“Faltam medicamentos e insumos. Médicos estão sofrendo assédio moral”

Essas são algumas denúncias feitas por profissionais de saúde que participaram de sessão especial na Câmara dos Vereadores
sexta-feira, 08 de outubro de 2021
por Christiane Coelho, especial para A VOZ DA SERRA
O médico do Hospital Raul Sertã José Cláudio Alonso fala na sessão (Fotos: Fernanda Guimarães)
O médico do Hospital Raul Sertã José Cláudio Alonso fala na sessão (Fotos: Fernanda Guimarães)

A sessão da Câmara Municipal da última quinta-feira, 7, promoveu um grande debate sobre a saúde pública em Nova Friburgo. A reunião foi realizada a pedido da vereadora Priscilla Pitta. Participaram do encontro o médico do Hospital Raul Sertã, José Cláudio Alonso;  Alexandre Vieiralves, representando o Sindicato de Médicos do Centro-Norte; e Renato Abi-Ramia, presidente do Sindicato dos Médicos do Centro Norte Fluminense. Eles relataram diversos problemas na saúde pública. 

Para José Cláudio Alonso, sua participação foi um pedido de socorro da classe médica ao Legislativo. Segundo ele, faltam insumos básicos, medicamentos, EPIs (equipamentos de proteção individual) e os funcionários do Hospital Raul Sertã, que fazem denúncias, estão sofrendo retaliações. “Não há planejamento na atual gestão e quem denuncia sofre assédio moral e desligamento. Sou concursado, por isso, represento os cerca de 150 médicos que atuam no Raul Sertã”, disse ele.

De acordo com o médico, falta o básico para fazer o atendimento à população. “Há duas semanas um idoso de 91 anos chegou grave à emergência, com crise de vesícula, e não era possível fazer procedimento de maior porte pelos problemas cardíacos que ele apresentava. Decidimos fazer um procedimento pequeno com anestesia local, mas não havia anestésico local no hospital. Fiz o procedimento de puncionar o local para drenar o pus, sem anestesia para tentar salvá-lo. Uma semana depois foi achada uma ampola de anestésico local. E aí foi feito o procedimento necessário, com essa ampola e adrenalina, o que sobrecarrega o aparelho cardiovascular. Teve que submeter o paciente a esse risco para fazer o procedimento adequado”, denunciou José Cláudio.

 “A médica que denunciou a falta de remédios recebeu ofício e está sendo pressionada pela direção administrativa a prestar esclarecimentos. Nós, médicos, temos o dever de denunciar a falta de condições de trabalho. Enquanto morre gente por falta de material e medicamentos, somos assediados pelos gestores, hora de forma velada e às vezes de forma escancarada”, relatou ele.

José Cláudio denunciou também ainda a interrupção de cirurgias eletivas. “Nas três últimas semanas, atendi pacientes graves que, caso tivessem passado por cirurgia eletiva, não chegariam a esse ponto. E por que não estão tendo cirurgias eletivas no Hospital Raul Sertã? Porque  faltam  insumos e porque demitiram alguns médicos por retaliação”, relata ele.

Falta de Conselho Municipal de Saúde e corte de verbas

Alexandre Vieiralves (foto abaixo), representante do Sindicato dos Médicos da Região Centro-Norte, disse que a postura do sindicato é a defesa intransigente do direito dos médicos de se manifestarem, de protestarem e de se posicionarem. “Hipoteco minha solidariedade aos médicos do Raul Sertã”, disse ele. 

Vieiralves alertou ainda sobre outro problema na gestão: “O Conselho de Saúde é um instrumento legal regulado por lei federal. O único que tem caráter deliberativo e tem função de definir as políticas públicas de saúde e fiscalizatória. Estamos sem o Conselho desde abril. E um município sem conselho de saúde pode perder a gestão e os recursos da pasta. O Executivo fez a convocação para novos conselheiros e estabeleceu como ordem classificatória o ingresso dos documentos, ou seja, uma corrida maluca. Não foi definido um processo eleitoral para um conselho de saúde. Quem entregar os documentos primeiro, ocupa a vaga. Queremos representatividade para termos um modelo de operação de saúde justo e adequado. O Sindicato dos Médicos não gostaria de judicializar isso porque isso pode trazer prejuízo ao nosso município. O poder público não tem autoridade para definir ordem classificatória, quem tem que definir é a sociedade”, denunciou ele.

Proposta de CPI

O presidente do Sindicato dos Médicos do Centro Norte, Renato Abi-Ramia, citou a ausência de planejamento estratégico na saúde como principal motivo da falta de medicamentos e insumos. “Estamos vendo a condução errônea da saúde. Falta total de planejamento estratégico. Não há controle e, com isso, faltam medicamentos e insumos básicos. Me preocupa os efeitos da pandemia, o pós Covid, pacientes com sequelas cardíacas, pulmonares, somando às doenças represadas. Isso já é motivo para abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde. Coloco o sindicato à disposição”, disse ele.

Outro motivo citado por ele para a abertura da CPI é a coação dos profissionais feita pela prefeitura. “Uma ginecologista saiu da saúde pública essa semana por causa da perseguição”, relatou Abi-Ramia (foto acima).

Urologistas podem desistir do hospital

Os vereadores Priscilla Pitta, Maicon Queiroz e Ângelo Gaguinho receberam cópia de um documento do Serviço de Urologia do Hospital Raul Sertã destinado à secretária de Saúde, à direção administrativa e ao ambulatório do hospital. O documento relata a falta de condições básicas de trabalho para atender a demanda do município. “Nas últimas semanas, recebemos inúmeros pacientes oriundos da emergência, que necessitam de procedimentos, os quais não dispomos de recursos mateiais essenciais.

O documento enumera problemas enfrentados pelos médicos urologistas, que trabalham no hospital, como a falta de cateter duplo J para pacientes com cálculo renal, aparelho para fazer cistoscopia danificado e pacientes renais que fazem tratamento fora de domicílio com dificuldade e demora para realizar procedimentos. Segundo o documento, tudo isso pode agravar os quadros dos pacientes, causando dor aguda, insuficiência renal e infecções urinárias complicadas.

A equipe de urologistas do Raul Sertã ainda ddetalham que “ficam de mãos atadas pela falta de estrutura. Dessa forma, é notório que trabalhamos em condições precárias, carentes de material básico, já solicitado diversas vezes. Também estamos prestando serviço de emergência nos fins de semana sem remuneração e sem reajuste salarial desde 2014. Pelo exposto, informamos que a partir da presente data, suspenderemos temporariamente, os atendimentos ambulatoriais e as cirurgias eletivas. Caso as reinvindicações não sejam prontamente atendidas, não vemos meio de dar continuidade ao nosso trabalho e solicitaremos o nosso desligamento.”  

Possíveis soluções

Questionados pelo vereador Max Bill sobre possíveis soluções para a melhora da saúde do município, os três médicos defenderam um atendimento de qualidade nas unidades básicas de saúde (UBS). “A grande saída é esvaziar o hospital, evitando que as pessoas adoeçam. Se as UBS estiverem funcionando adequadamente, se chega a esse resultado. O Hospital Raul Sertã não pode ser a porta de entrada dos pacientes no Sistema Único de Saúde. Temos que trabalhar para que as pessoas sejam tratadas ambulatoriamente”, defendeu ele.

José Cláudio Alonso frisou que os pacientes que não conseguem atendimentos nos postos, buscam o Raul Sertã. “A emergência do hospital recebe pessoas que deveriam estar sendo tratadas nas UBS. São pacientes, por exemplo, com sarna ou infecções de pele, ou que precisam renovar receitas de medicamentos contínuos”, relatou ele. Renato Abi-Râmia disse que “sem médicos especialistas nos ambulatórios, não se chega a lugar nenhum”.

Nova sessão para ouvir a prefeitura

O presidente da Câmara, vereador Wellington Moreira, solicitou uma nova sessão, defendida também pelos vereadores Maiara Felício e Professor André, com a secretária de Saúde, Nicolle Cipriano, o secretário de Governo e de Assistência Social, Direitos Humanos, Trabalho e Políticas para a Juventude, Marcinho Alves, e a Procuradora do município, Ana Paula Bitó Jordão. “Todos citados nesta sessão, merecem direito de resposta”, defendeu ele, acrescentando que “há independência entre os poderes, mas também deve haver respeito e harmonia.” A sessão deve acontecer no próximo dia 21.

Prefeito se pronuncia nas redes sociais

Assim que terminou a sessão, o prefeito Johnny Maycon se manifestou sobre as denúncias feitas na Câmara, através do Instagram. De acordo com o prefeito, na gestão de José Cláudio Alonso, que foi diretor médico do Hospital Raul Sertã no governo do ex-prefeito Renato Bravo, havia falta de médicos e medicamentos no hospital. “Enquanto ele foi diretor do hospital resolveu os problemas crônicos do Raul Sertã? Quando teve oportunidade não fez”, disse o prefeito.

O prefeito falou também sobre a acusação que o médico fez acerca da demora das licitações.  “O senhor diz que os processos da saúde agarram na Secretaria de Governo e no Gabinete. O senhor não sabe o que está falando, provavelmente não conhece o trâmite do processo licitatório. Então peço que apresente as provas”, disse o prefeito

E, finalizou o vídeo falando que “estamos enfrentando as oposições políticas, com várias reações em relação ao nosso posicionamento, que não negocia princípios e valores. Nós vamos colocar Nova Friburgo nos trilhos, com atendimento de saúde pública digna e com qualidade.”

A VOZ DA SERRA entrou em contato com o médico José Cláudio Alonso para ouvir seu posicionamento em relação às acusações feitas pelo prefeito em seu Instagram. Em nota, o médico informou que “é lamentável que o prefeito e sua secretária, mostrando um claro despreparo e incapacidade para lidar com os questionamentos, se mantenham numa posição de criticar a gestão anterior e não apresente as soluções necessárias ao caos em que se encontra a saúde. Fui diretor médico do Hospital Raul Sertã e é pertinente ao diretor médico fazer a gestão dos médicos e buscar alocar recursos e condições para o exercício da atuação destes profissionais e foi feito. Faltaram em alguns momentos insumos sim, mas não vimos o caos atual. E o diretor médico não é responsável pelo que cabe ao Executivo. Entregamos as enfermarias de ortopedia vazias. Entregamos leitos novos prontos de CTI, centro cirúrgico com seis novas salas, entre outras melhorias. No que tange aos processos licitatórios, quem demonstra não saber conduzir é a gestão atual, pois não chegam medicamentos nem insumos. Quem relata o problema são funcionários que fizeram realinhamento de processos. O prefeito não entendeu que a campanha acabou e que caberia a ele fazer a gestão e administrar o município. Mas ele reconheceu sua incapacidade diante de médicos e vereadores, na reunião que aconteceu no Hospital Raul Sertã. Como eu relatei na sessão, a secretária ao abordar uma médica no corredor do hospital, disse que" tem fechamento com o prefeito".... Talvez seja a única coisa certa que tenha dito. Fechamento de acesso às consultas nos postos e ambulatórios sem médicos, fechamento de acesso a exames e tratamentos, fechamento de leitos em enfermarias e CTIs, fechamento de acesso às cirurgias eletivas, fechamento de caixões....”

O que diz a prefeitura 

A Secretaria Municipal de Saúde informa que enviou um documento para o Hospital Raul Sertã a fim de apurar e investigar as acusações que têm sido feitas sobre mortes por decorrência de falta de medicamentos ou insumos. Tendo em vista que tais denúncias são muito sérias e a Secretaria de Saúde deveria ter sido comunicada oficialmente pela equipe de saúde do hospital, a pasta reitera que não ficou inerte às denúncias em questão. A secretária responsável pela Saúde, Nicole Cipriano, ressalta que em nenhum momento foi relatado a ela esses fatos narrados. 

A prefeitura afirma que, apesar das dificuldades, está trabalhando para suprir todas as demandas da rede pública de saúde do município. A respeito da falta de anestésico local, a Secretaria de Saúde já apurou que dentro da sala cirúrgica não havia o medicamento, mas que no momento em que foi solicitado à farmácia pela equipe de enfermagem, o anestésico foi entregue, prontamente, na sala de cirurgia. O secretário municipal de Governo e Assistência Social estava na sessão, já a secretária de Saúde, Nicole Cipriano, não estava presente.

 

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TAGS: saúde | Governo