Um bom favor

Paula Farsoun

Com a palavra...

Paula é uma jovem friburguense, advogada, escritora e apaixonada desde sempre pela arte de escrever e o mundo dos livros. Ama família, flores e café e tem um olhar otimista voltado para o ser humano e suas relações, prerrogativas e experiências.

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Maria circulava por aí. Todo santo dia, mil tarefas por fazer, atividades de não dar conta, alguma energia vital, e a vontade de fazer dar certo. Seu simples viver dentro da normalidade a intrigava por uma razão: ela não conseguia compreender a razão de alguém sempre exigir-lhe recompensas por alguma coisa ou indagar-lhe sobre seus interesses pelos feitos. Ela sequer conseguia explicar, mas relatava o que lembrava.

Certo dia, em seu trabalho, no executar normal de sua função, precisou se debruçar um pouco mais sobre algumas questões para entregar um resultado melhor a um cliente, cujo caso era menos rotineiro e mais complexo. O fez por dever de ofício, responsabilidade e intenção de solucionar a demanda. Ao terminar o serviço, aliviada e com sorriso no rosto, informou que tudo estava dentro da conformidade e finalizou a demanda. Eis que um colega, em sequência, indagou-lhe se aquele cliente era alguém importante a merecer tamanho empenho e exclamou que agora ele lhe devia um bom favor. Ela, que sequer havia pensado nisso, manteve-se calada e pôs-se a refletir.

Outro dia, ao se deslocar de carro, percebeu que o pneu estava furado. Encostou o veículo e em seguida, foi ajudada por uma pessoa do bairro que vinha logo atrás. Com o auxílio, sentiu-se aliviada e grata. Simpatizou-se com aquele que havia trocado seu pneu, e antes mesmo de perguntar como poderia retribuir a gentileza, ele afirmara em tom de brincadeira: “- você me deve essa, vou aparecer para cobrar.” Rindo, ela respondeu que sim. E seguiu.

Coisas assim aconteciam todos os dias, desde gestos brandos a propostas absurdas. Existir fazendo a coisa imputada como certa já lhe colocaria em posição de credora e também de desconfiança, afinal, qual a necessidade de dedicar-se tanto sem querer nada em troca? Começou a reparar, então, como parte da sociedade se coloca, talvez de forma inconsciente, sobre um tabuleiro de jogo, em que ganhar vantagens, dever favores, passar a frente, eliminar adversários, somar pontos passa a incorporar o cotidiano. Esse jogo, Maria, simplesmente, não queria jogar.

Ela queria que sentir gratidão bastasse, que dever comprometimento fosse o necessário e conviver com cooperação, harmonia, sensibilidade e responsabilidade fosse regra e não exceção. Sentiu-se a “estranha no ninho”, o “peixe fora d´água”, o “patinho feio”. E conformou-se. E resistiu. Segue circulando por aí e esforçando-se em suas mil atividades, sem interesses escusos. Prefere um olhar grato. E lhe basta.

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Paula Farsoun

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Paula é uma jovem friburguense, advogada, escritora e apaixonada desde sempre pela arte de escrever e o mundo dos livros. Ama família, flores e café e tem um olhar otimista voltado para o ser humano e suas relações, prerrogativas e experiências.

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