertou que o órgão fiscalizador da cidade não teve acesso ao processo e que a própria controladora da prefeitura assumiu que dezenas de medicamentos continham preços superfaturados. “Esse processo não foi remetido à Procuradoria Geral do Município. Todos os procedimentos são encaminhados, por orientação da Lei 8.666 à Procuradoria do Município. Ele teve o trâmite em um atalho que não passou pelo controle jurídico. O procurador, à época, não ficou sabendo da existência desse processo. A própria controladora do município assumiu que 60 medicamentos foram comprados acima da tabela Cmed-Anvisa, que o Ministério da Saúde coloca como teto. O que é totalmente vedado e é algo que deve ser rechaçado no âmbito nacional e, assim o é”, denunciou.

 Juízo Final

Após apresentar a última parte da sua apuração, denominada “Juízo Final”, Pierre mostrou, item por item, os preços dos medicamentos, comparando os valores de cada um tanto pelo processo licitatório quanto pela Ata de Duque de Caxias. Por exemplo, o medicamento Tramadol 500mg, um analgésico: pelo processo de licitação 1.077/16, o remédio custaria R$ 0,11, mas foi adquirido via ata por R$ 2,01, um superfaturamento de 1.727%.

Diante dos exemplos, o vereador novamente enfatizou a ausência de membros da prefeitura na coletiva. “Qual é o silencio que está por de trás disso? Não é o silêncio dos inocentes”.

Exaltado, o parlamentar solicitou um pedido de desculpas por parte do Executivo. “Não admito que me citem publicamente dizendo que posto coisa falsa em rede social. Exijo da prefeitura uma nota de reparação”, retrucou.

Silêncio

Até a atualização desta reportagem, a prefeitura havia emitido duas notas à imprensa, além de um vídeo do vice-prefeito e secretário de Saúde, Marcelo Braune. O silêncio do prefeito Renato Bravo chamou a atenção dos parlamentares presentes. “Se ele sabia de tudo e não manda ninguém aqui para apresentar os argumentos, mostra que, infelizmente, está claro seu envolvimento nas compras desses medicamentos”, acusou Pierre.

“Quando eu falo que o prefeito é corrupto, é porque no ano de 2017 fui convidado pelo parlamentar Carlinhos do Kiko para encontrar o prefeito e eu o alertei da possível vinda da Polícia Federal, em dezembro daquele ano. Perguntei a ele se conhecia bem as duas secretárias que estavam no comando da pasta de Saúde e quando ele demonstrou total confiança, disse que a situação não era do jeito que ele imaginava. O silêncio do prefeito Renato Bravo é um silêncio de medo”, afirmou o vereador Marcinho Alves (foto acima).

“Em um primeiro momento pensei que o prefeito estivesse sendo ludibriado. Quando tive acesso aos autos dos processos, e vi que os documentos foram copiados ao prefeito Renato Bravo, percebi que ele sabia do que estava acontecendo. O ser humano que provocou isso tudo teria coragem de aparecer aqui, hoje?”, questionou Johnny Maycon (foto).

O que diz a prefeitura

Em nota ao jornal A VOZ DA SERRA, a prefeitura informou que a coletiva foi direcionada para a imprensa e em horário de expediente, e que irá consultar o conteúdo pela internet. “Além disso, o assunto já foi respondido pela equipe técnica da prefeitura. Não havendo nenhum dado novo a acrescentar, as atividades não podem parar e não há por que alterar a rotina normal da prefeitura. Quanto às acusações, vale a mesma resposta técnica relatada através de notas já enviadas à imprensa. Em tempo, o ônus da prova cabe ao acusador”, respondeu a prefeitura, que não se pronunciou a respeito do pedido de reparação do vereador Pierre.

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TAGS: saúde | Governo