Um mergulho no passado

Max Wolosker

Max Wolosker

Economia, saúde, política, turismo, cultura, futebol. Essa é a miscelânea da coluna semanal de Max Wolosker, médico e jornalista, sobre tudo e sobre todos, doa a quem doer.

quarta-feira, 16 de abril de 2025

No último sábado, 12, os judeus comemoraram a Pessach que para nós é a Festa da Liberdade ou Liberação. Ela comemora a saída do Egito, local onde os judeus habitaram por mais de 400 anos, sendo por um período como escravos. A travessia deles pelo Mar Vermelho em direção à Terra Prometida simbolizou a passagem da escravidão para liberdade. Desde então, os judeus reúnem-se todos os anos, para celebrar a Páscoa com elementos que relembrem a sua história e os fatos que culminaram na saída do Egito.

O termo liberação ou liberdade é muito amplo e tive vontade de reescrever a coluna que publiquei em 27 de maio de 2015, aqui em A VOZ DA SERRA, contando o destino trágico da minha família no campo de concentração de Belzec, na Polônia. Meu avô paterno nasceu em Prezmysl, distante 14 quilômetros da fronteira com a Ucrânia, berço da família Wolosker. E Belzec, na realidade, foi uma libertação das agruras passadas nas mãos dos nazistas.

Minha ligação com a Europa é forte, sanguínea mesmo, já que sou neto de poloneses e bisneto de italianos. Em 2015, fiz questão de conhecer a cidade de Prezmysl (que em polonês se pronuncia algo parecido com “chemichil”), onde a família Wolosker começou. Fui também ao campo de extermínio de Belzec, túmulo dos Wolosker que não conseguiram emigrar de sua terra natal, antes do início do holocausto. Depois do fim da segunda guerra, fui o único da família a ter coragem e ir prestar homenagem aos nossos mártires em seu local de suplício, consequência de uma das maiores barbáries do mundo moderno. Infelizmente a humanidade não aprendeu a lição e promoveu outras barbáries ao longo do século 20 e início do 21.

A construção do campo de extermínio de Belzec começou em 1º de novembro de 1941 e ficou pronto para o seu serviço macabro no final de fevereiro de 1942. Foi erguido num terreno de um antigo campo de trabalho escravo e sua escolha se deveu pela proximidade com a estrada de ferro que passava a 50 metros de sua entrada. Sua atividade começou no dia 17 de março de 1942.

Desde o início de suas operações até dezembro desse mesmo ano, os alemães deportaram aproximadamente 434.500 judeus e um número indeterminado de poloneses cristãos e de ciganos para Belzec, onde foram assassinados. A maioria das vítimas era de judeus oriundos dos guetos do sul da Polônia. Os alemães também deportaram judeus alemães, austríacos e tchecos para lá. O balanço final dá conta que cerca de 700 mil pessoas ali perderam a vida.

No início, as vítimas eram fuziladas, mas como o processo era lento, foram construídas as câmaras de gás onde o processo se acelerou. O mais macabro dessa história é que, como mostram fotografias do memorial do campo, as vítimas eram convidadas a se despirem e entrarem no compartimento, para tomarem um banho de desinfecção. No teto ficava um objeto que parecia um chuveiro, de onde saía o gás.

A matança terminou ao final de dezembro de 1942, quando os alemães perceberam que estavam perdendo a guerra, e Himmler (foi designado por Hitler como comandante das SS) ordenou que todos os vestígios de extermínio deveriam ser "apagados" por entre as áreas ocupadas. Realmente, quando se penetra no campo, as únicas construções que vemos são o prédio do memorial que contém reminiscências do local, entre elas uma maquete detalhada de Belzec. A outra edificação é um muro onde estão gravados os nomes de algumas das vítimas, entre elas a de minha bisavó Ethel e de outros parentes.

Foi uma visita triste, mas necessária, pois foi um mergulho nas minhas origens. A cidade de Prezmysl, na época, era um reduto de camponeses com uma vida muito simples. Tanto que meu bisavô, em 1910, enviou meu avô para morar com uma tia, em Buenos Aires, para que ele pudesse ter uma educação mais requintada que o deixasse em condições de ter uma vida melhor. Hoje, ela é uma cidade turística, conhecida por sua arquitetura bem preservada, incluindo o impressionante Castelo de Przemysl e a bela Catedral de São Nicolau, além disso oferece uma cena cultural vibrante com inúmeros eventos e festivais ao longo do ano. É, também, um ótimo destino para os amantes da gastronomia, com muitos restaurantes que servem a culinária tradicional polonesa. Belzec, por outro lado, parece ter sido amaldiçoada pelo trágico destino que lhe foi destinado e permanece um lugarejo sem maiores atrativos perdido no tempo.

Artigos como esse se fazem necessários para que se mantenham vivas as atrocidades promovidas pelos nazistas e que a juventude de hoje, pouco chegada à leitura, tome conhecimento das barbaridades que o bicho homem é capaz de cometer. Em 27 de janeiro de 1945, os russos libertaram Auschwitz, o maior campo de extermínio nazista, também, na Polônia. São passados 80 anos, mas a data só não cai no esquecimento em função do trabalho árduo de pessoas que fazem o impossível para que tais acontecimentos não sejam engolidos pelo tempo.

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