Meu passado influi nas minhas escolhas do presente?

César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Mesmo casando por amor, o casamento é um desafio no campo das relações humanas. Uma das explicações para isto é que quando entramos na vida conjugal não podemos apagar as influências boas e ruins vividas em nossa família de origem. Vem tudo junto ao entrarmos com o companheiro ou companheira pela porta da sala de uma nova casa ou apartamento para começar uma vida à dois.

Mas uma maioria dos casais não considera que o passado influi no presente. A tendência é pensar que está tudo certo com cada um, esposo e esposa, e que a nova vida de casados será uma maravilha sem que o passado individual de ambos contribua para dificuldades e conflitos matrimoniais. Mas contribui. Problemas de casamento têm duas grandes origens: conflitos emocionais do passado que cada um trouxe para dentro do relacionamento e que estão mal resolvidos e conflitos do casamento em si no presente.

O sofrimento conjugal ocorre por várias razões. Uma delas tem que ver com não só pelo que falta do outro para você, mas também se no seu conjunto de desejos e expectativas sobre o que você queria que seu cônjuge fosse para você, existe algo exagerado, idealizado e até injusto de esperar do outro.

Se você não percebe isto, ou seja, se você não tem consciência de que parte de seus desejos e expectativas do que seu cônjuge lhe daria contém algo exagerado, possivelmente você continuará a se frustrar neste relacionamento e com isso, com a frustração, o que você irá fazer? Agredir verbalmente seu cônjuge? Maltratar? Desprezar? Trair? Viver provocando briga? Se deprimir?

Neste contexto faz sentido aquele pensamento que diz: se você não se curar do que ou de quem lhe feriu no passado (infância e adolescência), você vai sangrar no presente em cima de quem não lhe cortou.

Seu esposo ou sua esposa não tem culpa do que lhe machucou em sua vida como criança e adolescente. Abra os olhos e veja se você está esperando do outro um preenchimento daquilo que lhe faltou lá atrás com seu pai, sua mãe ou outro cuidador quando você era criança e jovem. O amor no relacionamento conjugal não tem que suprir tudo aquilo que faltou em seu passado. Isto significa que algum vazio surge. Este vazio é seu. Ele já estava dentro de você antes da sua união com esta pessoa aí na sua vida.

Uma das consequências que pode ocorrer quando uma pessoa casada não considera e não aceita que já trouxe coisas mal resolvidas do passado para dentro do relacionamento, e por isso fica um vazio, é começar a pensar que talvez alguém “lá fora” poderá encher este vazio e acabar com ele.

A verdade é que uma pessoa “lá fora” também tem problemas, também tem vazio. Às vezes isto só é descoberto quando passa algum tempo de relação extraconjugal, depois de se ter destruído muita coisa, estragado a família, machucado um monte de gente.

O passado influi no presente. Elaborar, entender, aprender a lidar com isso é importante para que a história de sofrimento evitável não se repita. Quando se faz um genograma fica mais claro entender estas coisas. Genograma é um mapeamento de famílias, algo feito por psicólogos que trabalham com terapia de casal e de família. Ao montar um genograma se pode ver que a avó do rapaz, a mãe dele e a esposa dele, todas estas três mulheres e talvez a bisavó também, podiam ter sido autoritárias, repetindo em quatro gerações o mesmo comportamento. Ou se pode ver que o avô da moça, o pai dela, e o marido são irritados e impacientes. Repete-se a história de geração em geração, e a única maneira de interromper isso tem que ver com olhar a verdade, entender o que do seu passado ficou mal solucionado e empurra você para repetir o mesmo no presente.

Repetir o passado sofrido é doloroso, mas acontece porque pode ser uma maneira de você reviver o que já conhece. O desafio é evitar esta repetição para que a história atual seja melhor do que a que já aconteceu antes. Isto não é algo automático. Temos que pensar, desligar a novela da TV e gastar tempo para analisar estas questões com serenidade, verdade, e interesse em amadurecer.

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O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

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