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61 Socos num Elevador

Lucas Barros
Além das Montanhas
Jovem, advogado criminal, Chevalier na Ordem DeMolay e apaixonado por Nova Friburgo. Além das Montanhas vem para mostrar que nossa cidade não está numa redoma e que somos afetados por tudo a nossa volta.
A descida ao subsolo da nossa barbárie
O elevador subia. E o mundo, naquele instante, caía. Há lugares onde o tempo parece suspirar, onde o silêncio se instala entre um andar e outro, feito de aço, espelhos e rotina. O elevador é esse lugar de passagem, onde ninguém espera que algo aconteça. Mas naquele cubo metálico, o cotidiano foi rompido de forma brutal.
O que deveria ser um trajeto breve tornou-se palco de uma violência que escancarou o que muitos ainda se recusam a ver: a fúria contra a mulher que decide ir embora. Juliana Garcia dos Santos, espancada com 61 socos dentro de um elevador, em Natal (RN), não é apenas o rosto machucado de mais uma vítima.
É o espelho da dor que tantas mulheres conhecem, mas que o mundo ainda tenta empurrar para debaixo do tapete. Os golpes não foram movidos por impulso. Foram entregues com método, com raiva fria, com a convicção de quem acredita ter o direito de punir. Aquela não era uma briga. Era um castigo por desobediência. Por dizer “não”. Por desejar liberdade.
Não chamemos de descontrole. Há uma lógica perversa por trás de cada gesto violento. Uma lógica que vem de longe, construída em silêncios e conivências, e que ensina — ainda hoje — que mulher é posse, que amor é dominação, que rejeição é ofensa. Essa lógica se disfarça de cuidado, se embala em presentes, se mascara em promessas.
Mas, no fundo, carrega uma vontade antiga de calar, submeter, punir. E é isso que os socos revelam: o fracasso de uma sociedade que ainda permite que amar seja sinônimo de machucar.
A agressão não começou ali, naquele minuto entre dois andares. Começou muito antes, nos dias em que o ciúme era chamado de zelo, em que as proibições vinham junto de “é para o seu bem”. Começou no isolamento dos amigos, no controle do celular, nas brigas por roupas ou horários. Começou nas pequenas humilhações cotidianas, aceitas porque “ele é assim mesmo”. A violência física foi apenas a última camada de uma prisão invisível, construída aos poucos, tijolo por tijolo, com aval do silêncio social.
Juliana tentou sair. E por isso apanhou. O corpo dela foi castigado não por erro algum, mas pela ousadia de escolher um novo caminho. Porque para o agressor, sair de casa, se afastar, pedir respeito — tudo isso era visto como rebeldia. E rebeldias, na cabeça de quem ama com ódio, devem ser sufocadas. Os socos, portanto, não buscavam apenas ferir: buscavam apagar a identidade, silenciar o desejo, reafirmar um poder que se sentia ameaçado.
Mas mesmo espancada, Juliana falou. Escreveu em um bilhete aquilo que sua boca, naquele momento, não conseguia dizer. Sua caligrafia trêmula tornou-se mais eloquente do que qualquer grito. Ali estava a força de uma mulher que, mesmo ensanguentada, se recusava a ser silenciada. E é esse bilhete que transforma dor em denúncia, medo em coragem, violência em memória. Um gesto pequeno que grita por todas as outras que ainda não conseguiram escrever.
As imagens da agressão circularam com força, invadiram telas, provocaram indignação. Mas o tempo das redes é breve, e a indignação cansa. Em poucos dias, a cena corre o risco de virar apenas mais uma entre tantas. Esquecida, arquivada, descartada. E é aí que mora o perigo: o de nos acostumarmos. O de assistirmos à barbárie com olhos cansados, sem nos perguntarmos o que podemos — e devemos — fazer para que ela não se repita.
O elevador, naquele dia, foi espelho. Mostrou a face de um mal que ainda se esconde em muitas casas, muitos relacionamentos, muitas rotinas. Mostrou que a violência contra a mulher não é exceção, mas sintoma. E que ela não acabará com leis apenas, mas com educação, com conversa, com coragem coletiva. Porque o problema não está só em quem agride, mas também em quem cala, quem desvia o olhar, quem relativiza o sofrimento alheio.
Todos sonhamos com um lugar de paz, com um horizonte bonito, talvez “Além das Montanhas”. Mas esse horizonte não será alcançado enquanto as mulheres precisarem temer o próprio lar, o próprio parceiro, o próprio caminho. A travessia para esse futuro exige que estejamos atentos nos espaços pequenos, nos corredores silenciosos, nos elevadores. Que sejamos companhia. Que sejamos voz.

Lucas Barros
Além das Montanhas
Jovem, advogado criminal, Chevalier na Ordem DeMolay e apaixonado por Nova Friburgo. Além das Montanhas vem para mostrar que nossa cidade não está numa redoma e que somos afetados por tudo a nossa volta.
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