Blog de paulafarsoun_25873

Haja intuição

quinta-feira, 07 de março de 2024

Você sabe qual a hora certa para tomar decisões? Possui esse superpoder? Sim, para mim, conseguir captar o momento exato da tomada de decisão coloca qualquer pessoa em um patamar diferenciado. Sim, porque a gente tem dúvida. Porque não é fácil. O futuro é incerto. E sim, cada um carrega dentro de si um passado recheado de experiências, inseguranças, medos, sonhos e valores de vida.

Você sabe qual a hora certa para tomar decisões? Possui esse superpoder? Sim, para mim, conseguir captar o momento exato da tomada de decisão coloca qualquer pessoa em um patamar diferenciado. Sim, porque a gente tem dúvida. Porque não é fácil. O futuro é incerto. E sim, cada um carrega dentro de si um passado recheado de experiências, inseguranças, medos, sonhos e valores de vida.

Não me refiro aqui às decisões cotidianas sobre o que vestir, para onde ir, o que fazer dentro da rotina do dia ou com quem interagir. Falo das decisões difíceis, cruciais, que podem mudar nossas vidas, impactar pessoas, ter consequências imponentes e algumas vezes, definitivas. Falo sobre decisões na carreira, mudança de cidade, escolher a pessoa certa com quem se relacionar, estilo de vida, finanças, família, saúde e a infinitude de coisas extremamente importantes sobre as quais precisamos pensar e decidir. E isso faz parte da vida, não dá para fugir.

Eu acho desafiadoras não apenas as tomadas de decisões, mas também a identificação do tempo certo para as coisas. E digo mais. Nós, mulheres, que muitas vezes carregamos toda a reserva mental sobre as decisões corriqueiras, igualmente, desde que nos entendemos por gente, somos também obrigadas a decidir sobre coisas muito sérias. E decidimos o tempo todo, inclusive quando não decidimos nada. Isso porque, a inércia, o deixar como está, para nós, também reflete um posicionamento. E também pode trazer consequências imponentes sobre nós mesmas.

Temos pratinhos a equilibrar em nossas mãos que parecem não caber. As pressões sociais são intensas e exigem de nós que pensemos o tempo inteiro. Já repararam esse fenômeno? Não é fácil. Há um desequilíbrio. O que se exige das mulheres não cabe em um dia, não cabe em uma vida. E nem todas nós temos o superpoder de identificarmos as prioridades daquela fase de nossa existência e tomarmos as decisões corretas no tempo certo.

É emoção demais. Pensamentos demais. Interações demais. Tarefas demais. Decisões demais. A sensação de tempo correndo demais. É tudo muito, sabem como é?  E eis que pesa, dói, sobrecarrega, desafia incessantemente. Haja intuição! Mas ainda bem que nós podemos contar com ela.

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A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.

Ventos da mudança

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Mesmo quando a maré está mansa, não significa que mansa para sempre permanecerá. Basta o sopro do tempo, o rebolar das correntezas, a inspiração da deusa do mar e as ondas vêm. É o movimento natural. Não existe maré calma eterna. Existe vai e vem da natureza, reboliço dos ventos, e logo a onda vem. Nós não escolhemos seu tamanho, não dimensionamos seu perigo, nem prevemos sua velocidade.

Mesmo quando a maré está mansa, não significa que mansa para sempre permanecerá. Basta o sopro do tempo, o rebolar das correntezas, a inspiração da deusa do mar e as ondas vêm. É o movimento natural. Não existe maré calma eterna. Existe vai e vem da natureza, reboliço dos ventos, e logo a onda vem. Nós não escolhemos seu tamanho, não dimensionamos seu perigo, nem prevemos sua velocidade. Elas chegam e nossas escolhas passarão por estarmos dentro ou fora do mar, condicionarmos nosso fôlego, aprendermos a nadar, aguçarmos nossa sensibilidade para identificarmos eventual perigo, domarmos o espírito aventureiro, ou controlarmos o medo.

A onda pode ser uma marola ou chegar com a força de um tsunami, sei lá, quem vai saber? Seja o que for, precisamos estar preparados para as mudanças que podem acontecer no minuto seguinte da vida. E que podem ser ótimas, mesmo se fáceis não forem.

Gosto de comparar a vida com a natureza, pois ao observarmos carinhosamente essa engrenagem divina maravilhosa, nos damos conta de que somos parte de tudo isso e não seus senhores soberanos.

Encarar desafios pode ser um treinamento grandioso de superação. Há um enorme prazer embutido nesse exercício contínuo superarmos a nós mesmos. Quão sem graça seria a existência se a vida fosse um marasmo contínuo do início ao fim. Bom, temo que isso sequer seria uma opção já que querendo ou não, o dia a dia é repleto de novos desafios.

Por que não acolher cada um deles como uma nova chance, uma oportunidade premiada, um grande negócio a ser feito? Transformar o medo pelo novo por motivação para seu encontro pode ser transformador. Ao invés de vislumbrarmos a muralha amedrontadora que pode estar por vir, podemos escolher avistar o belo oceano na condição mais linda que o Universo pode ofertar.

Fácil não é. Mas nossa postura diante de um desafio vai gerar uma energia que pode ser positiva ou negativa, a depender de como estamos acolhendo esse movimento da vida. Abdicações, renúncias, esforço,  preparação. Preparar-se para a execução da nova etapa. E durante todo o processo é aconselhável o treinamento do sentimento de gratidão, pois certamente se estamos diante de desafios, é sinal de que estamos vivos e em atividade, o que já merece nosso mais profundo agradecimento.

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Formas de comunicar

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

       Em tempos em que vangloria-se tanto a necessidade e coragem em se dizer tudo o que pensa, aqueles que preferem o silêncio muitas vezes passam por involuídos. Isso mesmo. Se antes poupar a si mesmo ou ao próximo de discussões, deixar de falar tudo o que supostamente não seria bem recebido pelo interlocutor, recluir-se em silêncio eram práticas desejadas, hoje, há quem diga que nem tanto. Pelo contrário.

       Em tempos em que vangloria-se tanto a necessidade e coragem em se dizer tudo o que pensa, aqueles que preferem o silêncio muitas vezes passam por involuídos. Isso mesmo. Se antes poupar a si mesmo ou ao próximo de discussões, deixar de falar tudo o que supostamente não seria bem recebido pelo interlocutor, recluir-se em silêncio eram práticas desejadas, hoje, há quem diga que nem tanto. Pelo contrário. Basta um bate-papo em uma roda de amigos e cedo ou tarde alguém acaba explicitando que a hora da verdade soou, que não faz bem para a saúde guardar sentimentos e opiniões e que o processo de libertação para por essa franqueza no trato social.

        E a legião das pessoas que não desejam adoecer por guardar além das palavras engolidas sem ser ditas, as mágoas remoídas é deveras crescente. Esse caminho passa pelo autoconhecimento e algumas vezes descamba para o extremo posto: dizer tudo o que sente, sem traquejo e muitas vezes, sem sensibilidade. E então, ao invés de os sapos serem engolidos, passam a ser jogados no colo do outro sem parcimônia.

        Esse assunto surge em muitas conversas. Poucas vezes alguém aponta para o caminho do meio como algo a ser considerado. E então surge a indagação: o equilíbrio é o meio mesmo? Fato é que o ponto de equilíbrio varia de pessoa para pessoa. E só especialistas podem aprofundar o assunto. 

        Eu mesma, que costumo buscar a interação eficiente e ter resposta para tudo, por esses dias andei sem palavras. De verdade. Sem vontade de dizê-las, talvez. Sem motivação. Buscando uma luz que ao final só conduzia para o silêncio e uma vontade toda minha de revisitar a introspecção. Aliás, a busca pelas práticas de silêncio e o voltar-se para si conquista cada vez mais adeptos. Mas seria possível vivê-la em público, cercada de pessoas, de demandas sociais? E então, como de costume, a reflexão vem. E mais uma vez, a conclusão a que não chegamos (por complexa que é) e o percurso que aponta para um sentido: não devemos julgar as pessoas. Ninguém.

Cada pessoa trava suas batalhas diárias, algumas delas inglórias. Uns vão sentir necessidade de compartilhá-las com maior número de pessoas. Outros irão se retrair. Muitos se voltarão para a natureza e sua comunhão com ela serão seu reencontro com o estado de equilíbrio. Não podemos julgar nenhuma delas.

          Uma boa técnica, que na verdade é empirismo, passa justamente por lapidar um conceito básico que deveria se fazer presente em mais momentos de nossas existências: o respeito. A si próprio. Aos outros. A toda a coletividade. Dizer tudo o que pensa ferindo pessoas desnecessariamente, não me parece o melhor roteiro de vida. Da mesma forma, ser destinatário de um contingente de remorso por não conseguir expressar o que se sente, também não. A verdade é que cada um sabe de si. Mas acho que o trato com a comunicação interna, social e com o mundo, poderia ser mais bem refinado...

        Palavras que somem podem se perder em um lugar desconhecido por todos. Aquilo que deveria ser dito e não foi. Aquilo que felizmente não foi dito, mas foi pensado. Há tantas formas de se comunicar. Ricas formas. E dependendo do contexto, um bamboleio de pálpebra diz realmente mais que mil palavras. Ah, se diz ...

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Sem jogo

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Maria circulava por aí. Todo santo dia, mil tarefas por fazer, atividades de não dar conta, alguma energia vital, e a vontade de fazer dar certo. Seu simples viver dentro da normalidade, a intrigava por uma razão: ela não conseguia compreender a razão de alguém sempre exigir-lhe recompensas por alguma coisa ou indagar-lhe sobre seus interesses pelos feitos. Ela sequer conseguia explicar, mas relatara o que lembrava.

Maria circulava por aí. Todo santo dia, mil tarefas por fazer, atividades de não dar conta, alguma energia vital, e a vontade de fazer dar certo. Seu simples viver dentro da normalidade, a intrigava por uma razão: ela não conseguia compreender a razão de alguém sempre exigir-lhe recompensas por alguma coisa ou indagar-lhe sobre seus interesses pelos feitos. Ela sequer conseguia explicar, mas relatara o que lembrava.

Certo dia, em seu trabalho, no executar normal de sua função, precisou se debruçar um pouco mais sobre algumas questões para entregar um resultado melhor a um cliente, cujo caso era menos rotineiro e mais complexo. O fez por dever de ofício, responsabilidade e intenção de solucionar a demanda. Ao terminar o serviço, aliviada e com sorriso no rosto, informou que tudo estava dentro da conformidade e finalizou a demanda. Eis que um colega, em sequência, indagou-lhe se aquele cliente era alguém importante a merecer tamanho empenho e exclamou que agora ele lhe devia um bom favor. Ela, que sequer havia pensado nisso, manteve-se calada e pôs-se a refletir.

Outro dia, ao se deslocar de carro, percebeu que o pneu estava furado. Encostou o veículo e em seguida, foi ajudada por uma pessoa do bairro que vinha logo atrás. Com o auxílio, sentiu-se aliviada e grata. Simpatizou-se com aquele que havia trocado seu pneu, e antes mesmo de perguntar como poderia retribuir a gentileza, ele afirmara em tom de brincadeira: “- Você me deve essa, vou aparecer para cobrar.” Rindo, ela respondeu que sim. E seguiu.

Coisas assim, aconteciam todos os dias, desde gestos brandos a propostas absurdas. Existir fazendo a coisa imputada como certa já lhe colocaria em posição de credora e também de desconfiança, afinal, qual a necessidade de dedicar-se tanto sem querer nada em troca? Começou a reparar, então, como parte da sociedade se coloca, talvez de forma inconsciente, sobre um tabuleiro de jogo, em que ganhar vantagens, dever favores, passar a frente, eliminar adversários, somar pontos passa a incorporar o cotidiano. Esse jogo, Maria, simplesmente, não queria jogar. Mas estava ali, exposta feito uma peça sem opção de não participar.

Ela queria que sentir gratidão bastasse, que dever comprometimento fosse o necessário e conviver com cooperação, harmonia, sensibilidade e responsabilidade fosse regra e não exceção. Sentiu-se a “estranha no ninho”, o “peixe fora d´água”, o “patinho feio”. E conformou-se. E resistiu. Segue circulando por aí e esforçando-se em suas mil atividades, sem interesses escusos. Prefere um olhar grato. E lhe basta.

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Como começar um texto

quinta-feira, 08 de fevereiro de 2024

            Como começar um texto? Às vezes é muito simples, outras, nem tanto. Depende do pensamento que te inspira a compilar esse emaranhado de ideias em algumas palavras. Hoje fiquei refletindo sobre a linguagem, os idiomas diferentes e sua possível interferência no modo de sentir das pessoas.

            Como começar um texto? Às vezes é muito simples, outras, nem tanto. Depende do pensamento que te inspira a compilar esse emaranhado de ideias em algumas palavras. Hoje fiquei refletindo sobre a linguagem, os idiomas diferentes e sua possível interferência no modo de sentir das pessoas.

            Sabemos que a palavra saudade nos é própria. Coisa nossa. Mas também parece certo que o sentimento correspondente à saudade é universal. Quase não consigo assimilar um ser humano que não se conecte com esse sentimento. Volta e meia de alguma maneira, me conecto com pessoas cuja linguagem, por ser tão diferente e não familiar, aparenta ser mais fria, menos emocional. Por aqui, convivemos com pessoas que muitas vezes não têm noção sobre as regras de linguagem idiomática, mas que dominam a linguagem corporal e se fazem entender muito bem. Sentindo.

            Para muito além do palavreado, a expressão corporal no Brasil diz muito sobre nosso povo. Temos, de maneira geral, uma queda por contato físico. Abraço para nós é algo rotineiro, próximo. As pessoas que às vezes acabam de se conhecer, cumprimentam-se com beijos no rosto – algo deveras íntimo. Nós somos de encostar, de andar de mãos dadas, de tocar no outro enquanto conversamos. Terminamos uma prosa com um “eu te amo”, mandamos beijos pelo telefone, choramos com as estórias dos outros, sorrimos para desconhecidos, partilhamos de emoções de forma única.

            Um teste interessante tem a ver com a capacidade que temos de fazer amigos, com a facilidade de interagir em ambientes sociais, com a ausência de barreiras para trocar ideias, fazer perguntas. Obviamente não estou generalizando. Mas se pararmos para pensar, se convivermos com pessoas de culturas muito diferentes, se tivermos a oportunidade de viajar e observar pessoas dos mais diversos lugares, talvez nos aproximemos dessa conclusão.

            Amor é sentimento universal, mas creio que as formas de amar, as demonstrações desse amor, sofrem interferência direta com o lugar em que vivemos, a forma como somos criados e educados e até mesmo da linguagem. Assim, imagino que seja a tristeza, a frustração, a melancolia, a alegria, a satisfação e muitos outros sentimentos. Mas há algo que eu acho que realmente seja universal, que não podemos mudar, não podemos interferir, não podemos criar fórmulas para controlar – ninguém pode: o tempo. Sobre ele, já diria Cazuza, não para. Aproveitemos, pois. Isso sabemos fazer.

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Limites

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Ela se doía ao ter que dizer um “não”. Sofria a ponto de não conseguir fazê-lo. Era muito para ela. Atravessar essa barreira quase intransponível entre ceder e selecionar era uma grandiosa missão. Para o mundo, “sim”. Para os outros, “sim”. Para ela, só o que sobrava dela mesma. Quase nada.

Ela se doía ao ter que dizer um “não”. Sofria a ponto de não conseguir fazê-lo. Era muito para ela. Atravessar essa barreira quase intransponível entre ceder e selecionar era uma grandiosa missão. Para o mundo, “sim”. Para os outros, “sim”. Para ela, só o que sobrava dela mesma. Quase nada.

Não tinha tempo. Não tinha energia. Não se satisfazia com suas escolhas. Para cada tarefa nova assumida, era um sonoro “não” que intimamente ouvia e que apenas ela sabia. E então se perguntava se seria uma patologia não conseguir negar um pedido de alguém. Sentia-se incapaz de recusar alguma situação, de esquivar-se de fazer algo quando ia além de seu propósito, de sua capacidade e de sua energia. Não sabia andar até o limite do alcance de suas próprias pernas.

Quem sofre de não saber dizer “não”, sabe o peso gerado pelo acúmulo de afazeres assumidos. Ela era assim. E já esclareço aos leitores que ainda que eu me identifique em parte com ela, não sou o eu lírico desse texto. Essa lição eu já aprendi. Nessa moça, na verdade represento todos aqueles que estão sobrecarregados justamente por não conseguirem respeitar seus limites e assumirem menos do que o mundo exterior demanda deles. Desde as pequenas coisas às grandiosas. Desde futilidades às funções elementares.

Um dia, a vida – a mais sábia dos sábios, cuidou de ensinar à menina que para cada “não” sentenciado, ela abria a porta para inúmeros “sim”. E descobriu que sim, a vida é feita de escolhas sob muitos aspectos, e que ela deveria aprender a escolher, a aprender a impor limites, a respeitar sua própria capacidade ( inclusive de discernir o que deve e o que não deve, o que pode e o que não pode, o que quer e o que não quer).

Resolveu investir no seu autoconhecimento e refletir sobre o que deveria fazer por obrigação de trabalho. O que deveria fazer por amor. O que deveria fazer por missão de civilidade. O que fazer por prazer. Ou por necessidade. Ou pelo querer. E o que era excesso. Separou o joio do trigo. Concluiu que muito do que fazia era excessivamente oneroso para sua vida e sua própria saúde.

Desde a concepção de que dizer não para alguém ou para alguma situação não faria com que fosse menos amada ou querida, foi assimilando que seria capaz de assumir o que fosse suficiente e não o que não conseguisse escapar por dizer “sim” para tudo. Saber se impor dentro dos seus critérios de ética e utilidade foi um processo de superação de valor inestimável.

Só quem tem esse perfil de querer dizer “sim” para tudo e todos talvez entenda o sofrimento que pode existir por trás dessa característica. A sobrecarga, o peso, o arrependimento, a culpa pela imperfeição, o acúmulo de tarefas, a falta de tempo são consequências dessa incapacidade de delimitar limites, e aqui me permito a redundância das palavras.

Ao aprender, finalmente, a dizer necessários “nãos” para certas coisas, ela conseguiu se cuidar mais, amar mais seu ofício, destinar mais tempo à sua família, fazer suas tarefas com mais paz e a viver com maior qualidade de vida. Ela entendeu que dizendo “não” aos excessos de tudo e às demandas externas infinitas, estaria na verdade escolhendo dizer “sim” para si mesma.

Gabriel Garcia Márquez escreveu: “O mais importante que aprendi a fazer depois dos 40 anos foi a dizer não quando é não.” Faz sentido pra você também?

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Desconecta

quinta-feira, 07 de dezembro de 2023

Seria um dia como qualquer outro, mas não era. Não, porque em todos os demais dias, o despertador toca às seis da manhã, os segundos que passam pela catraca são computados, a agenda está sempre lotada e o cansaço que lhe é praticamente inerente sinaliza o dia cheio de trabalho, compromissos e tarefas. De nada reclama, afinal, ele é brasileiro, emprego está difícil, ele tende a ser feliz e não costuma desistir da labuta por conta de dias cheios.

Seria um dia como qualquer outro, mas não era. Não, porque em todos os demais dias, o despertador toca às seis da manhã, os segundos que passam pela catraca são computados, a agenda está sempre lotada e o cansaço que lhe é praticamente inerente sinaliza o dia cheio de trabalho, compromissos e tarefas. De nada reclama, afinal, ele é brasileiro, emprego está difícil, ele tende a ser feliz e não costuma desistir da labuta por conta de dias cheios.

Aquele dia era especial pois ele estava de férias. Havia planejado desligar-se dos problemas do mundo e aproveitar para descansar. Ele nada fez. Não teve nenhum compromisso, página da agenda vazia, sequer de problema se lembrava. Pronto, era o tão almejado “dia de fazer nada” que ele sonhou pelos últimos 12 meses. Sem despertador, inclusive.

Mas algo deu errado no plano. Não teve o som do alarme tocando cedo como de costume, mas logo ao despertar, as luzes da tela do celular ofuscaram sua visão ainda embaçada pelo sono. Sua mente que deveria encher-se de nada (vale a antítese), ocupou-se da vida dos outros. Ao aparecer “online” para o mundo, atraiu para si demandas que não pretendia ter. Mas visualizou, não teve jeito. Foi tragado pela tela. O canto dos passarinhos que pretendia ouvir, fora sumariamente esquecido e substituído por vozes, músicas, ruídos. Aquele barulho que a gente sabe. E ao final daquele dia de “descanso”, sentiu-se exausto.

Cansado sem compreender a razão, sentia dores no pescoço e os ombros pareciam rígidos. Foi premiado por uma dor de cabeça ao entardecer além de minado pela sensação de dia perdido. Ele estava certo. Perdeu sua energia para as telas, por sua própria responsabilidade e escolha. Deixou o tempo passar sem que percebesse o desperdício. Não fez o que queria ter feito – ou que não queria, pois nada fazer além de uma escolha, dependendo da conjuntura, é um privilégio. É a vida moderna. E “ele” representa cada um de nós. Será que também se indaga se fomos feitos para confrontar nossos sentidos com tantas informações e experiências visuais, auditivas, sensoriais? Artificiais.

Decidiu desligar. Não a si próprio, mas o aparelho celular em primeiro lugar. Despiu-se da necessidade de se manter conectado com tudo e todos ao mesmo tempo. Optou por se conectar consigo. No primeiro momento, foi difícil romper com o vínculo viciante que o interconecta com suas telas de estimação. Mas estava decidido. Resolveu ser grato pelo “salvador da pátria”, “amigo aguerrido”, “meio de trabalho”, “curador de feridas e matador de saudade” do dia a dia e desligá-lo de si por algumas horas. Optou por desintoxicar-se da adorável tela viciante. Sofreu uma espécie de abstinência no início, mas perseverante que era, se venceu. E ao se superar, finalmente, conseguiu descansar. Reparou nas folhagens. Preparou seus alimentos com calma. O tempo rendeu. Viveu os momentos presentes. Presente. Respirou em paz.  Enfim, libertou-se.

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Peço felicidade

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Dezembro chegou. Estamos há poucos dias do Natal e as músicas típicas da época já entoam os ambientes. “Papai Noel, vê se você tem a felicidade pra você me dar.” É o pedido feito na letra da canção “Boas Festas” de Simone, que ouvimos (e por vezes cantamos) em todo canto todos os anos. Se o Papai Noel realmente existisse e tivesse o condão mágico de realizar desejos, quantos de nós clamaríamos por esse presente: a felicidade? Não posso dizer que todos, pois sabemos que a unanimidade é tola. Mas acredito que muitos. Se a felicidade não é o destino que perseguimos, o que mais desejamos?

Dezembro chegou. Estamos há poucos dias do Natal e as músicas típicas da época já entoam os ambientes. “Papai Noel, vê se você tem a felicidade pra você me dar.” É o pedido feito na letra da canção “Boas Festas” de Simone, que ouvimos (e por vezes cantamos) em todo canto todos os anos. Se o Papai Noel realmente existisse e tivesse o condão mágico de realizar desejos, quantos de nós clamaríamos por esse presente: a felicidade? Não posso dizer que todos, pois sabemos que a unanimidade é tola. Mas acredito que muitos. Se a felicidade não é o destino que perseguimos, o que mais desejamos?

O conceito de felicidade é que muda consideravelmente de pessoa para pessoa. Há quem sinta a plenitude ao degustar um bom vinho. Conversa com os amigos. Uma viagem desejada. Abraço de gente querida. Há quem se alegre com os presentes materiais, com a aquisição de bens, com a realização de um sonho. Há as súplicas pelo príncipe encantado, pela aprovação nas provas finais. O desejo impossível de trazer pessoas que se foram de volta... Tanta gente está de olho nas rabanadas, panetones e quitutes deliciosos (alguns fugindo das uvas passas, é verdade).

Mas, e a tal felicidade, aquela profunda, perene, desejada, praticamente inatingível? Será mesmo que alguém poderia nos presentear com esse sentimento? Segue realmente o movimento de fora para dentro e não de dentro para fora? Saudade da infância em que a ingenuidade nos faz imaginar que uma carta escrita com amor, posta em uma árvore de natal, poderia surtir o efeito almejado. Bastaria ter sido “boa pessoa” o ano todo. Doce ilusão.

A bem da verdade, felicidade é responsabilidade individual, busca solitária e constante, norteada por valores de vida e bastante esforço pessoal agregado a tantos outros elementos. Ainda que existisse a figura encantada realizadora de desejos, quantos seríamos verdadeiramente merecedores dos prêmios pretendidos? Fazer por merecer é o caminho. A vida inteira.

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O que deu errado?

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

            “Quem me dera ao menos uma vez, acreditar por um instante em tudo que existe. E acreditar que o mundo é perfeito e que todas as pessoas são felizes.” Renato Russo imortalizou essas palavras. Faço minhas as suas palavras...e sentimentos. Quem me dera!

            “Quem me dera ao menos uma vez, acreditar por um instante em tudo que existe. E acreditar que o mundo é perfeito e que todas as pessoas são felizes.” Renato Russo imortalizou essas palavras. Faço minhas as suas palavras...e sentimentos. Quem me dera!

            Quem diria que chegaríamos no século 21 e tanta coisa permaneceria socialmente mal resolvida? Posso recordar, ainda que com vagos lampejos de lembrança, que havia na década de 1990 uma esperança turbinada por ocasião da virada do século. Um misto de medo, de desconfiança, de graça, de ilusão e bastante esperança. Quem se lembra?

            Havia uma profecia de Nostradamus dando conta de que o mundo acabaria no dia 11 de agosto de 1999. Teve gente que acreditou. Lembro-me de naquele dia, ainda uma adolescente, estar na estrada rumo a um evento especial para a minha família, olhando pelo vidro da janela do carro, deparei-me com um pôr do sol incrível e, pasme, numa fração de segundo me perguntei se aquele seria o último. É, o planeta não desintegrou e cá estamos nós enquanto humanidade morando na Terra. Havia uma curiosidade se tudo continuaria igual com a virada do século. Havia uma postergação de compromissos para o ciclo seguinte, coisas importantes, projetos vindouros, investimentos, decisões que só seriam tomadas no século 21. Quem se lembra?

            Pois já estamos em 2023, beirando 2024. Sim, ano de dois mil e vinte e quatro! Quem diria. O futuro chegou e cá estamos nós. Não andamos em carros que voam, não vivemos em cidades sustentáveis nem descobrimos a cura do câncer. E agora, José? Algo novo por vir? Aguentamos ainda mais? Estamos sobrevivendo a um turbilhão, a uma sequência de acontecimentos complexos. Paira uma sensação de realmente precisarmos valorizar o aqui e agora. Atenção plena. A vida está acontecendo neste segundo. O dia de amanhã... a gente não sabe.

            Em pleno século 21 vivemos a barbárie das guerras, temos milhões de pessoas com insegurança alimentar, mulheres são estupradas, homenagens à ditadura, consequências de uma pandemia, calçadas mais cheias de pessoas sem lares, a violência doméstica se propalando, professores sendo agredidos por alunos, mais alimentos com agrotóxicos sendo consumidos do que orgânicos, xenofobia, misoginia, homofobia, racismo e por aí vai.

            O que deu errado? Estamos no século 21. Era para ter zerado o jogo, começado de novo, em outro patamar, um nível acima. Quantas gerações imaginaram tempos atrás sobre como estaríamos vivendo agora. Estaríamos convivendo com robôs? Teríamos alcançado a almejada paz no Oriente Médio? Conseguiríamos eliminar a fome no mundo? Teríamos inventado a máquina do tempo em vez de perdemos tanto tempo com tanta coisa inútil? Já pararam para refletir se os nossos antepassados estariam orgulhosos de nós, do que estamos fazendo com o planeta? De como estamos lidando com os demais seres? De como cuidamos do meio ambiente? Estamos sendo bons exemplos para as futuras gerações? Deixando um legado primoroso?

            Vamos pensar sobre isso. Talvez dê tempo de pularmos de fase nesse jogo, conquistarmos territórios importantes, vencermos o mal no final de etapa para zerarmos essas batalhas há anos, décadas, séculos travadas. Estamos com o controle nas mãos ou somos os personagens do jogo? O que podemos fazer para vencer?

            Quero, sinceramente, ao chegarmos no século que vem, ser poupada de fazer parte de uma geração destrutiva. Dá tempo. Vamos nos unir para fazer diferente o que poderia ser melhor. E será. A esperança continua viva, em pleno século 21.

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Apesar dos pesares

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

A cada dia que passa a vida mostra que saber ouvir é mais que uma habilidade rara, mais do que uma necessidade, mais do que uma demanda social. É um dom. Proponho uma breve observação. Quantas pessoas falam ao mesmo tempo nas mesmas rodas de conversa? E dessas, quantas estão falando sobre si mesmas, sobre suas próprias vidas, seus anseios individuais e seus problemas? Quantas estão a reclamar o tempo todo?

A cada dia que passa a vida mostra que saber ouvir é mais que uma habilidade rara, mais do que uma necessidade, mais do que uma demanda social. É um dom. Proponho uma breve observação. Quantas pessoas falam ao mesmo tempo nas mesmas rodas de conversa? E dessas, quantas estão falando sobre si mesmas, sobre suas próprias vidas, seus anseios individuais e seus problemas? Quantas estão a reclamar o tempo todo?

Em sequência, proponho que observem quantas pessoas ouvem atentamente a história do outro, olham nos seus olhos e efetivamente parecem se importar com as informações compartilhadas.

Dia desses me aconteceu algo curioso. E que curiosamente sempre acontece. Comigo! Estive com uma pessoa que pouco vejo e com quem não tenho intimidade alguma. Mas a quero muito bem e ela deve perceber. Estivemos juntas por 20 minutos apenas e em uma circunstância incomum. Pois bem. Nesse interregno de tempo eu pude saber das dores mais profundas pelas quais ela passa, do sofrimento de sua família, sobre suas recentes perdas e dificuldades. Coisas que só contamos a Deus quando colocamos a cabeça no travesseiro. Ela não estava lamuriando. Definitivamente não estava. Abriu seu coração simplesmente por sentir que teria dois ouvidos disponíveis por algum tempo e talvez um coração aberto a acolhê-la de alguma maneira. Talvez um olhar sincero além dos ouvidos atentos.

Confesso que quando ela começou a contar sobre sua vida, olhei no relógio e lembrei-me o tanto de afazeres que ainda tinha por fazer. Por alguns segundos senti medo da demora e pensei em mudar o rumo da prosa, imaginando o tanto que ela se prolongaria. Por pouco não a interrompi. Não daria tempo, eu não tinha realmente disponibilidade aquela hora. Afinal, já sabemos as horas voam.

Não raras vezes eu imagino que “aquela pessoa” poderia ser minha mãe ou minha avó e que eu gostaria de que elas fossem sempre tratadas com zelo, respeito e atenção quando decidissem abrir o coração com alguém. Um pensamento um tanto egoísta que às vezes vem. Não por isso. Muito mais frequentemente eu me coloco no lugar de uma pessoa estranha e procuro buscar entender como ela se sente e volta e meia percebo que ela precisa simplesmente do que mais posso oferecer: atenção (que não necessariamente é sinônimo de tempo) e carinho.

Dessa vez foi assim. Felizmente eu perseverei alguns segundos, me acomodei melhor na cadeira e me pus a ouvi-la como se tivesse a eternidade à sua disposição. Olhei atentamente para aqueles olhos cansados de um dia de trabalho exaustivo que escondiam por trás dos óculos um semblante triste, abatido e desolado. Senti de forma profunda que ali residia uma enorme dor. E sem que eu proferisse uma palavra (eu juro, nenhuma palavra) ela confiou a mim suas profundas aflições.

Enquanto ela falava, eu agradecia. Agradecia por estar ali naquele exato local e momento podendo ser útil a alguém como ela. Agradecia por não ter posto o meu egoísmo e a minha pressa à frente do sentimento dessa pessoa. Agradecia por meu coração naquele momento estar livre daquelas angústias vividas por ela. Agradecia por conseguir me transportar para o lugar ocupado por ela, entender seus anseios. Agradecia por ser eu a estar ali. Agradecia por isso sempre acontecer comigo e apesar de eu não conseguir me vencer sempre, por estar ali tentando, mais uma vez, com mais uma pessoa. Agradecia pelo dom de ainda saber ouvir.  Muito mais do que por meio dos ouvidos.

Ao fim da conversa – eu, com os minutos contados e ela, atrasada para pegar seu ônibus - bastou um abraço e sem que eu dissesse nada, encerramos aquela longa conversa. Que experiência rica. Como estamos carentes de um interlocutor de verdade, com quem possamos simplesmente compartilhar, não só o lado bom da vida, mas também as profundezas da alma. Sem julgamentos.

Dali saímos e eu rezei por ela. Apesar da correria do dia a dia, do ruído e da ansiedade social, não me esqueci de que ainda sei ouvir. E mais uma vez agradeci por não ter ensurdecido a alma. Apesar dos pesares.

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