Histórias de epidemias em Nova Friburgo

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Desde meados do século 19, as epidemias de varíola e notadamente de febre amarela assolavam municípios que tinham relações comerciais com Nova Friburgo. Uma epidemia de febre amarela em Cantagalo no ano de 1891 assustou a população friburguense principalmente em razão da linha férrea que ligava ambas as cidades. Naquela ocasião, quando havia notificação de doença infectocontagiosa montava-se uma operação de guerra mobilizando todas as instituições públicas.

O delegado da Junta de Higiene, os fiscais, os praças do destacamento policial e o delegado de polícia eram os responsáveis pelo cumprimento das medidas sanitárias. Quando um empregado da Companhia Leopoldina vindo de Porto Novo do Cunha foi acometido de varíola promoveu-se uma verdadeira mobilização na cidade envolvendo a própria companhia de trem.

O doente foi removido juntamente com toda a sua família para um rancho de trabalhadores da Leopoldina no alto da serra, distante seis quilômetros do centro da cidade. Fez-se a seguir a desinfecção da casa do varioloso e de todas as residências da vizinhança. Um cordão sanitário foi feito para evitar a comunicação com esse rancho, além de um cordão de isolamento com praças acampados. Além disso, foi construído um lazareto para isolamento dos doentes. Esse prédio cuja obra foi concluída no ano de 1894, existe até hoje no bairro das Duas Pedras.

Consultei um especialista em gerenciamento de crise para saber como se deveria proceder nos dias de hoje em caso de epidemia. Indaguei-o sobre as medidas que deveriam ser tomadas especificamente em razão da pandemia do vírus Covid-19, considerando os recursos disponíveis. Segundo ele, o primeiro passo, já que não criamos barreiras impedindo a entrada na cidade, seria localizar a fonte da contaminação. O segundo seriam as barreiras sanitárias. Em todas as entradas da cidade identificar a procedência de onde estão chegando os indivíduos e seus contatos com as áreas infectadas.

Outra providência a ser tomada seria estabelecer um local isolado adequado para receber pacientes com suspeita de contaminação, com estruturas laboratoriais adequadas ou encaminhamento a laboratórios de identificação rápida. Outra medida seria reunir os órgãos públicos fornecendo-lhes materiais adequados de proteção individual e também congregar profissionais especialistas para delinear ações destinadas aos focos de combate, segurança, logística e ações sociais de apoio aos munícipes desprovidos das condições básicas. Finalmente, a desinfecção de serviços de abastecimento de água, transporte e áreas de grande circulação.

Pelo que descreveu esse especialista, nossas práticas não diferem muito de nossos antepassados. Não há registro de epidemias de febre amarela e varíola em Nova Friburgo. Parece-nos que o lazareto construído para isolamento foi utilizado somente na década de 1930, do século seguinte. No ano 1918, a pandemia de gripe espanhola teve impacto em Nova Friburgo durante alguns meses, ocorrendo muitas mortes.

No entanto, de acordo com o historiador Adilson Donato Batista em História da Igreja de São Roque, a epidemia de tifo fez muito mais vítimas do que a gripe espanhola. Na década de 1930, a febre de tifo se espalhou em Nova Friburgo e o bairro de Olaria foi o mais atingido em todo o município. Nessa ocasião, foi feito uso das instalações do lazareto. Um caminhão com toldo verde e colchonetes passava recolhendo doentes para isolamento no lazareto. A visita era proibida e raramente os adoentados se recuperavam. Muitos nem tiveram conhecimento onde os seus familiares foram enterrados, mas tudo indica que havia um cemitério nos fundos daquele prédio.

De acordo com Donato Batista serviam uma sopa tão rala e aguada no lazareto que os doentes fugiam frequentemente para comer banana e goiaba nos arredores, ainda que sob a ameaça dos cães de guarda. Os doentes ficavam sob a vigilância de guardas à paisana que evitavam as fugas e aproximações de curiosos ou de parentes dos enfermados. O lazareto parece ter sido mais um depósito de doentes desenganados do que efetivamente de tratamento já que trabalhavam lá apenas voluntários, não sendo vistos médicos no local.

Não bastassem as epidemias circulou livremente pela cidade a marujada do Sanatório Naval acometidos pela tuberculose, que provocava temor de contágio na população friburguense. Proliferavam pensões no centro da cidade para receber os tuberculosos que buscavam na salubridade do clima das montanhas a convalescença dessa doença. A pandemia provocada pelo Covid-19 será mais um acontecimento funesto para entrar na história de Nova Friburgo.  

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    A epidemia de tifo atingiu muito mais o bairro de Olaria

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    Moradores do bairro de Olaria

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    O prédio do lazareto foi construído no ano de 1894 (Foto: Henrique Pinheiro)

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