Desde sua eleição em março de 2013, o papa Francisco fez do verbo uma das ferramentas mais poderosas de seu pontificado. Em entrevistas, audiências públicas e declarações espontâneas, suas palavras ganharam projeção global por tocarem em temas delicados com franqueza incomum no Vaticano. Em 12 anos de papado, Francisco demonstrou que um líder religioso pode ser, ao mesmo tempo, espiritual e profundamente atento às dores do mundo. Suas frases, muitas vezes simples e diretas, se tornaram emblemas de uma postura pastoral que privilegia a escuta, a compaixão e o enfrentamento de injustiças.
“Ontem, crianças foram bombardeadas. Isto não é uma guerra. É crueldade.” Com essa frase, proferida em dezembro de 2024, Francisco reagiu ao bombardeio de Israel na Faixa de Gaza que matou 25 crianças. Foi um dos momentos mais fortes de seu pontificado recente, em que se posicionou com clareza diante dos horrores do conflito. O papa foi uma das vozes mais firmes a pedir cessar-fogo e negociações de paz, não só no Oriente Médio, mas em várias frentes de conflito ao redor do mundo.
A defesa da paz, no entanto, não o impediu de criticar governos de forma direta. Em 2024, diante da repressão a protestos na Argentina, seu país natal, o papa ironizou o uso da força estatal: “O governo se manteve firme e, em vez de gastar com justiça social, gastaram com spray de pimenta.”
A crítica veio após uma menina ser atingida por gás durante uma manifestação de aposentados. Mesmo depois de ser chamado de “enviado do diabo” por Javier Milei antes da eleição, Francisco recebeu o presidente no Vaticano. Mas não deixou de marcar sua posição.
A fala política de Francisco sempre caminhava junto da preocupação social. No início de seu papado, ele afirmou com clareza: “Como eu gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres.” A frase resumia não só uma preferência evangélica, mas também seu projeto de aproximar a Igreja das periferias do mundo. Em sua conduta pessoal, ele adotou hábitos simples, recusou palácios e usou veículos modestos.
“Dói ver um padre ou uma freira com um carro de último modelo”, afirmou certa vez, numa crítica direta ao luxo dentro do clero. A ideia de uma Igreja em saída, que vai ao encontro do povo, se fortaleceu nesses gestos e falas.
A aproximação com os fiéis também se refletiu na forma como o papa lidava com os temas de família e sexualidade. “Algumas pessoas acreditam que para sermos bons católicos temos que nos reproduzir como coelhos, mas não”, disse em 2015, ao defender a paternidade responsável. Embora não tenha mudado a doutrina da Igreja sobre contracepção, Francisco propôs uma abordagem mais humana e prática: os católicos devem ter filhos com responsabilidade, levando em conta a sua realidade.
Mas talvez nenhuma declaração tenha tido o alcance simbólico da famosa frase: “Se uma pessoa é gay, busca o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”. Proferida em julho de 2013, ainda nos primeiros meses de pontificado, a fala representou uma virada no discurso da Igreja sobre a comunidade LGBTQIA+.
Nos anos seguintes, Francisco continuou a defender o acolhimento e, em 2023, autorizou a bênção a casais do mesmo sexo — uma decisão histórica, ainda que mantendo a separação em relação ao matrimônio sacramental. Em outro momento, afirmou que a Igreja deveria pedir perdão aos homossexuais por marginalizá-los.
Essa disposição em pedir perdão se manifestou com ainda mais força diante da maior ferida da Igreja nos tempos modernos: os abusos sexuais cometidos por membros do clero. “Essa também é a minha vergonha, a nossa vergonha, a minha vergonha, pelo fracasso da Igreja por tanto tempo em colocá-los no centro de suas preocupações”, declarou Francisco, visivelmente emocionado.
Ele aboliu o segredo pontifício para casos de abuso e incentivou a cooperação com a Justiça civil. Em entrevista, reconheceu: “O abuso infantil é uma doença. E precisamos nos esforçar mais para selecionar candidatos que queiram ser padres.”
Essas frases, algumas de compaixão, outras de denúncia, sintetizam a personalidade de um papa que se recusou a ser apenas uma figura simbólica. Francisco trouxe a linguagem da rua, da periferia e do povo para dentro do Vaticano. Abriu espaço para novas interpretações, mesmo quando não rompeu com velhas estruturas. Falou o que muitos precisavam ouvir, mesmo quando contrariou interesses.
Ao longo de seu pontificado, Francisco tem mostrado que o poder da palavra pode ser revolucionário, especialmente quando vem de alguém que representa uma instituição milenar. Em um tempo de incertezas, suas frases seguem ecoando como orações, alertas e, acima de tudo, convites à empatia.
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