Do Centro de Arte ao Centro de Turismo

Nova Friburgo e o dilema de todas as suas ‘ruínas’, incluindo o antigo Colégio do Parque da Cascata
sexta-feira, 06 de setembro de 2024
por Girlan Guilland
(Foto: Henrique Pinheiro)
(Foto: Henrique Pinheiro)

(*) “Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada. …” 

A plenos dias e no ritmo de mais uma campanha eleitoral, já a menos de um mês das eleições (vereadores, prefeito e vice), nesta data em que celebramos os 202 anos da Independência da Pátria é propício refletir sobre o momento democrático que vivenciamos. A verdade é que o clima da disputa já não é tão empolgante quanto há alguns anos. 

Apesar dos temas necessários em pauta, há um em particular que passará ao largo de todas as discussões e debates. Recentemente, o polêmico caso do Centro de Turismo Edmo Zarife (lei municipal 4.776, de 18 de dezembro de 2020) gerou reações diversas e expôs mais uma de nossas feridas. O CT - como a geração dos anos 1990/2000 se referia ao “point” de seus rolezinhos - após quase seis décadas de funcionamento, está sendo descaracterizado de sua função original para, possivelmente, abrigar um posto policial. Sem quaisquer consultas, “como quem rouba uma flor em nosso jardim, na primeira noite”. 

A grande falta que está fazendo tal debate e que vai perdurar por todo esse período eleitoral, e muito além dele, é assunto que permeia nossos dias de maneira implacável. Mais do que bicentenária, cidade de atributos especiais, beleza natural ímpar, história das mais ricas do Brasil, a nossa Nova Friburgo infelizmente ainda não acertou seu passo no caminho político-administrativo deste século 21.

De tragédia em tragédia, das catástrofes sócio-ambientais e climáticas às crises partidárias, que fazem nascer excrescências de toda ordem, a ‘Suíça Brasileira’, a ‘Capital da Moda Íntima’, a outrora ‘Cidade dos Cravos rubros’ ou seja lá que título for, às vezes nos lembra mais um barco adernando, um carro à deriva, desgovernado, num asfalto escorregadio. E o pior, sem condutor.

O que mais tem me preocupado - parafraseando ainda Martin Luther King - não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. A meu ver, um silêncio perturbador, de omissão, quase ensurdecedor, por mais paradoxal que possa parecer. Tenho repetido - como um ‘beija-flor no incêndio da floresta’ - que os bons friburguenses estão abandonando Nova Friburgo, deixando-a à deriva, adernando numa estrada de incompetências e atrocidades inexplicáveis, inaceitáveis. 

O episódio do Centro de Turismo é apenas um dos exemplos. É como lixo que varremos para debaixo do tapete e cujo volume explode em nossas faces, levantando uma poeira fétida, cobrando-nos solução. Cobrando-nos empenho e participação em assuntos e decisões que abandonamos à própria sorte há muito tempo. Urge perguntar: onde estão os verdadeiros friburguenses? Cadê o verdadeiro sentimento de pertencimento com a nossa cidade? 

Assim, de ruínas em ruínas, do Centro de Arte (que também tem uma lei municipal nomeando-o em homenagem a Jaburu - Julio Cesar Seabra Cavalcante), fechado desde 2011, às ruínas do extinto Colégio Nova Friburgo, no antigo Parque da Cascata, um milhão e 200 mil metros quadrados de um patrimônio de valor inestimável para o consciente coletivo friburguense, que entregamos à própria sorte, que deixamos à deriva sob a ação do próprio tempo. 

Na minha modesta opinião, “a maior prova de incompetência coletiva que todos nós - mesmo os bons, os melhores friburguenses - estamos perpetrando, com assinatura de recibo e tudo”. Cidade de tantos títulos, todos verdadeiros a seu tempo, estamos em dívida com aquela Nova Friburgo, que nos proporcionou chegar até os dias de hoje. Estamos ainda envergonhando muitos dos que nos antecederam nestes mais de dois séculos. Depois que o leite ferve, chorar pelo que foi derramado, é mais do que vergonhoso, é atitude de covardia. Notas oficiais se tornam dissonantes, num universo em que o papel aceita tudo, mas o destino não vai perdoar nossa omissão. 

Nova Friburgo clama, reclama, chora, transborda, desmorona. Reconstruí-la é muito mais do que nossa missão diária. Defendê-la, protegê-la todos os dias é o mínimo que temos a fazer, mas não basta vociferar que é ‘Por amor’, mas provar concretamente, respeitando o seu hoje, ontem, seu passado, memória, história, cultura, sua gente, com os pés hoje, no presente, projetando um futuro em bases sólidas, para uma Nova Friburgo cada vez melhor. 

Para finalizar, além do pedido para que tenhamos, de fato, mais amor por Nossa Nova Friburgo, sugiro a cada um, um exercício muito simples: repare no próprio prédio da prefeitura (a sede do Poder Executivo), mas à luz do dia, e não sob lâmpadas coloridas de cada anoitecer cênico. Olhem, observem e reflitam sobre nossas ruínas. Vamos pensar melhor e refletir sobre quem ‘não cuida da própria casa’, assim como não respeita nem mesmo as suas próprias assinaturas em documentos oficiais. 

(*) “No Caminho, com Maiakóviski’, do dramaturgo carioca Eduardo Alves da Costa; autoria erroneamente atribuída ao poeta panfletário russo, Vladimir Maiakovski (1893-1930), homenageado no título pelo autor.

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