Inconsciente e relacionamento humano

César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Nossa mente tem o consciente, a consciência e o inconsciente. Consciente é o que você está usando agora para pensar, é a parte que nos conecta com o mundo real e externo. Consciência é a área mental onde estão informações, conceitos, valores, desejos, que você tem acesso quando deseja, sendo uma área nobre que só nós humanos temos, e os outros animais não possuem, ou seja, temos autoconsciência e eles não. E inconsciente é uma área virtual mental onde estão palavras, pensamentos, sentimentos, afetos reprimidos, imagens, fatos de sua vida, que não dá para acessar quando você quer, mas quando pode.

Muitos sofrimentos emocionais na vida adulta têm origem em pensamentos e sentimentos guardados em nosso inconsciente vividos ao longo dos anos da infância. Geralmente fazemos um corte entre o evento traumático vivido quando se era criança e a dor emocional na vida adulta atual. Por exemplo, se você teve uma mãe autoritária que era abusiva verbalmente com você e seus irmãos, isso pode ter produzido em sua pessoa uma reação de defesa diante de qualquer outra pessoa também autoritária. Vinte ou mais anos após sua infância vivida com esta mãe abusiva verbalmente, você pode estar num relacionamento com um chefe, cônjuge, colega de trabalho também abusivo, e se sente muito mal emocionalmente, podendo ficar triste, irritado, ansioso, só que de uma maneira exagerada. Esta reação emocional exagerada no presente, no relacionamento com uma pessoa abusiva, é produzida pelo fator gatilho que dispara a resposta emocional desagradável porque toca na ferida que já existia no inconsciente. A ferida original produzida na relação com a mãe autoritária lá atrás na infância, vem a sangrar de novo ao você se relacionar no presente com alguém semelhantemente autoritário.

Especialmente levamos para dentro do casamento muita coisa inconsciente mal resolvida com nossos pais ou cuidadores. Não se pode zerar a influência emocional do passado infantil para que não interfira no casamento ou em outro relacionamento na vida adulta. Uma mulher, durante a infância, costumava deixar seu papel normal de criança para adotar um papel de adulto na tentativa de apaziguar seus pais que brigavam com frequência. Na vida adulta, após casar, e ao viver algum momento de infelicidade no casamento, ela se deitava no berço da filha pequena, e ficava choramingando como uma criança assustada. Ou seja, a criança que não podia aparecer lá atrás na infância, aparecia anos depois na vida adulta no casamento.

Muito do desejo romântico tem ligação com expectativas afetivas vividas com os pais na infância. Quem teve uma boa infância, pode se casar com a ideia inconsciente de querer ter tudo o que foi agradável na meninice, sem considerar que na vida conjugal surgem momentos difíceis também e não só o que é bom. Outra pessoa, com uma infância ruim em termos afetivos, pode se casar com a ideia inconsciente de que o casamento irá proporcionar tudo o que ela não teve de agradável no seu passado. Não conseguimos resgatar perfeitamente o que foi perdido. A dor da falta precisa ser trabalhada para não piorar a vida atual.

Não existe uma relação adulta humana que tenha poder de proporcionar tudo de bom o tempo todo, sem frustração, sem tristeza, sem angústia, em alguns momentos pelo menos. Muitos casais cultivam o pensamento de que se casaram por amor, então, só existirá momentos bons no relacionamento entre eles. Muitos também podem alimentar a ideia onipotente de que têm poder para fazer o outro feliz e que conseguirão impedir que surjam conflitos. Casamento feliz é aquele no qual não se perde a individualidade, se aceita as diferenças de pensar e sentir, há respeito e não gritaria e xingamentos, e cada um não coloca sobre o outro a expectativa do outro o fazer feliz. Isso requer aceitar um certo vazio existencial porque nenhum ser humano pode preencher tudo o que desejamos.

Perceber as motivações inconscientes que nos empurram para esse ou aquele comportamento no casamento ou em qualquer outro relacionamento, é passo importante para melhor saúde relacional e mental pessoal. 

Cesar Vasconcellos de Souza – www.doutorcesar.com

Publicidade
TAGS:
César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.