A mudança no estilo de vida imposto pela pandemia da Covid-19 está trazendo consequências em diversos aspectos da saúde humana. De uma hora para outra, as pessoas se trancaram em suas casas e a vida foi transferida para as telas eletrônicas. Tudo passou a ser feito através delas, trabalhos, encontros, conversas, compras, estudos, consultas e até as atividades físicas. Com isso, passou-se a exigir mais dos olhos. Isso pode causar ou piorar os quadros de miopia. E, o aumento de casos deste distúrbio da visão, que já era uma preocupação da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2019, tende a se tornar um problema de saúde pública.
Em um texto publicado na revista brasileira de Saúde Materno Infantil, em setembro de 2019, o doutor em Saúde Pública, professor e pesquisador do Instituto de Medicina Integral, Malaquias Batista Filho, já alertava que “reunindo dados retrospectivos e suas projeções prospectivas, permite caracterizar um desafio e uma situação “até dramática”, dada a sua dimensão, e graves consequências (deficiência visual e cegueira) e a estrutura da natureza em seus fatores e efeitos, sustentado por tendências comportamentais e demandas da própria modernidade.”
De acordo com a oftalmologista, Carolina Serra Vieira Lobo, a miopia é um distúrbio de visão que causa dificuldade para enxergar objetos de longe, provocando visão embaçada. “A imagem é formada à frente da retina, tornando a imagem desfocada”, explica ela.
Causas da miopia
Muitas causas estão associadas ao surgimento da miopia e a genética é a principal delas, mas o ambiente em que a criança se desenvolve é um fator importante. A exposição à luz do dia tem um efeito protetor importante contra a miopia. ”Na maioria das vezes, a miopia está relacionada ao desenvolvimento do próprio olho. E o contato com a iluminação natural ajuda no desenvolvimento adequado do globo ocular. O tempo ao ar livre, que serve de fator protetor para a miopia pela exposição à luz solar, tem diminuído.”, explica a oftalmologista.
Quanto ao uso de smartphone, a tela pequena exige uma aproximação aos olhos, com uma distância de 20 centímetros, em vez da distância normal de 45 a 50 cm. Essa curta distância aumenta o risco de desenvolver miopia, em oito vezes, especialmente se ambos os pais são míopes. A iluminação interna também desempenha um papel importante, porque o uso de lâmpadas fluorescentes, como nas salas de aula, também promove o surgimento da miopia. Quando um tablet é usado nesse ambiente, o efeito é multiplicado por dez.
Hoje, crianças e jovens estão trocando o computador de mesa pelo smartphone ou tablets. Em 2019, houve um aumento de 23% para 30% de crianças entre 4 e 6 anos com smartphone próprio. “O uso de eletrônicos em geral, atualmente, tem sido proposto como um dos agentes ambientais de risco para o desenvolvimento da miopia. Nas últimas duas décadas, com o grande desenvolvimento tecnológico, as crianças passaram a ter acesso de forma muito mais precoce aos computadores, celulares e outros aparelhos, além de indivíduos de todas as faixas etárias passarem um tempo significativo em frente aos dispositivos eletrônicos.
As telas menores dos celulares fazem com que a maioria delas segure o equipamento muito próximo do globo ocular e, como consequência do esforço visual para perto têm-se a facilidade na perda do foco para longe. O uso de eletrônicos, especialmente se associado a leitura para perto, aumenta o risco de miopia por favorecer o aumento do comprimento axial do olho”, alerta a oftalmologista.
Estudos comprovam aumento de casos na pandemia
Além do aumento da procura de pacientes nos consultórios, um estudo realizado na China com mais de 120 mil crianças mostrou que os casos de miopia entre crianças de 6 anos aumentaram 400% nos cinco primeiros meses de lockdown de 2020, em comparação aos anos anteriores. O estudo é coordenado pelo professor do Departamento de Oftalmologia da Universidade dos Estados Unidos, Jiaxing Wang, e vem sendo realizado desde 2015 com crianças entre 6 e 13 anos de idade.
Os dados revelam ainda que entre os participantes com 7 anos o aumento foi de 200% nos casos de miopia, e aos 8 anos a alta foi de 40%. “A miopia está crescendo cada vez mais e já é uma epidemia mundial. Durante a pandemia, o uso de telas associada à reclusão em ambiente fechado está associado ao aparecimento e aumento do grau de miopia. Estudos já estimam esse aumento, o que é assustador. A miopia pode trazer consequências como descolamento retiniano, rachaduras (roturas) na retina, sangramentos e degenerações retinianas, glaucoma, até mesmo cegueira total e irreversível”, alerta Carolina.
A oftalmologista explica que o aumento do grau (em dioptrias) é uma evolução mais acelerada da miopia e pode ocorrer em função do esforço excessivo de acomodação causado com o uso de telas, muitas vezes sem pausas adequadas. “Pesquisas da OMS apontam que a prevalência global da miopia e alta miopia estão em ascensão no mundo todo, mas no Brasil avança mais que a média global”, enfatiza ela.
Sintomas da miopia
O principal sintoma da miopia é a dificuldade de enxergar objetos de longe. A imagem fica desfocada. Mas há outros sinais que podem indicar a presença da miopia. ”Os mais comuns são dor no globo ocular, dores de cabeça, tonturas, fechar os olhos pra enxergar melhor, lacrimejamento excessivo, necessidade de maior concentração para algumas atividades como dirigir, visão embaçada de longe mas boa de perto”, enumera Carolina.
Os pais devem ficar atentos aos sinais que as crianças apresentam, quando são míopes. “Essas crianças vão se aproximar mais dos objetos para enxergar, por vezes, coçar mais os olhos e piscar frequentemente. Quando maiores, vão conseguir relatar por elas mesmas o embaçamento da visão para longe, cansaço visual pelo esforço e dores de cabeça. Nesse momento, a escola torna-se uma grande aliada, pois os professores em sala de aula frequentemente observam essa dificuldade na rotina de estudo das crianças e podem repassar e alertar os pais”, explica a oftalmologista, completando que “identificando um desses sinais e sintomas a pessoa deve procurar seu oftalmologista de confiança para maior esclarecimento e tratamento”, diz.
Síndrome visual do computador
Além do agravamento ou mesmo surgimento da miopia, o uso prolongado de telas eletrônicas também pode causar a Síndrome Visual do Computador. Alguns sinais são dor de cabeça, ressecamentos dos olhos, sensação de areia ou corpo estranho, dificuldade para ler, embaçamento da visão, fotofobia, coceira, redução do piscar e da produção da lágrima basal. “Esses sintomas não indicam uma doença específica, mas um cansaço visual, uma fadiga ocular resultante de uma exposição excessiva às telas”, observa Carolina.
Ações de prevenção
O surgimento da miopia tem grande influência genética, mas com o aumento progressivo do número de míopes depois do surgimento de telas eletrônicas, como os tablets e smartphones, demonstra-se que são aspectos que influenciam na miopia. Com isso, é possível intervir no meio em que, principalmente, as crianças evoluem.
As ações de prevenção são muito mais efetivas em crianças e jovens do que em adultos e idosos. E para prevenir a miopia, o ideal é limitar o tempo de exposição deles a aparelhos eletrônicos, evitando que ela aconteça por tempo muito prolongado e também à noite. Como a exposição à iluminação natural é responsável pelo desenvolvimento adequado do globo ocular, é importante que crianças e jovens saiam de casa para que possam ter esse tipo de contato.
Erros posturais, como ficar debruçado para ler e forçar-se a enxergar muito de perto fazem também com que, eventualmente, o olho se acostume a essa distância. Em médio e longo prazo, isso pode gerar dificuldade levando ao problema de visão e erros refrativos. Portanto, o ideal é corrigir a postura quando estiver lendo algo ou realizando uma atividade. Pausas no uso de eletrônicos seria outra medida interessante para aqueles que estão em casa estudando e trabalhando online. E, por fim e não menos importante, nunca deixar de procurar o oftalmologista para diagnóstico e tratamento adequado, com correção da miopia, seja através de óculos, lente de contato ou cirurgia refrativa quando indicado, observa a oftalmologista.
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