Angústia existencial e psicológica

César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

quinta-feira, 06 de agosto de 2020

Não conheço as explicações de muitos filósofos sobre a etiologia da angústia humana. Sören Kierkegaard, filósofo dinamarquês, no seu livro “O Conceito de Angústia” disse, em resumo, que aquele que aprendeu a lidar com sua angústia, aprendeu o mais importante. Todos temos angústia. A diferença é a consciência dela, sua intensidade e como ela interfere na nossa vida. Psicóticos parecem possuir uma angústia maciça que os aliena da realidade. Muito artistas de várias áreas possuíam ou possuem angústia e a manifestaram ou manifestam pelas suas obras de artes, seja pintura, escrita, escultura, teatro, música. A produção de obras de arte pode ser uma defesa contra a loucura, contra a angústia paralisante. Da mesma forma que o trabalho para muitos empresários de sucesso financeiro.

Vários filósofos chamam de “angústia existencial” o que a Bíblia se refere ao sofrimento mental humano produzido pelo pecado. Há a angústia existencial, de origem espiritual, e há a angústia psicológica de origem em traumas e disfunções emocionais nos relacionamentos, especialmente na infância numa família difícil e numa pessoa sensível. 

Quando Naum no capítulo 1 e verso 9 na Bíblia diz que não virá a angústia a segunda vez, ele está admitindo que nessa existência todos temos angústia espiritual, existencial. Então, concordo com Kierkegaard que aprender a lidar com a angústia é saúde. Um paradoxo, não é? Porque a angústia é uma anormalidade que não mais existirá na Nova Jerusalém, mas aqui nessa vida ela é “normal” no sentido de existir em todo ser que nasce de mulher. Então, saúde mental tem mais que ver com aprender a administrar a angústia do que eliminá-la, porque não dá para eliminá-la. 

Dependentes químicos, incluindo os alcoólicos, tentam eliminar a angústia com a droga de escolha. Mas a angústia permanece ali, perturbando entre uma dose e outra da droga. Por isso, o grande desafio para eles, e para nós, é ficarmos sóbrios e aguentar a angústia sem usar alguma droga, que pode ser álcool, cocaína, maconha, crack, Rivotril e outros psicotrópicos, sexo, trabalho, compras, comida, controlar os outros, ganhar dinheiro etc.

Entendo que há dois tipos de verdades: a que produz informação (doutrinas) e a que produz salvação (espiritualização). Muitas igrejas cristãs têm abundância da primeira e carência da segunda. Tenho conhecido pessoas não religiosas cheias de espiritualidade. A Bíblia dá um ótimo exemplo disso como o centurião que pediu a Jesus para curar o servo dele. Ele tinha religião espiritualidade embora não tivesse religião doutrina ainda. E Jesus chamou a atenção para o povo dizendo que Ele não tinha visto tamanha fé na "igreja" da época como a daquele pagão. 

A vantagem da visão bíblica da angústia é que ela é (1) mais abrangente, e não superficial ou unilateral. Ou seja, ela vai além do social, do biológico e do psicológico. Ela atinge o “coração”, parte virtual de nossa mente de onde procedem o que contamina nosso caráter. Ela é também (2) verdadeira porque não tem pessoa que nasce sem esta desgraça (des-graça, falta de graça). A visão bíblica também é (3) a única que mostra a solução da angústia, que tem que ver com a glorificação, processo de mudança na estrutura humana que será feita por Deus assim que Jesus voltar em breve nos que ficarão do lado da verdade e da justiça. 

O melhor que a Psicologia pode oferecer é alívio da ansiedade de origem na dinâmica emocional mental pessoal. Podemos aprender (psicoeducação) a administrar nossa ansiedade de modo que ela não mais surja em nossa vida como ataques de pânico, fobias, transtorno obsessivo-compulsivo etc. É possível entender as causas psicológicas da ansiedade e praticar algumas orientações sobre a redução dela. Podemos nos tornar menos ansiosos num nível psicológico.

Algumas pessoas não sabem o que é angústia. Estranho, não é? Talvez elas sejam mais felizes por não terem consciência da angústia pessoal que possuem. Deus é honesto. Ele diz “estarei com ele na angústia” (Salmo 91:15). Ou “o que me consola em minha angústia é que a tua palavra me vivifica” (Salmo 119:50). Há angústia em todos nós. Tanto no Papa Francisco como no presidente e sua igreja. Tanto no bilionário Bill Gates quanto no mais simples funcionário de Tecnologia da Informação aí da instituição onde você trabalha. Paulo, o apóstolo diz que quando chegaram à Macedônia ele sentiu “temores por dentro”, ou seja, angústia. Ezequiel, homem de Deus, diz que naquele dia estava triste e angustiado, mas a mão do Senhor era forte sobre ele (Ez.3:14). 

Então nessa existência ter angústia não é ausência de Deus. É tanto a falta de sua presença como existia no Éden antes da queda, como tem sua (da angústia) extensão psicológica (carências afetivas, tensões na família, medo da pandemia, sofrimento de religiosos por terem chefes ditadores, perseguidores etc. 

O que a gente faz na vida para fugir da angústia “não está no gibi” como se dizia antigamente. E a maioria não sabe que foge da angústia no que faz e no que se torna. Isto porque o jeito como nos tornamos como pessoa é a maneira que nos causa menos dor. Mesmo que tenhamos nos tornado pessoas complicadas. É o melhor que conseguimos ser até agora. É a defesa da angústia. Claro, podemos ter/ser uma defesa disfuncional ou funcional e graças a Deus, gradativamente, passo à passo, bem lentamente, na medida em que aguentamos, podemos caminhar para ser/existir com melhor capacidade de lidar com nossa angústia e, assim, nos tornarmos melhores pessoas. Especialmente mais misericordiosas com a gente mesmo e com os outros. 

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