Terra ingrata, terra farta

quinta-feira, 30 de abril de 2020

O projeto de assentamento de colonos suíços em Nova Friburgo, no início do século 19 foi reconhecidamente uma experiência desastrosa. As duas sesmarias que constituíam o distrito colonial eram de um modo geral terras incultas, com morros pedregosos e separados uns dos outros por estreitos vales que serviam de leito a numerosos regatos. Em algumas datas de terra nem para horta o solo era cultivável. Os morros estavam sujeitos a geadas, de meia altura até o topo, absolutamente incapazes de produzir em razão da exposição aos ventos.

Não habituados a lidar com a mata primária, ignoravam o ciclo do plantio das culturas nacionais, bem como as estações apropriadas para as sementeiras. Alguns colonos foram obrigados a trabalhar na terra ingrata lançando no solo estéril as parcas sementes que receberam do governo joanino. Nos lugares que vingaram mal dava a colheita para a alimentação das famílias artificiais que dividiam a gleba, sem produzir excedentes para o mercado.

Poucos foram os que à custa de muito trabalho e perseverança conseguiram tornar suas glebas produtivas. No entanto, nos “números”, como era conhecido o distrito colonial, com o passar dos anos alguns colonos conseguiram lograr êxito na cultura do milho que acabou se tornando a maior sua fonte de renda e principal produto da colônia. Mas faltava-lhes um mercado próximo, condição essencial para que possa prosperar uma colônia agrícola e que o governo joanino se descuidou. Onde vender, então, o milho e demais produtos da lavoura?

Os colonos suíços foram direcionados para a cultura de gêneros alimentícios, mas o custo do transporte em lombos de mulas do milho, da batata e do toucinho ao mercado de Sant’Anna e Porto das Caixas era muito oneroso. Alguns colonos abandonaram suas glebas não somente em razão da má qualidade das terras, mas também pelo estado deplorável em que se achavam os caminhos e as pontes no distrito colonial, impossibilitando-os de chegar ao mercado.

Em uma petição junto à Câmara Municipal pleiteiam o restabelecimento das estradas nas terras coloniais por serem intransitáveis, impedindo o transporte daqueles gêneros até a vila de Nova Friburgo. Nesse requerimento argumentam que se viam forçados a abandonarem suas terras. É notório que um dos maiores estímulos para a emigração estrangeira é a perspectiva de um progresso na vida material para deixar uma herança à sua descendência.

Considero o aviso de 29 de agosto de 1821, uma das iniciativas mais importantes de D. Pedro I para vigorar o projeto de colonização iniciado por D. João VI. Foi ordenado nesse aviso que nenhum colono seria constrangido a permanecer no distrito colonial contra a sua vontade. Por isso, muitos abandonaram suas glebas. Mais do que a possibilidade de deixar o distrito colonial foi o sinal verde para que os colonos ocupassem as terras devolutas o mais próximo da colônia, cuja extensão estaria limitada à capacidade de exploração das terras.

O que eram terras devolutas? Eram terras do governo concedidas anteriormente a beneficiários que as abandonam e retornavam à propriedade da Coroa. Após um ano e um dia comprovando a ocupação e exploração com roças das terras abandonadas e não havendo oposição de terceiros, a Câmara Municipal outorgava-lhes a posse legítima.

Quanto ao item no respectivo aviso da necessidade de “forças” de trabalho, como havia famílias suíças com vasta prole masculina e consequentemente muitos braços para a lavoura foi fácil atender a esse requisito. A possibilidade dos colonos terem escravos ainda era remota naquele momento e esse era normalmente um requisito para aquisição da posse legítima. Os suíços posteriormente fariam uso dessa força de trabalho.

O juiz Cansanção de Sinimbu nos informa que em um arrolamento no ano de 1839, a população de 701 colonos suíços possuía mais 152 escravos. O aviso igualmente determinava que a ocupação das terras devolutas deveria ser “no chão mais vizinho que for possível ao distrito da colônia”. No entanto, essa disposição não foi respeitada e os colonos foram em busca de terras em regiões muito distantes.

Não faltam exemplos como os Monnerat, Leimgruber e Lutterbach que abandonando as terras ingratas tresmalharam sertões adentro em busca das terras fartas transpondo os limites que lhes eram impostos. Consequentemente, na primeira geração já eram senhores de terras e de escravos. 

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    D.Pedro I vigorou o projeto de colonização em Nova Friburgo

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    Os colonos suíços abandonam as terras ingratas em busca de terras fartas

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    Os Monnerat foram em busca de terras fartas

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