Terríveis perguntas

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Sem ao menos me pedir licença, caíram de tapas em cima de mim

Morávamos há pouco tempo em Olaria ─ eu tinha entre sete e oito anos ─ quando levei uma surra inesquecível. Felizmente, o fato nunca se repetiu, com igual, maior ou menor intensidade. Talvez eu tenha merecido outras vezes, mas como sou prudente até a covardia, sempre evitei as situações de confronto, sobretudo os confrontos físicos, pois desde cedo reconheci que eu não era nenhum Tarzan ou Super-Homem, nem mesmo o modesto Sargento Garcia, célebre adversário do Zorro.

O bairro era então pequeno e sossegado, de modo que minha mãe me permitiu a aventura de circular sozinho por ali. Lá ia eu desbravando a região, quando surgiram à minha frente três garotos que eu nunca tinha visto antes nem voltei a ver depois. Sem mais nem menos, sem ao menos me pedir licença, caíram de tapas em cima de mim. Voltei para casa chorando, minha santa mãe me colocou numa bacia com água morna e me deu um banho que secou minhas lágrimas.

A pergunta que até hoje me faço é: por que eles me atacaram? Eu nem sequer morava ali há tempo suficiente para dar motivo àquela agressão que, além de gratuita, era covarde, com três batendo e só um apanhando. O que me lembra outro acontecimento, esse da infância de meu filho. Eu estava assistindo a um faroeste na televisão, soldados americanos e índios trocavam tiros e flechadas. Leonardo então me perguntou por que eles estavam brigando. Eis aí uma pergunta que não tem resposta satisfatória: por que eles estão brigando?

É a mesma que se pode fazer quando se assiste ao noticiário ou se lê o jornal atualmente. O mundo é tão grande, tem lugar para todos os bilhões de seres que se movem sobre ele. Então o que justifica que tantos soldados se matem, tantos prédios desabem sob bombas, tantas crianças morram e tantas mães chorem? Alimentos sobram, o que se desperdiça é de uma enormidade assustadora, e nem por isso a fome diminui. Doentes e remédios com data vencida são jogados fora. Li que o planeta enfrenta no momento pelo menos sete guerras, algumas mais conceituadas, como a do Oriente Médio, e outras com menos mídia, na África e em regiões periféricas. Isto é: periféricas em relação aos países ricos e poderosos.

Ninguém ignora as razões históricas desses conflitos. Na Palestina eles remontam aos tempos bíblicos. Mas muitos países que hoje posam de civilizados deram um passeio pelo mundo, arrasaram povos, terras e riquezas por onde passaram e agora se espantam com o refluxo da história, na forma de milhões de imigrantes famintos e desesperados. A lei do eterno retorno não costuma falhar.

Por que as pessoas ignoram o sofrimento alheio, se agridem e se matam? Sim, por que eles estão lutando? Quando soubermos a resposta para essas terríveis perguntas, teremos enfim encontrado a paz, sonho que se comemora a cada primeiro de janeiro, Dia Mundial da Paz, data em que, hoje, no sossego de minha casa, escrevo esta humilde crônica.

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No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

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