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Os alquimistas

Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
Muitos homens seriam capazes de matar por um punhado de terra
Um informante que eu tenho nos altos escalões da União Europeia me segredou (verdade que a imprensa já havia noticiado fartamente) que cientistas locais conseguiram transformar chumbo em ouro. Não, não é piada. Não vou explicar, porque não entendo, nem você, embora muito mais inteligente do que eu, vai entender. Mas, em linhas gerais, foi o seguinte: um aparelhinho chamado acelerador de partículas fez trombarem dois pedaços de chumbo numa tal velocidade que mais parecia Bruno Henrique disparando pela lateral em jogo do Flamengo (o jogo é sempre do Flamengo, o outro time é complemento, embora às vezes o complemento vença). Pois bem, o choque foi tamanho que três partículas de chumbo pularam fora e aí, milagre dos milagres da ciência, um metal até modesto se transformou no mais valioso dos metais.
Infelizmente, o ouro produzido em laboratório durou literalmente menos do que um piscar de olhos e se desfez. É crer sem ver, mesmo porque não deu tempo de ver. Portanto, não foi possível guardarem prova da experiência, ainda que a tenham repetido várias vezes com sucesso. Uma pena, quem sabe era um jeito de o mundo produzir comida até para as crianças famintas dos países pobres ou em guerra. Se bem que, se a Terra fosse feita de ouro, muitos homens seriam capazes de matar por um punhado de terra. E, de qualquer forma, sempre haveria aqueles que encheriam a sacola, enquanto outros no máximo poderiam ser carregadores de sacolas. Apesar do ouro natimorto, os cientistas consideram o resultado um êxito total, que abre portas para grandes avanços da humanidade. Veremos (se ainda ficarmos neste planeta por um bom tempo).
Fazer pedra no meio do caminho virar metal precioso era o sonho dos antigos alquimistas. Também ambicionavam descobrir a cura de todas as doenças, inaugurando assim a vida eterna, antes que Deus resolvesse concedê-la. Jorge Ben Jor canta que “os alquimistas estão chegando”, e que “eles são discretos e silenciosos”. Mesmo assim, não chegaram nem perto do que os cientistas europeus conseguiram. Quem de certa forma se deu bem nessa empreitada foi Paulo Coelho que, com o livro “O Alquimista”, encheu a conta bancária, apesar dos críticos literários, e talvez com a ajuda involuntária deles.
Pra falar a verdade, não me impressionei muito com nada disso. Há muitos anos venho transformando em meio de vida os meus modestos vencimentos mensais, que melhor se chamariam derrotas mensais. Não sobra dinheiro no fim das contas, mas pelo menos tenho evitado que sobre contas no fim do dinheiro. Os verdadeiros alquimistas talvez sejam os trabalhadores, que conseguem viver do que ganham com o suor do próprio rosto, num mundo onde tantos vivem graças ao suor do rosto alheio. Ou talvez, ao contrário, os verdadeiros alquimistas sejam os que vivem entre iates e boates, palacetes e banquetes, enriquecendo enquanto dormem, dormindo enquanto enriquecem, sonhando indiferentes ao pesadelo que é a vida de muitos dos seus (des)semelhantes.
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Microconto: PREJUÍZO
Para fazer o curso, hospedou-se em hotel. Sem dinheiro, ficou 10 dias a pão e água. Saiu magro e abatido e sem saber o significado de “all inclusive”.

Robério Canto
Escrevivendo
No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.
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