Em qual Nova Friburgo você vive?

Lucas Barros

Além das Montanhas

Jovem, advogado criminal, Chevalier na Ordem DeMolay e apaixonado por Nova Friburgo. Além das Montanhas vem para mostrar que nossa cidade não está numa redoma e que somos afetados por tudo a nossa volta.

quinta-feira, 08 de agosto de 2024

Havia ruas, todas muito semelhantes umas às outras. Havia também ruelas ainda mais semelhantes umas às outras, onde moravam pessoas também semelhantes umas às outras, que saíam e entravam nos mesmos horários, pelas mesmas calçadas, para fazer o mesmo trabalho sacal.

E para quem cada dia era o mesmo de ontem e de amanhã, e cada ano o equivalente do próximo e do anterior. Afinal, nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia. Tudo passa e tudo sempre passará – de um modo para uns e de outro modo para outros. Cada um, com a sua luta e sua jornada.

No entanto, Nova Friburgo é uma cidade, mas não a mesma para todos que moram nela. A depender do seu CEP, renda mensal e cor de pele, a cidade revela-se de modos diferentes, numa escala que varia entre ir ou não tranquilamente para o trabalho, acessar ou ter negado seu direito à saúde e manter-se ou não seguro em casa durante uma chuva forte.

 

Nova Friburgo de uns e de outros

Podemos falar do foco no Turismo. Uma cidade turística que revolucionou os seus índices de visitantes nos últimos anos com as inovações propostas. Festas? E quem não gosta de festas? Festejar significa estar junto de quem gostamos com o único e sincero propósito de ser feliz.

Seria uma hipocrisia negar que a nossa cidade fica ainda mais linda em épocas de festas! Eu como morador da Avenida Alberto Braune e apaixonado por Friburgo, me encantava todos os dias com o que via pela janela. Grandes e pequenos shows. Natal Luz, Carnaval e tudo mais que tivemos em nossa cidade.

Abriram-se muitas oportunidades. Muitas pessoas tiveram oportunidades para mudar de vida nesses tempos de festa. Desde os hotéis que puderam dar um respiro desde a tragédia até as pessoas envolvidas nas festividades como os barraqueiros, artistas, produtores artísticos e donos de infraestrutura de eventos.

No entanto, aprendi que não posso me contentar com uma paixão cega e desarrazoada. É preciso também olhar para as outras Nova Friburgo existentes e suas inúmeras dificuldades. Em se tratando de saúde, vemos uma cidade cujas soluções estão distantes de podermos comemorar.

Em uma cidade com pessoas com plano de saúde – que reclamam do serviço – as pessoas que dependem do SUS, já não tem mais para quem reclamar. Em março de 2023 tivemos deflagada pela Polícia Federal, Ministério Público Federal e Receita Federal a operação Baragnose cuja finalidade foi desarticular uma organização acusada de fraudar licitações no Hospital Municipal Raul Sertã.

Um pouco mais tarde, mais más notícias. O teto da recepção do hospital caiu em meio às chuvas de final de ano. Mais um baque. Meses depois, foram detectados riscos biológicos, como: fezes de rato, pombos, risco de incêndio e de colapso na infraestrutura devido às infiltrações no principal hospital de nossa região.

Já em 2024, zero comemorações! A Operação Raio X detectou quase 20 irregularidades, desde o risco de infecção hospitalar até produtos químicos mal acondicionados no hospital. Pouco depois, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro detectou problemas que iam desde o alvará dos bombeiros até com a água potável da unidade.

E se não bastasse, quase perdemos um ente querido. Por meio de uma determinação judicial a interdição do Hospital Maternidade por conta de problemas na rede elétrica havendo riscos de incêndio deixou friburguenses apreensivos. Usuários frequentes do atendimento público de saúde, no qual eu me incluo, sabem que a situação é desesperadora.

Há também a Nova Friburgo para quem se locomova a pé, no conforto de morar perto do trabalho ou dos afazeres da vida em bairros próximos ao Centro. Doce é a vida de quem caminha olhando para as vitrines do comércio. Em outros bairros, como Nova Suiça e Ponte da Saudade, pessoas se arriscam no meio das ruas escuras, face a falta de calçadas e de iluminação pública.

Há ainda uma outra cidade para quem dirija. Anda, para. Anda, para. Anda para. Uma velha conhecida friburguense: a falta de gestão de trânsito de uma cidade, que apesar de arrecadar muito com multas, pouco investe no trânsito e na locomoção de quem precisa de carro.

Todavia não podemos esquecer que há ainda um município especial para pessoas que necessitam diariamente do transporte coletivo. Pagar caro para andar espremido. Não contam com qualquer pontualidade ou muito menos com o mínimo de infraestrutura nos pontos de ônibus que muitas vezes não tem banco, nem teto e nem placa indicativa.

Há também uma Nova Friburgo para os que possuem filhos que estudam na rede privada de educação, que apesar dos altíssimos preços na mensalidade, podem ter a certeza de contar com um ensino de qualidade. Entretanto, há outra cidade para aqueles que não possuem tal condição.

Em 2023, diante da realidade de muitos, da impossibilidade de pagar um ensino particular e conseguir trabalhar, uma decisão judicial teve que obrigar a Prefeitura de Nova Friburgo a atender diversas crianças de 0 a 3 anos que não estavam sendo atendidas nas creches municipais.

Mas o que faz uma única, pequena e pacata Nova Friburgo se transformar em tantas outras? A resposta é uma só: as políticas públicas. Quem está à frente das decisões da cidade precisa considerar as múltiplas realidades que ela contém. E quem está por trás, enxergar as necessidades além das nossas dores.

Nova Friburgo tem potencial para ser exemplo de cidade inovadora para as pessoas e não precisamos de muita inovação para isso.

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Jovem, advogado criminal, Chevalier na Ordem DeMolay e apaixonado por Nova Friburgo. Além das Montanhas vem para mostrar que nossa cidade não está numa redoma e que somos afetados por tudo a nossa volta.

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